EDITORIAL

X: antes a Morte que tal Sorte

boy singing on microphone with pop filter

por Pedro Almeida Vieira // Abril 19, 2022


Categoria: Opinião

Temas: Editorial

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Se quisermos, a paranóia da pandemia pode eternizar-se. Ou pode acabar hoje mesmo.

Depende se aceitamos o absurdo.

Por exemplo, ontem o Expresso anunciava que “o surgimento de novas variantes, como a Ómicron, reforçou a necessidade de uma estratégia de controlo da covid-19”, e por isso os Estados Unidos estavam a “redobrar esforços colectivos para encerrar a fase aguda da pandemia (…) e nos preparamos para futuras ameaças relacionadas com a saúde”.

Já sabemos, pela “amostra” dos últimos dois anos naquilo que isto vai dar.

Vemos agora, pelo exemplo demencial de Xangai, naquilo que se pode transformar a vida mesmo em civilizadas sociedades ocidentais que foram criadas com base no livre-arbítrio responsável e nas liberdades individuais.

mans face with white scarf

Tudo isto se pode, e deve (defenderão os políticos sanitaristas), ser posto em causa se houver razões de excepção. Novas variantes de um vírus, “futuras ameaças relacionadas com a saúde”, eis a excepção, qual sonho húmido de políticos democratas com tentações despóticas, que pode ser a regra, se assim se quiser.

Se assim a imprensa mainstream quiser. Se os Governos quiserem. Se os povos aceitarem.

Pesquiso no Google News sobre a suposta nova variante XE, através das palavras XE e covid: contabilizo já 29.800.000 notícias. Estão reunidos os ingredientes para a renovação da pandemia.

Ler algumas destas notícias causa uma dor de alma a quem defende um jornalismo que não permite manipulações, mistificações, especulações.

Leio, por exemplo, uma notícia da CNN Portugal – pego nesta como poderia pegar em tantas de tantos outros órgãos de comunicação social mainstream –, publicada em 6 de Abril passado, que reza assim:

A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) detetou, em janeiro, uma nova variante do SARS-CoV-2. Chama-se Ómicron XE, combina duas estirpes desta variante e, do pouco que se sabe, é mais contagiosa do que as variantes anteriores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já foi notificada.

Esta nova variante é aquilo a que se chama de vírus ‘recombinante’, isto é, que combina o material genético de dois vírus, neste caso, de duas variantes e subvariantes do mesmo vírus. A Ómicron XE combina a BA.1 (chamada de Ómicron original) e a BA.2 (uma subvariante).

Até ao momento, já tinham sido detetadas outras variantes recombinantes: as XD e XF, que juntavam a Delta e Ómicron BA.1. Segundo a OMS, a XD ‘está associada a maior transmissibilidade ou resultados mais graves”.

Nem sei bem onde pegar quando leio “pérolas” deste jaez.

A manipulação, a mistificação e a especulação começa logo em detalhes, que aliás serviram já para a Ómicron, que afinal acabou por ser uma bênção, do ponto de vista epidemiológico, pela sua maior transmissibilidade (mais casos) e menor letalidade (menos mortes), e portanto por ter concedido maior imunidade à população. Num raro momento de lucidez, Bill Gates até admitiu isso em 18 de Fevereiro deste ano numa conferência em Munique.

Na verdade, existirão razões científicas muito plausíveis e compreensíveis para que agora surjam variantes que usam um X inicial para a sua denominação. Em todo o caso, não temos apenas a XE. Já andam também por aí, e por agora, as variantes XA, XB, XC, XD, XF, XG, XH, XJ (não há XI, por razões políticas!), XK, XL, XM, XN, XP, XQ, XR, XS e XT, todas elas recombinantes, como todas as outras, desde que o SARS-CoV-2 começou a infectar humanos.

white and black speaker on green wall

As letras e as denominações possuem também valor simbólico, uma carga, um karma. E isso tem-se notavelmente feito notar na alimentação da pandemia.

A percepção da existência de um perigo (afinal inexistente, aparente ou real) proveniente de uma variante X qualquer coisa – como se marcasse um alvo – é maior do que seria se se continuasse a usar as letras A e B seguidas de pontos e números.

[já agora, diga-se que também há, em muito menor número, iniciadas por C (47), D (4), G (1), K (3), L (4), M (3), N (10), P (29), Q (8), R (2), S (1), U (3), V (2), W (4), Y (1, que, aliás, “nasceu” em Portugal) e Z (1)]

O “marketing vírico” em redor do surgimento (supostamente repentino) de novas variantes – que “podem” ser sempre mais perigosas, mais transmissíveis, mais um “par de botas”, como propalam jornalistas “acéfalos”, porque acríticos e preguiçosos – mostra bem o grau de insanidade colectiva.

A variante XE – que aparenta ser uma novidade, que justifica o levantamento de redobrados alertas – foi, na verdade, já identificada em 19 de Janeiro passado. Existem dados sobre a sua letalidade que justifiquem preocupação? Claro que não.

