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Em ambiente de crise, Expresso e sobretudo Público ‘transformaram-se’ em jornais digitais, e DN ‘desaparece’

man sitting on bench reading newspaper

por Pedro Almeida Vieira // Março 3, 2022


Categoria: Imprensa

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Em teoria, durante a pandemia, nunca houve tanto tempo para ler e tanta notícia para dar. Contudo, em dois anos, as perdas dos principais títulos da imprensa escrita generalistas foram brutais, sobretudo em banca. Apenas Público e Expresso mostraram bons resultados na aposta no digital, mas são maioritariamente jornais digitais. Depois da covid-19, o conflito russo-ucraniano é olhada com o desespero de um náufrago buscando uma boia.


Os dois anos de pandemia reforçaram o processo de digitalização dos principais títulos da imprensa nacional, e quem mais apostou nesta via conseguiu até recuperar os números de circulação mesmo com vendas em banca a diminuírem.

De acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), divulgados esta semana e analisados em detalhe pelo PÁGINA UM, a circulação digital paga entre o último trimestre de 2019 – imediatamente antes da pandemia da covid-19 – e o quarto trimestre do ano passado aumentou 63% nos principais títulos nacionais do segmento de informação geral (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Expresso, Jornal de Notícias, Público, Sábado e Visão).

Essa subida contrasta, porém, com uma forte queda da circulação impressa paga, ou seja, das vendas em banca. Considerando que se está perante quatro diários e três semanários, as vendas em papel desceram, no conjunto, de 1.026.752 exemplares por semana para apenas 692.308, uma redução de 334.444 exemplares, ou seja, menos 33%.

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O crescimento no digital deveu-se sobretudo a dois títulos: Público e Expresso, que se estão a transformar em jornais digitais. O conhecido semanário fundado por Pinto Balsemão em 1973 – e que apenas em finais da década de 1990 criou o seu site com cobertura noticiosa diária – registou nos últimos dois anos um crescimento de quase 18 mil assinaturas digitais, passando de 30.382 para 48.171.

A circulação digital do Expresso ultrapassou, pela primeira vez na história deste título, as vendas em banca, que foram em média de apenas 47.275 em cada semana no último trimestre de 2021.

Em todo o caso, mesmo somando a circulação digital e impressa, o semanário actualmente dirigido por João Vieira Pereira é agora uma sombra do passado: está já bastante abaixo dos 100.000, quando no seu melhor período (terceiro trimestre de 1995) chegou a alcançar, ainda sem edição online, os 169.454 jornais vendidos por edição.

Se a digitalização do Expresso constitui uma tendência, no caso do Público é já um facto, que foi fortemente reforçado durante a pandemia. Segundo a APCT, a circulação digital paga do diário dirigido por Manuel Carvalho tinha superado pela primeira vez as vendas em banca no quarto trimestre de 2019, mas de forma ainda ligeira (19.564 vs. 17.025). Contudo, uma política de marketing agressiva durante a pandemia catapultou as assinaturas digitais que subiram, no último trimestre do ano passado, para as 40.456, ou seja, um acréscimo de 107%.

Circulação paga digital no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.

Porém, mantendo uma tendência na última década, as vendas em banca do Público registaram um decréscimo significativo: menos cerca de cinco mil exemplares diários a menos entre o último trimestre de 2019 e o de 2021. O diário do Grupo Sonae, que vendeu uma média diária de 11.619 exemplares em banca entre Outubro e Dezembro do ano passado, chegou a atingir o seu máximo no terceiro trimestre de 2002, com 59.971 exemplares por edição diária. O Público é hoje, na verdade, sobretudo um jornal digital, que já regista um peso de 78%.

Nos outros títulos nacionais de informação generalista, o período de pandemia não lhes fez bem, tanto mais que, para estes o digital continuou a ser quase marginal, o que acentuou o peso das quedas nas vendas em banca.

O Correio da Manhã, que continua a ser o jornal com mais vendas em papel, teve uma queda de 30% em banca neste período. Foram menos cerca de 20 mil exemplares diários. A subida das assinaturas digitais neste período foi irrelevante: somente mais 864.

O Jornal de Notícias – que em 2009 ainda vendia acima dos 100 mil exemplares por edição diária – apresentou vendas em banca de apenas 24.227 exemplares no último trimestre do ano passado. Estes valores mostram uma queda de 37% nas vendas de jornal em papel, que nem sequer tiveram qualquer compensação no digital. No período da pandemia a circulação digital até decresceu (menos 933 assinaturas).

A situação do Diário de Notícias – ainda classificado como jornal de âmbito nacional – é um caso à parte destes títulos. O título do Grupo Global Media, dirigido por Rosália Amorim, vendeu apenas 1.866 exemplares diários no último trimestre de 2021, a que acresceram 1.834 assinaturas digitais.

Imediatamente antes da pandemia (último trimestre de 2019), as vendas em banca situavam-se nos 4.791 exemplares diários. No início do presente século, este diário vendia mais de 65 mil exemplares diários em banca. De histórico jornal, o Diário de Notícias vende agora muito menos do que periódicos regionais como o Diário de Notícias da Madeira, o Diário de Aveiro e o Diário de Coimbra.

Circulação paga impressa no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.

Nas revistas semanais generalistas, o cenário também não é animador. A Sábado, agora dirigida por Sandra Felgueiras, teve uma forte perda de vendas em banca nos últimos dois anos: menos 19.013 exemplares, uma queda de 48%. A subida na circulação digital paga neste período foi relativamente forte, mas com números absolutos baixos: mais 2.830, situando-se agora nos 4.718.

Já a Visão, liderada por Mafalda Anjos, perdeu em todas as frentes: banca e digitais. A circulação impressa – que continua a ser o forte desta publicação – caiu 24% nos últimos dois anos, tendo vendido apenas 24.523 exemplares por edição. A Visão chegou a vender muito mais de 100 mil exemplares em cada semana.

Para Eduardo Cintra Torres, professor universitário e colunista do Correio da Manhã, estes números revelam uma situação de crise generalizada da imprensa que a pandemia apenas agravou. “Nos últimos dois anos, houve imensos quiosques que encerraram por causa da pandemia, muitos nem irão reabrir”, destaca este especialista em comunicação, para quem “o modelo digital trouxe vantagens, mas também problemas como a pirataria de conteúdos e uma diminuição das receitas da publicidade”.

Considerando ainda que as novas gerações estão pouco atreitas a hábitos de leitura e ao papel, Cintra Torres reconhece a necessidade de se encontrarem soluções financeiras para os media. “Na França, por exemplo, existe já uma forte subsidiarização dos media por parte do Estado; existem também programas como os do Google e do Facebook, mas isso coloca depois problemas na independência dos órgãos de comunicação social”, diz.

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