Recensão Eleitoral

Sondagens: incompetência ou amor laboral?

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Fevereiro 2, 2022


Categoria: Opinião

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Pela primeira vez em Portugal, em período de eleições, pudemos acompanhar diariamente as intenções de voto, através da tracking poll da CNN. Um modelo de “política-espectáculo” importado da casa-mãe que garantiu audiências, análises diárias e que… falhou estrondosamente.

Como escrevi há uns dias neste jornal, a variação da amostra diária (apenas 150 pessoas) dava taxas de erro superiores a 10%, ou seja, poder-se-ia concluir tudo e o seu contrário em cada uma das previsões.

Contudo, a tendência foi uma e uma só: a de criar um cenário de subida da direita sempre suportada pelos comentadores em estúdio. Tentei reunir os analistas de esquerda, e não me consegui lembrar de outros que não Francisco Louçã, Pedro Adão e Silva, Ricardo Araújo Pereira e Daniel Oliveira, contra um exército infindável, nos três canais, de simpatizantes do CDS, PSD, IL e Chega (embora estes com algum pudor na assunção das suas cores). Esta estratégia teve um efeito óbvio no decorrer da campanha, uma vez que as equipas de comunicação e os líderes partidários adaptavam os discursos ao que imaginavam ser a intenção de voto.

Catarina Martins, por exemplo, a dada altura deixou de apontar ao PS para sugerir que se sentassem à mesa. Rui Rio que tinha iniciado a corrida sem grandes esperanças, já sugeria a Costa que soubesse perder com dignidade. O próprio primeiro-ministro, na última semana de Janeiro, deixou de falar em maioria absoluta e abriu a porta ao diálogo com todos. Era essa a leitura das intenções de voto, uma maioria absoluta impossível.

person standing near table

Quem assistisse aos diários de campanha nas televisões, apoiados nesta ilusão das sondagens e nas análises dos comentadores, imaginava que Rui Rio teria recuperado o terreno perdido e que a vitória estava garantida.

Sempre me fez alguma confusão toda aquela “onda laranja”, foi assim que a baptizaram, em torno de um homem que tinha mostrado em cada debate que não estava preparado para ser primeiro-ministro, cuja tentativa de se colar ao centro era mais uma estratégia de agradar a todos do que ideologia. E, pior do que tudo, que em momento algum se libertara das amarras do Chega. E nem a matemática que apoiava o foguetório parecia fazer sentido, como se comprovou.

Esta ilusão ajudou, por exemplo, a que se pensasse no voto útil à esquerda, para evitar um governo do PSD que só o seria com a ajuda dos deputados do Chega. O PS beneficiou, PCP e BE foram prejudicados. Não são poucos os relatos de eleitores de esquerda que, ao saberem da maioria absoluta, se arrependeram de não terem votado nos partidos onde normalmente votariam.

Mas o que acho mesmo mais deplorável no fim de tudo isto é a tentativa de uma saída à portuguesa. Ninguém diz um simples “desculpem, enganámo-nos”. Discutiram-se durante dias a gravata do Costa, o coelho do Ventura ou o cão do Cotrim, mas não há debate sério sobre uma calamidade probabilística que serviu apenas para entretenimento e teve de informação séria um valor a tender para zero. Não há responsáveis, não há culpados.

Faz-me lembrar aquela famosa compra de submarinos entre Portugal e Alemanha onde, do lado alemão se descobriu o corrompido, mas, alegadamente, neste belo rectângulo à beira-mar plantado, ninguém tinha sido corruptor. Ah, valente Pátria onde a responsabilidade é sempre aquela mãe de má-fama que acaba na solidão.

Julgo que foi Luís Aguiar-Conraria que melhor resumiu o que verdadeiramente se fez com a tracking poll. Cito de cabeça, mas julgo que foi algo parecido com o seguinte: “criaram-se notícias a partir de uma amostra pequeníssima e depois, comentaram a sua própria criação”. Acrescento eu, com aqueles painéis escolhidos a dedo e sempre inclinados para o lado que segura a faca. Isto não é informação e, julgo eu, também não deve ser jornalismo.

Resta, pois, descobrir se se tratará de mais um caso de simples incompetência, tão comum entre nós ou, por outro lado, de extrema dedicação ao trabalho.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Décimo sétimo episódio da Recensão Eleitoral (02/02/2022) – Sondagens: incompetência ou amor laboral?


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