Nem sobre todas as outras variantes iniciadas por X, incluindo da primeira (XB) identificada no “longínquo” 8 de Julho de 2020!

Diga-se, aliás, a talhe de foice, que a famigerada variante Ómicron – anunciada como se fosse o fim do Mundo, e que justificou mesmo o encerramento de uma ala pediátrica do Hospital Garcia de Orta em Novembro do ano passado – foi identificada afinal nos Estados Unidos (com a nomenclatura BA.1) em 7 de Setembro do ano passado, ou seja, dois meses antes do pânico ser novamente relançado a nível mundial.

Porém, onde a insanidade colectiva espraia em todo o seu esplendor é nas notícias sobre o surgimento de uma nova variante, como se fosse fenómeno raríssimo, de sorte que cada vez que surgisse uma nova maiores perigos adviriam.

person holding orange and white toothbrush

Vamos ser claros: é uma estupidez absoluta continuar a pensar que a “criação” de novas variantes alguma vez terminará, a menos que se continuem com lockdowns, com máscaras, vacinas, com a obrigação de fazer o pino virado para Meca ou com a entrega das nossas liberdades de viver antes de morrermos.

Simplesmente, não vai acontecer.

Se, porventura, em vez de perguntarem aos leitores quanto tempo vai durar a Guerra da Ucrânia, os jornais com maior capacidade de endividamento (não propriamente económico ou financeiro) questionassem as pessoas sobre quantas variantes do SARS-Cov-2 existem, talvez se chegasse à conclusão da existência de quatro ou cinco.

E porquê? Porque se foi sempre moldando a percepção de que o surgimento de novas variantes era um fenómeno raro, imprevisível, e que, sendo assim, anunciada essa raridade, logo seria motivo necessário mas suficiente para alarme, medo e pânico.

Aliás, a raridade de certos fenómenos foi sempre pasto para especulações e medos cegos. Daí que, durante séculos e séculos, o surgimento de cometas ou de eclipses eram vistos como prenúncios ou causas de desgraças. Ninguém jamais anunciou o fim do Mundo porque o sol nasceu em certo dia, porque nasceu tantas outras vezes antes e renascerá outras tantas no futuro. A banalização de um evento elimina qualquer fobia. Não se assusta uma criança gritando-lhe muuuu todos os dias por detrás da porta.

Portanto, vamos lá fazer contas sobre variantes do SARS-CoV-2, procurando onde se deve. E arrumemos já com o assunto sobre a raridade das variantes.

black and white human face drawing

No Pango Network estão listadas, à data de hoje, 1.847 variantes, desde que as duas primeiras foram identificadas ainda em 2019: a variante B, em 24 de Dezembro, e a variante A, em 30 de Dezembro.

Como sucedeu com os testes PCR para encontrar casos positivos, no caso das variantes, quanto mais que escarafunchou na investigação, mais pequenas diferenças se descobriram. Levado ao extremo do absurdo, se aplicada à espécie humana a busca de diferenças classificadas como variantes, teríamos hoje não quase oito mil milhões de pessoas mas sim quase oito mil milhões de variantes da espécie humana.

Assim, no caso do SARS-CoV-2 foram “brotando” variantes. Só em Janeiro de 2020, ainda antes da chegada da covid-19 a Portugal, já havia 21 novas variantes no Mundo. No mês seguinte foram identificadas mais 35. Em Março – o mês do início do pandemónio na Europa – identificaram-se mais 385 novas variantes.

Desta sorte, na primeira metade de 2020 já estávamos com 883 variantes de SARS-CoV-2. No final desse ano, eram já 1.328 variantes, ou seja, 72% do total identificado até agora, o que é um paradoxo.

Até ao final de 2020, o SARS-CoV-2 “apenas” tinha infectado (casos positivos) 84 milhões de pessoas, mas “criou” mais de 1.300 variantes. Desde 2021, apesar de ter infectado mais 420 milhões de pessoas – isto é, cinco vezes mais – “só” teve habilidade para “criar” menos de meio milhar. Um mistério da virologia.

De facto, ao longo de 2021, a “multiplicação” de variantes amenizou, e desconfio que não terá sido por cansaço do vírus, mas mais por “aborrecimento” dos virologistas. Mas nem assim se pode dizer que se tenha parado de descobrir ou de que passou a ser um fenómeno raro. No primeiro semestre do ano passado “descobriram-se” mais 219 variantes; no segundo semestre foram 104.

Nos dois primeiros meses do presente ano contabilizam-se já 21 novas variantes, grande parte das quais recebendo agora a denominação iniciada por X. Não estão aqui contabilizadas 175 variantes que não têm data de identificação no Pango Network.

Neste cenário de inevitável “descoberta” de novas variantes, aceitarmos candidamente que algumas possam ser escolhidas, de forma aleatória e manipulatória, para fazer soar alarmes – e sem se compreenderem os motivos –, e justificarem-se assim renovadas medidas de excepção em prol de uma quimérica Saúde Pública de risco zero, é rendermo-nos a um distópico Novo Normal. Um Mundo em que é preferível a Morte que tal Sorte.

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