Sustentável Peso do Ser

A importância da (verdadeira) Ciência

grayscale photo of woman covering her face

por Gabriela Teixeira Borges // Abril 17, 2022


Categoria: Opinião

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Num editorial publicado a 19 de Janeiro de 2022, no The British Medical Journal (The BMJ), e que o PÁGINA UM noticiou, a revista mais antiga de medicina do Mundo, Peter Doshi (editor sénior do The BMJ e da equipe News & Views, e professor associado na Escola de Farmácia da Universidade de Maryland), Fiona Godlee (editora-chefe do The BMJ de Março de 2005 até 31 de Dezembro de 2021) e Kamran Abbasi (editor-chefe do The BMJ, médico, professor visitante do Departamento de Atenção Primária e Saúde Pública do Imperial College de Londres e editor do Journal of the Royal Society of Medicine) chamaram a atenção para a urgência da partilha de dados brutos sobre as vacinas e tratamentos à covid-19.  “Devem estar total e imediatamente disponíveis para escrutínio público”, defenderam.

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Começa o editorial por mencionar fatos históricos, de suma importância: “Nas páginas do The BMJ há uma década, no meio de uma pandemia diferente, veio à tona que governos de todo o mundo gastaram bilhões armazenando antivirais para influenza que não demonstraram reduzir o risco de complicações, internações hospitalares ou morte. A maioria dos ensaios que sustentaram a aprovação regulatória e o armazenamento governamental de oseltamivir (Tamiflu) foram patrocinados pelo fabricante; a maioria era inédita, os que foram publicados foram escritos por escritores pagos pelo fabricante, as pessoas listadas como autores principais não tinham acesso aos dados brutos e os académicos que solicitaram acesso aos dados para análise independente foram negados.”

Acrescentam ainda os autores que “os erros da última pandemia estão a ser repetidos. As memórias são curtas. Hoje, apesar do lançamento global de vacinas e tratamentos contra a covid-19, os dados anonimizados de participantes subjacentes aos testes para esses novos produtos permanecem inacessíveis a médicos, pesquisadores e ao público – e provavelmente permanecerão assim nos próximos anos. Isso é moralmente indefensável para todos os ensaios, mas especialmente para aqueles que envolvem grandes intervenções de saúde pública.”

Já sabemos da tendência perniciosa que a História tem em se repetir, mas a História não é autónoma neste feito!

A repetição fica a cargo daqueles que mais lucram e se beneficiam das nossas curtas memórias, das memórias que tão facilmente são substituídas por novas catástrofes que nos desviam a atenção de um assunto que não deve ser esquecido, negligenciado, ou tido de menor importância – a nossa saúde pública.

clear glass bulb on human palm

A mesma saúde pública que durante quase três anos esteve no epicentro de discursos políticos e mediáticos que banalizaram a ciência como se esta fosse do domínio e do entendimento de qualquer cidadão, passível de ser utilizada de forma corriqueira, em debates televisivos que em muito se assemelhavam a conversas de café.

“É a ciência”, fartamo-nos de ouvir das bocas daqueles que dela, tal como a maioria de nós, percebe muito pouco. E a culpa não é nossa, não somos obrigados a saber de tudo, para isso existem os especialistas, os formados na matéria, os entendedores. E esses, infelizmente, não são os políticos, a big pharma, os médicos, ou os filantropos, todos cheios de boas intenções, as mesmas que, segundo reza o ditado popular, está o inferno cheio.

Digo infelizmente porque só nos foi dado acesso a estas opiniões, destas mesmas pessoas sem qualificações para tal, que teimam em silenciar ou ignorar os verdadeiros entendidos na matéria: “Deram-nos acesso às publicações, mas negaram-nos o acesso aos dados subjacentes mediante solicitação razoável. Isso é preocupante para os participantes do estudo, pesquisadores, médicos, editores de periódicos, formuladores de políticas e o público”, afirmaram Doshi, Godlee e Abbasi.

E acrescentaram ainda que “os periódicos que publicaram esses estudos primários podem argumentar que enfrentaram um dilema embaraçoso, entre disponibilizar rapidamente os resultados resumidos e defender os melhores valores éticos que apoiam o acesso oportuno aos dados subjacentes. Na nossa opinião, não há dilema; os dados anonimizados de participantes individuais de ensaios clínicos devem ser disponibilizados para escrutínio independente.”

Não pretendo questionar o porquê desta falta de transparência na partilha de dados científicos que a todos nós dizem respeito, até porque somos nós, não só os recetores do produto em questão, mas somos também os seus financiadores, enquanto contribuintes.

Não pretendo também desmotivar ninguém de se vacinar, pois, acredito que em matérias de saúde, como em qualquer outra que diga respeito à liberdade de cada um, a cada um cabe decidir, livremente.

Também não pretendo afirmar que as vacinas são ineficazes ou prejudiciais, porque isso não sei.

Mas gostaria muito de saber, gostaria muito de ter acesso à verdadeira Ciência, à Ciência que serve aos interesses de todos nós, e não de apenas alguns; à Ciência que é feita com transparência, sem interesses sub-reptícios, sem agendas escondidas, e essa só é possível de ser feita e avaliada por especialistas independentes, em tempo útil, o que não está ainda, a acontecer.

“O principal teste de vacina contra a covid da Pfizer foi financiado pela empresa e projetado, executado, analisado e criado por funcionários da Pfizer. A empresa e as organizações de pesquisa contratadas que realizaram o teste detêm todos os dados.”, pode ler-se no mesmo editorial.

person holding orange and white toothbrush

E acrescentavam ainda: “Entre os reguladores, acredita-se que a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA recebe a maioria dos dados brutos, mas não os liberta proactivamente. Após um pedido de libertação de informação à agência para os dados da vacina da Pfizer, a FDA ofereceu libertar 500 páginas por mês, um processo que levaria décadas para ser concluído, argumentando no tribunal que a divulgação pública de dados era lenta devido à necessidade de redigir primeiro informações confidenciais.”

Confidenciais?! Agora os nossos dados de saúde, que a nós nos dizem respeito, devem ser de nós escondidos? Para proveito de quem? Para nos proteger do quê? Com que intenção?

Como escrevi em outro texto aqui no PÁGINA UM, a minha existência pauta-se mais por dúvidas do que por certezas, mas mantenho a esperança de que, neste assunto em particular, não esteja sozinha neste questionamento e exigência da verdade científica.

E espero que as nossas memórias não continuem a ser curtas, para que não cometamos o gravíssimo erro de deixar, uma vez mais, a História repetir-se.

Professora universitária


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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