É o 13º processo de intimação no Tribunal Administração de Lisboa intentado pelo PÁGINA UM desde Abril. Desta vez, será o próprio regulador do Estatuto do Jornalista que estará no “banco dos réus” por recusar o acesso a documentos administrativos. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, liderado pela jurista Licínia Girão, defende que nem sequer os jornalistas que tenham já escrito sobre um determinado assunto lhes dá legitimidade para consultar documentos administrativos relacionados. Diz também que tudo são dados nominativos e nenhuma informação pode ser fornecida pelos membros da CCPJ (todos jornalistas) porque lhes é exigido sigilo.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), presidida por Licínia Girão, recusa permitir a consultas dos processos supostamente abertos em Dezembro passado (e já alegadamente concluídos) aos responsáveis editoriais do Público e da Global Media. Esta recusa será agora dirimida pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, sobretudo porque os argumentos daquele organismo formado por oito jornalistas constituem um atentado constitucional ao direito à informação e à liberdade de imprensa.
No caso do processo do Público, em causa está a assinatura de um contrato com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), no valor de 44.135 euros, assinado em Outubro de 2021, que tinha por objecto a prestação de serviços de “criatividade e marketing no âmbito das Comemorações dos 20 anos da classificação do Douro Património”, de publicidade e de “parceria editorial”, que resultou numa revista contendo artigos assinados por jornalistas em tons encomiásticos e um editorial do director Manuel Carvalho, consubstanciando um contrato comercial. Tanto assim que logo na página 5 constava um texto do presidente da entidade adjudicante, António Cunha.
Em relação à Global Media, o PÁGINA UM também revelara em Dezembro passado que o director da TSF, Domingos de Andrade, assinara contratos comerciais como administrador da Global Media, função incompatível segundo o Estatuto do Jornalista. Em Julho passado, notícias apontavam que a CCPJ não renovara a carteira profissional deste jornalista, mas, na verdade, Domingos de Andrade continua a constar na base de dados desta entidade como tendo o título válido.
Além destas situações, o PÁGINA UM também quis saber quais os procedimentos que a CCPJ tinha tomado no primeiro semestre deste ano contra os conhecidos jornalista José Rodrigues dos Santos e José Alberto Carvalho por terem estado a trabalhar sem carteira profissional, uma situação que poderia também implicar sanções à RTP e TVI, de acordo com a Lei de Imprensa.
No entanto, apesar do PÁGINA UM até já ter abordado – na verdade, denunciado – essas evidentes irregularidades, a CCPJ diz que analisados todos os pedidos, “notoriamente pela falta de fundamento do interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”, e também “por não ter sido alcançada justificação para tal”, não deve revelar os processos. A CCPJ diz que nos processos “poderá, eventualmente, constar (…) ficheiros pessoais de jornalistas”, considerando que “todos os documentos, comunicações e informações constituem documentos nominativos, sujeitos à proteção de dados pessoais e definição de perfis destes profissionais.”
A temerária tese desta entidade formada por jornalistas – e que regula a prática jornalística – acaba por ser uma defesa do obscurantismo sobre o qual o PÁGINA UM tem vindo a lutar com a apresentação de processos de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Em suma, a CCPJ defende que até mesmo jornalistas que já tenham abordado e denunciado casos envolvendo a Administração Pública não podem aceder a informação por supostamente não terem “interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”. E defende ainda que todos os dados de um processo, incluindo o nome dos visados, são dados nominativos insusceptíveis até de serem expurgados.
Mas este não é o único motivo para o PÁGINA UM fazer seguir para uma intimação junto do Tribunal Administrativo – que deu entrada na passada quinta-feira.
Pelos mesmo motivos, a CCPJ também recusou revelar os pareceres que terão sido emitidos desde a criação desta entidade em 1995 relativos à conduta de jornalistas. A intenção seria conhecer se alguma vez mais tinha o Secretariado da CCPJ, neste e em mandatos anteriores, lavrado um parecer similar ao que fez contra o director do PÁGINA UM em Agosto passado.
Recorde-se que a CCPJ, no decurso de uma queixa do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPS), acusou num parecer o director do PÁGINA UM de práticas “sensacionalistas” e de não separar factos da opinião. A CCPJ, além de nem sequer ter informado o director do PÁGINA UM da queixa – nem sequer lhe dando possibilidade de defesa –, ignorou por completo que, no decurso das notícias de investigação jornalística do PÁGINA UM, o presidente da SPS seria alvo de um processo de contra-ordenação pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) e afastado pelo Infarmed de consultor.
Como existem fortes suspeitas de este tipo de parecer ad hominem – sem ser levantado um processo formal que permitisse uma defesa – ser único, com o objectivo de difamar o PÁGINA UM, foi assim requerido ao Tribunal Administrativo de Lisboa que obrigue a CCPJ a revelar todos os pareceres ou a admitir que nunca antes se elaborara outro.
À margem destes casos, o PÁGINA UM também não conseguiu saber quantos processos disciplinares ou de outra natureza foram já instaurados no mandato de Licínia Girão à frente da CCPJ, nem saber se algumas das pessoas que com ela colaboram no jornal Sinal Aberto sem título profissional tinham sido alvo de algum processo de averiguação. O Secretariado da CCPJ alega que os seus “membros e colaboradores (…) estão sujeitos, por imperativo legal, a dever de sigilo relativamente a informações, esclarecimentos e procedimentos” sobre a sua actividade.
A vingar esta tese – que tem sido, aliás, defendida por outras entidades públicas “amantes” do obscurantismo no acesso à informação – implicaria que até qualquer membro do Governo ou alto dirigente da Administração Pública pudesse alegar “dever de sigilo” para nada informar nem revelar.
Na verdade, o dever de sigilo aplica-se aos funcionários, e não às instituições. Ou seja, pretende-se que os funcionários não utilizem para seu benefício (ou de terceiros) informações que obtiveram no exercício das suas funções. Bem diferente é a necessária abertura das instituições à disponibilização de informação (e documentos administrativos), que se encontra consagrada pelo código do procedimento administrativo e pela Lei do Acessos aos Documentos Administrativos.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.131 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Na secção TRANSPARÊNCIA começamos a divulgar todas as peças processuais dos processos. em curso no Tribunal Administrativo.