Se desejarem perceber a razão do título, então terão de acompanhar-me num breve exercício de História. Não prometo que entenderão, mas fica o convite para me acompanharem.
Vamos para o século XVIII. Século de guerras. Como todos, infelizmente. Mas este começou o rufar de tambores bem cedo.
Entre 1700 e 1721, deu-se a chamada Grande Guerra do Norte, que envolveu a Rússia, Dinamarca-Noruega e Saxónia-Polónia, que desafiaram a supremacia da Suécia na zona do Báltico.
Abrangeu todo o período da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), onde andaram em pleitos sangrentos, entre outros Estados, o Sacro Império Romano, Áustria, França, Baviera, Portugal e duas facções de Espanha. O nosso marquês das Minas chegou até a tomar Madrid por uma quarentena de dias em 1706, acabando escorraçado pelo povo espanhol.
Pela Europa a paz deambulou por quase duas décadas. Ressurgiu com a sucessão do trono: o da Polónia, para o qual até um irmão do nosso D. João V esteve candidato. Resolveu-se com uma guerra que começou em 1733 e terminou cinco anos mais tarde, com refregas sanguinolentas entre austríacos, franceses, sardos, espanhóis e pretendentes ao trono daquele país.
Não houve duas sem três. Chegado o ano de 1740, veio a Guerra da Sucessão Austríaca, até 1748, tomando-se de agressivas razões austríacos, bávaros, holandeses, britânicos e espanhóis. Neste ínterim, Áustria e Prússia ainda tiveram tempo de se guerrear pela posse da Silésia, território hoje quase todo pertencente à Polónia, mas ainda com pedaços na Alemanha e República Checa. O primeiro período de guerras foi de 1740-1742, depois 1744-1745 e, por fim, 1752-1762.
Apanhou assim a muito conhecida Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que foi uma verdadeira guerra mundial nos principais continentes, e que contou com os “suspeitos do costume”: Áustria, França, Grã-Bretanha, Prússia, Rússia, Suécia, e claro também Portugal e Espanha – que onde esteve um, esteve outro, sempre opostos.
Como maus vizinhos, a Espanha chegou a invadir-nos, mais uma vez, à conta de sermos aliados dos britânicos, coisa que se resolveu a contento na denominada Guerra Fantástica – nuestros hermanos foram mais derrotados pelas diarreias e pelo Tejo do que pelas armas lusitanas.
Resumamos a “coisa” até ao final do século, até porque não é somente de guerras que este texto trata.
Portanto, ainda tivemos a conhecida Revolução Americana (1775-1783), e não havendo pouca, ainda lhe sucedeu a Revolução Francesa, a partir de 1787, que não acabaria, com as suas batalhas e ajustes de contas, antes da chegada de novo século.
Isto foi na Europa, porque nas colónias dos países europeus muita bordoada houve. No continente asiático contabilizam-se as guerras carnáticas – na região sul da Índia – envolvendo França e Grã-Bretanha quase ininterruptamente entre 1701 e 1761. Na América do Norte houve a Guerra da Rainha Ana, entre 1702 e 1713.
Podemos ainda incluir aqui, de fugida, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), em Minas Gerais, envolvendo bandeirantes paulistanos e colonos portugueses recentes, por conta do ouro. Mais acima, entre 1715 e 1717 tem de se contar com Guerra de Yamasee, entre colonos britânicos e indígenas.
Na zona do Caribe, bem como na Flórida e Geórgia, entre 1738 e 1748 decorreu a denominada Guerra da Orelha de Jenkins – que teve, como seu casus belli, a orelha cortada de um capitão britânico por um outro espanhol. A Espanha também se meteu.
Mais para norte, também franceses andaram com britânicos a banharem-se em sangue entre 1744 e 1748, na denominada Guerra do Rei Jorge. Anos depois, em 1754, meteram-se os Cherokee ao barulho. Somente cessaram hostilidades em 1763.
No último quartel do século XVIII ocorreu ainda, fora da Europa, a primeira fase das Guerras Maratha (1775-1782), em território colonial britânico na Índia. E ainda antes do final desse centúria, na região da África do Sul, deram-se, em 1779, os primeiros tiros das Guerras da Fronteira do Cabo, entre o povo xhosa e os holandeses e mais os ingleses. Duraram quase um século.
Apenas uso o século XVIII, por ser centúria que a Enciclopédia Britânica lista com muitas guerras e poucos anos de paz. E escolhi o século XVIII e não o XIX, porque este ainda teve mais guerras: 36. E o século XX uma mais: 37.
Com duas décadas e mais uns pós no século XXI, a Enciclopédia Britânica conta apenas três guerras (desconta os “pequenos” conflitos, mesmo se sanguinários): Afeganistão (2001-2014), Guerra do Iraque (2003-2011) e Guerra Civil da Síria (desde 2013).
Notem: sendo certo que, nas últimas décadas, “apenas” houve três conflitos intensos, todos tiveram vários anos de duração.
Assim, mesmo tendo em conta as horríveis fatalidades do actual conflito, a histeria quase generalizada que campeia pela imprensa, pelos políticos e pela população, numa época de globalização e de manipulação, está a reunir todos os ingredientes para se transformar tudo isto numa terrível e carnificina guerra. Exige-se coração frio e cabeça calma.
Saibamos uma coisa: Putin é como aquele meliante que enquanto jovem se foi “alimentando” do desleixo exterior quanto à educação das crianças, foi bebendo do desprezo de adolescente, mas que agora, enquanto ele empunha a arma no assalto, surge um coro de co-responsáveis por inércia e inerência a chamar-lhe nomes feios.
Caramba! Agora?! O homem, sendo facínora, está armado (na verdade, com um arsenal nuclear) e é imprevisível? Qual é a parte que não se percebe?
Putin não é um comboio que apenas quer derrubar um país, ou até o Mundo, e que tem de ser parado.
Putin é um comboio sim, e nada amistoso, mas está já em andamento. Não pára só porque lhe acenamos que tem de parar.
Agora é que se quer atacá-lo com cocktails molotov à la suicida, enquanto se grita mais nomes feios? Será essa a solução para evitar males maiores?
[Porque, nesta fase, já haverá, infelizmente, muitos males, mas muitos mais a evitar]
Ou deverá simular-se uma fuga estratégica à la D. João VI – reflictam bem sobre ela, porque foi de grande argúcia –, para depois, com mais calma e melhor estratégia, atacar o inimigo em outras condições, como se fez no século XIX com Napoleão Bonaparte?
E agora a pergunta retórica: que tem isto a ver com o título do texto?
Tudo, ou nada.
A História, minhas senhoras e meus senhores.
A importância da História.
A importância de sentir que esta não é a primeira batalha do Mundo, ou já guerra, como se queira, e nem seguramente será a derradeira.
E, em suma, a importância de fazer e sonhar, de imaginar e cogitar, de dizer disparates e de ideias brilhantes, de não ter medo de opinar, de não ter receio em dizer uma idiotice. Calarmo-nos, ou impedir que outros falem – ou não queiram falar – pode sempre, é certo, poupar-nos de ouvir idiotas; mas também evitar que tenhamos homens com coragem para ideias brilhantes.
Não queiram calar pessoas.
Não queiram impor um mundo maniqueísta.
Não permitam a manipulação, mesmo se parecer boa.
Não cometam injustiças apenas porque há um tempo indecente e facínora de uma determinada nacionalidade.
Não queiramos um Mundo impoluto de idiotas apenas porque ficou, o Mundo, destituído de ideias.