Recensão: A Nova Ordem Mundial

Uma utopia será sempre boa?

por Maria Afonso Peixoto // Outubro 12, 2022


Categoria: Cultura

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Título

A nova ordem mundial

Autor

H. G. WELLS

Editora (Edição)

Dom Quixote (Julho de 2022)

Cotação

13/20

Recensão

Conseguirá o Mundo, alguma vez, alcançar uma paz perdurável? E se sim, o que terá a Humanidade de fazer de modo a tornar essa possibilidade real? Com a eclosão da Segunda Grande Guerra, é a estas perguntas que o prolífico escritor, jornalista e romancista britânico H. G. Wells (1866-1946) tentou responder em A Nova Ordem Mundial, que teve a sua primeira edição em 1940, e foi agora republicado pela Dom Quixote.

H. G. Wells foi um dos escritores mais notáveis do início do século XX. O Homem Invisível, A Máquina do Tempo e A Guerra dos Mundos estão entre as suas obras mais conhecidas. Considerado um visionário e um dos principais percursores da ficção científica, vaticinou, por exemplo, o advento da rádio e da televisão, a vigilância em massa, a world wide web, e a bomba atómica.

A expressão “Nova Ordem Mundial” tem hoje servido de material para teorias da conspiração. Curiosamente, algumas delas poderiam mesmo fundamentar-se neste livro. É que o autor apresenta a tese de um governo internacional como a solução para os conflitos que na altura assolavam o Ocidente. Um socialista confesso – foi um dos membros mais proeminentes da Sociedade Fabiana – H. G. Wells mostra-se crítico do marxismo e da revolução russa, mas defende abnegadamente a colectivização do poder e reitera que está em curso o fim de uma era e a queda de uma antiga ordem.

Wells clarifica a sua ideia de colectivização no seguinte trecho: “[É] a gestão dos assuntos comuns da humanidade por um controlo comum responsável por toda a comunidade. Significa a abolição da discricionariedade nas questões sociais e económicas, assim como nas questões internacionais. Significa a abolição drástica da procura do lucro e de todas as artimanhas que os seres humanos engendram para parasitarem os seus congéneres. É a concretização prática da irmandade humana por intermédio de um controlo comum.”

Segundo Wells, é imperativo que ocorra esta transformação na sociedade, sob risco de o mundo redundar em miséria e destruição.

Wells adverte, porém, que este sistema socialista à escala global, que vê como inevitável, só poderá ser bem-sucedido se forem feitas diligências no sentido de proteger os cidadãos contra eventuais abusos de poder.

Para esse fim, torna-se essencial a formulação de uma Declaração de Direitos Humanos, que o autor apresenta em esboço nesta obra, e que viria a desenvolver em Os Direitos do Homem, publicado no mesmo ano.

Na verdade, o canadiano John Peter Humphrey, responsável pelo rascunho que serviu de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos, chegou a admitir que a matéria de H. G. Wells sobre os direitos humanos influenciou a elaboração do documento adoptado pelas Nações Unidas.

Embora conceba reflexões pertinentes, com as quais se pode até estabelecer paralelos com os tempos actuais, a realidade que H. G. Wells desenha como sendo desejável e necessária é manifestamente utópica. As últimas décadas provaram-no: o reconhecimento dos direitos humanos não tem impedido a sua violação, a paz não foi alcançada – adivinha-se, inclusivamente, novos cenários de guerra – e não parecem haver métodos infalíveis de evitar a tirania.

Não obstante, e quer se concorde ou não com a sua visão, a crítica sagaz e arguta de H. G. Wells à sociedade do seu tempo fazem com que esta leitura valha a pena e atestam à sua genialidade.

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