INVESTIGAÇÃO DO PÁGINA UM COM CONSEQUÊNCIA

Director editorial da Global Media ficou sem carteira de jornalista por ser gerente “globetrotter”

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por Pedro Almeida Vieira // Julho 14, 2022


Categoria: Imprensa

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Domingos de Andrade é director-editorial do Jornal de Notícias e da TSF, mas também administrador da Global Media e gerente de, pelo menos, mais cinco empresas do grupo empresarial liderado por Marco Galinha, acumulando ainda responsabilidade de edição em outros órgãos de comunicação social. Após a investigação do PÁGINA UM sobre as promiscuidades nos media, iniciada em Dezembro passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) recusou renovar-lhe o título por incompatibilidades. Será o primeiro de mais casos?


A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não quer renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade, diretor-geral editorial do Diário de Notícias, e Jornal de Notícias e ainda diretor da radio TSF.

A notícia foi ontem avançada pelo Correio da Manhã, que salienta que o também administrador da Global Media – proprietária destes órgãos de comunicação social – terá impugnado a decisão da CCPJ.

Em todo o caso, o PÁGINA UM confirmou que não consta actualmente no registo daquela entidade o nome de Domingos de Andrade nem como jornalista nem como “equiparado a jornalista”, neste último caso a opção escolhida geralmente para quem se mantém em cargos de direcção editorial sem o estatuto de jornalista acreditado. Domingos de Andrade usava o número 1723 na sua carteira profissional, o que indicia que terá começado a sua profissão em meados dos anos 90.

Domingos de Andrade tem assinado contratos comerciais de legalidade duvidosa, no contexto da Lei da Imprensa, enquanto lidera redacções de órgãos de comunicação social da Global Media.

A posição da CCPJ foi tomada somente no seguimento das investigações jornalísticas do PÁGINA UM, em Dezembro passado, que revelaram que Domingos de Andrade era signatário de dois contratos comerciais, como administrador da Global Media, com entidades públicas. Um desses contratos, assinado em 28 de Julho do ano passado, com a Câmara Municipal de Valongo contratualizava a produção de “52 (cinquenta e duas) reportagens anuais”, a inserir no Canal JN Directo, e ainda “12 (doze) páginas anuais” em suplementos.

Aquele contrato, com o prazo de 24 meses, surgia no seguimento de um outro assinado no início de 2019, tendo como objecto do contrato a “aquisição de serviços de promoção das marcas identitárias e tecido económico local do Município de Valongo”. Ambos com um preço contratual de 74.000 euros.

No entanto, estes contratos serão apenas a “ponta do icebergue”, porque os contratos comerciais entre órgãos de comunicação social e empresas privadas não são, geralmente, do domínio público, ao contrário daqueles que envolvem entidades da Administração Pública ou equiparadas, que constam do Portal Base.

Investigação do PÁGINA UM a revelar as promiscuidades na imprensa começaram em Dezembro do ano passado.

A contratação de produção de reportagens pagas – e, portanto, dependendo de critérios não editoriais – é uma das questões mais sensíveis na imprensa portuguesa e mesmo mundial.

A Lei da Imprensa destaca que o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e ainda de “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

No entanto, apesar de então a CCPJ ter revelado, em 22 de Dezembro passado, que abrira um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade – e também a outros responsáveis editoriais do Público e do universo da Global Media, dos quais se desconhece o resultado –, aquele gestor acabou por assinar novo contrato no final daquele mesmo mês.

Com efeito, Domingos de Andrade assinou um contrato comercial com a Comissão da Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte no valor de 19.990 euros para a prestação de serviços “de produção radiofónica” na TSF, a estação onde ele é director desde Novembro de 2020.

A intervenção de Domingos de Andrade em tarefas de gestão comercial no seio da Global Media são por demais evidentes. Além de administrador da holding – sendo o braço direito executivo do chairman Marco Galinha –, de acordo com o Portal da Transparência é ainda gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade. E assume, em todas estas empresas, a função de responsável editorial.

Independentemente da resolução deste processo, certo é que Domingos de Andrade está agora a exercer a sua actividade como director-editorial – constando o seu nome na primeira página do Jornal de Notícias de hoje e na ficha técnica da TSF – sem carteira profissional, o que coloca outro problema legal.

Com efeito, possuir carteira profissional válida é uma “condição indispensável ao exercício da profissão de jornalista” – uma situação análoga à carta de condução para a condução de automóveis. O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Domingos de Andrade, mas ainda não obteve qualquer resposta.

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