Gripes e pneumonias letais são raras em jovens, mas em 2020 até mataram mais do que a covid-19
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Há uma semana, o PÁGINA UM denunciava o atraso de Portugal na divulgação das causas de morte por idade no site do Eurostat, e menos de uma semana depois surgiram. Coincidências à parte, conseguiu-se finalmente saber o impacte do primeiro ano da pandemia e sobretudo revelar a fraca relevância da covid-19 na população jovem, que acabou vacinada ao longo de 2021 e 2022. Sem necessidade, na verdade: a mortalidade por covid-19 nos menores de 25 anos não teve qualquer expressão estatística (cinco mortes em 2020), muito abaixo do impacte das pneumonias e praticamente ao nível da gripe. Os dados também permitem saber finalmente o número exacto para fins estatísticos das mortes atribuídas à covid-19 em Portugal no primeiro ano da pandemia (2020): segundo os valores enviados ao Eurostat, morreram 7.009 pessoas com confirmação laboratorial, a que acresceram mais 116 sob suspeita (sem confirmação laboratorial). A Direcção-Geral de Saúde apontava para 6.972 mortes em 31 de Dezembro de 2020.
Apesar das pneumonias virais e bacterianas serem doenças raras e felizmente pouco letais nas populações jovens, o seu impacte neste grupo etário diminuiu em 2020 – no primeiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2 –, mas mesmo assim o número de óbitos foi quatro vezes superior à da covid-19. Noutra perspectiva, a relevância da covid-19 em termos de saúde pública para este grupo etário foi claramente empolada antes e durante a fase de vacinação.
Esta é uma das principais conclusões da análise do PÁGINA UM feita à base de dados do Eurostat referente à mortalidade entre 2012 e 2020, incidindo sobre os óbitos no grupo etário dos menores de 25 anos. Ainda não existe qualquer informação para 2022, e os dados de 2021 ainda não estão disponibilizados para a esmagadora maioria dos países da União Europeia. Mesmo para o ano de 2020 a Itália e a Bélgica ainda não os disponibilizaram, pelo que esta análise excluiu estes países. Curiosamente, só esta semana surgiram os dados de Portugal, por coincidência poucos dias depois de o PÁGINA UM ter denunciado o atraso do Governo português.
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Sabe-se agora, finalmente, os números totais das mortes atribuídas à covid-19 no nosso país em 2020: para todas as idades, houve 7.125 óbitos, embora 116 sem confirmação laboratorial. As pneumonias foram responsáveis por 4.375 mortes, observando-se uma descida acentuada face aos anos anteriores. Por exemplo, em 2012 (sem covid-19), as pneumonias tinham sido responsáveis por 6.795 mortes em todas as idades. Mesmo com a baixa actividade do vírus influenza, os registo portugueses apontam para 133 óbitos, quando em 2019 se tinham contabilizado 334.
No caso do grupo das crianças, adolescentes e adultos jovens, os dados confirmam, contudo, que a covid-19 teve um impacte nulo do ponto de vista do risco de vida. De acordo com a base de dados do Eurostat – que, ao contrário da informação disponível pelo Instituto Nacional de Estatística, desagrega em detalhe as causas de morte pela codificação da Organização Mundial da Saúde –, a covid-19 terá causado no ano de 2020 a morte de 176 jovens com menos de 25 anos da União Europeia (não incluindo ainda Bélgica e Itália), representando somente 0,6% do total dos óbitos deste grupo etário (29.585).
As pneumonias, por sua vez, resultaram em 680 desfechos fatais neste grupo etário (2,3% do total), enquanto a gripe – mesmo com o seu quase desaparecimento – surge como causa de 84 mortes (0,3% do total).
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Em parte pelas medidas não-farmacológicas – que afectaram significativamente o normal desenvolvimento dos mais novos, tanto a nível escolar como de convívio social –, a letalidade das pneumonias até registaram uma redução significativa. No quinquénio anterior ao início da pandemia (2015-2019), as pneumonias provocaram, em média, 864 óbitos por ano nestes países europeus, o que significa que em 2020 se contabilizou uma queda de 21,3% (menos 184 óbitos). Comparando com os piores anos da última década, a redução das mortes de jovens por pneumonias ainda é maior. Por exemplo, em 2012 faleceram 1.175 jovens destes países europeus por pneumonias – o que confronta com as 176 mortes por covid-19 e as 680 mortes por pneumonias em todo o ano de 2020.
Aliás, para uma comparação mais efectiva e correcta do impacte da pandemia nos mais jovens, se se somar as mortes por covid-19, gripe e pneumonias – o denominado PIC (pneumonia, influenza e covid), que chegou a ser usado nos Estados Unidos para medir o impacte da pandemia – observa-se que, face a 2020, houve anos muito piores. Com efeito, para o grupo dos menores de 25 anos, segundo os dados do Eurostat, a mortalidade por PIC nos menores de 24 anos foi de 940 óbitos, ligeiramente superior ao ano anterior, mas sendo o terceiro menos mortífero desde 2012. Portanto, antes da existência da vacina contra a covid, esta situação configura um contexto claramente muito desfasada do alarme social junto de muitos pais e de jovens adultos.
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Este cenário da mortalidade por PIC foi, porém, bastante distinto nos diferentes países, mas não necessariamente por causa da covid-19, antes sim pelo paradoxal aumento das mortes por pneumonias não-covid-19 e pela gripe. Neste grupo de países em contra-ciclo destacam-se a França, Espanha e até Portugal.
Com efeito, no nosso país, embora a covid-19 tenha apenas causado em 2020 a morte de cinco menores de 25 anos (dos quais dois com menos de um ano, que nasceram com comorbilidades), as pneumonias provocaram 13 e a gripe mais quatro.
As quatro mortes em 2020 por gripe em Portugal de menores de 25 anos acabam mesmo por ser surpreendentes, porque a actividade do vírus influenza foi muito fraca nesse ano, por via da sua “substituição” pelo SARS-CoV-2. Com efeito, entre 2012 e 2019 apenas em três anos houvera mortes neste grupo etário causadas pelo vírus influenza: em 2016 (cinco óbitos), 2018 (também quatro óbitos) e 2019 (um óbito). Contudo, 2016 e 2018 ficaram marcados por uma forte actividade gripal.
No caso das pneumonias, os 13 óbitos também foram um número relativamente elevado, apenas ultrapassado, desde 2012, pelas 15 mortes em 2016.
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Numa outra (breve) análise do PÁGINA UM, verificou-se também que a covid-19 – face à mortalidade de 2020 e dos anos anteriores com maior mortalidade por infecções respiratórias de cariz sazonal (pneumonias e gripes) – somente começou a ser uma doença de contornos mais preocupantes no primeiro ano da pandemia a partir dos 40 anos.
Além de somente a partir dos 40 anos de idade a covid-19 ter começado no ano de 2020 a matar mais – e, portanto, a ser mais perigosa do que as pneumonias –, se considerarmos as PIC no ano de 2016 (sem covid-19 e “apenas” com gripe e pneumonias) registou exactamente o mesmo número de mortes do primeiro ano da famigerada pandemia.