Há uma história ligeiramente hollywoodesca nos bastidores deste Mundial com guião de sonho, escrito para que um dos dois maiores da História da Ludopédia, Cristiano Ronaldo ou Messi, se despeça da elite com o título que lhe falta. O drama está garantido, porque, enfim, não há possibilidade de ex aequo, pelo que, na última oportunidade que a idade lhes proporciona, somente um poderá ser coroado.
Para os fãs que se dividem pelos dois ídolos – tal como Mundo se dividia em dois blocos na Guerra Fria –, as restantes selecções estão lá para fazer número. Ronaldo e Messi estão ali, e estão ali para encerrar definitivamente o duelo, e assim determinar quem será o number one da História.
Reconheço ser o bromance mais interessante deste Mundial. E, no plano teórico, Ronaldo parte na frente. Explico porquê.
Messi é, neste momento, um jogador que ainda faz a diferença em campo. Vemo-lo na selecção e esta época no Paris Saint-Germain. Com Neymar e Mbappé a acompanhá-lo na frente de ataque, tem sido ainda assim Messi a brilhar mais. Na Liga dos Campeões, no Estádio da Luz, foi Messi que marcou o ritmo e a atirou a contar.
Quanto a Ronaldo, continua a ser o melhor avançado do Mundo, dentro da área, mas já pouco acrescenta à equipa. Mesmo na selecção, onde joga o tempo que quer, tem atrapalhado mais do que ajudado nos últimos meses. No seu clube, o Manchester United, nem vale a pena falar, porque esta época pouco ou nada tem jogado. Independentemente das incompreensíveis decisões de Ten Haag, Ronaldo já não é o que era. É um facto.
Ainda assim, devo dizer que pertenço ao grupo de portugueses que acha que Ronaldo tem o direito de exigir o seu lugar, mesmo quando o corpo já não ajuda. Eu lembro-me o que eram as presenças em Mundiais e em Europeus antes de Ronaldo e depois de Ronaldo. A memória não pode ser curta ao primeiro trambolhão.
Fosse o futebol um jogo individual e não teria dúvida que este seria o Mundial de Messi. Contudo, a equipa que estás atrás de Ronaldo é incomparavelmente superior à da Argentina. Ou seja, no papel, se Ronaldo “encostar” nos passes que os outros 10 lhe vão fazer, tem sérias hipóteses de chegar ao ouro.
Há anos que digo isto e mantenho essa opinião: Portugal tem uma das melhores equipas do mundo. Entre o Euro 2016 e o Mundial 2018, entraram nomes como Ruben Dias, Raphael Guerreiro, Renato Sanches, Bernardo Silva, Cancelo, Gonçalo Guedes, Diogo Jota ou Bruno Fernandes. A que se juntaram mais tarde João Félix, Nuno Mendes, Vitinha, Palhinha, Diogo Costa, Dalot e Rafael Leão. Ficaram veteranos como Ronaldo, Pepe, William ou Danilo.
No papel, posição por posição, só encontro uma selecção mais recheada – a França – e outras de igual nível – a Bélgica e a Alemanha. Todas as outras são, na minha opinião, piores equipas do que esta geração de jogadores ao serviço de Fernando Santos.
E é aqui, no treinador, que as outras selecções dificilmente ficariam pior servidas do que a nossa. É este o maior risco para a história de sonho de Ronaldo.
Portugal tem uma equipa verdadeiramente de luxo, que deveria jogar sempre, mas sempre, a massacrar qualquer adversário, excepcão feita à Franca, Alemanha, Brasil e Bélgica. Contra qualquer outra, a palavra de ordem teria de ser apenas uma: atacar.
Mas com Fernando Santos, isso não é possível. O seleccionador nacional joga para o empate, para a defesa a todo o custo, para o pontinho ou o milagre do contra-ataque. Entre rezas à santinha e uma fé desmedida no losango defensivo do meio-campo, que o acompanha desde os tempos do Estoril, a capacidade de Fernando Santos em aproveitar a qualidade dos jogadores é quase nula.
Por isso, e por mais fraco que sejam os grupos de qualificação, consegue sempre ir aos playoffs, onde a sorte o acompanha – a Itália que o diga, que até lhe fez o favor de perder com a Macedónia.
Foi assim no Euro 2016, onde um golo tardio da Islândia nos colocou na fase seguinte, num grupo absolutamente miserável, onde contra Áustria, Islândia e Hungria, Fernando Santos não conseguiu ganhar um jogo.
Foi assim na qualificação para este Mundial onde, a ganhar em casa contra a Sérvia, começou a defender aos 50 minutos, acabando por perder no último minuto, seguindo para um playoff que poderia ter corrido mal.
Foi assim na Liga das Nações contra uma Espanha débil, onde um empate bastaria e onde desistiu de atacar ao fim de 45 minutos.
Quando vi Diogo Costa a defender quatro penalties seguidos na Liga dos Campeões só imaginei a felicidade de Fernando Santos, a fazer contas aos empates que poderia ter no Catar. Se pudesse, Santos jogaria com Diogo Costa, Ronaldo, quatro centrais e cinco trincos.
Dito tudo isto, e ainda assim, e com uma equipa tão boa, e mesmo com Fernando Santos a atrapalhar, acho que Ronaldo parte ligeiramente à frente de Messi, nesta corrida a dois.
E a Arábia Saudita – conhecida ditadura do bem, que já decretou um feriado para o dia de amanhã – parece querer dar-me alguma razão.
Agora é pedir aos nossos rapazes que ouçam bem, mesmo bem, o que o Engenheiro lhes diz. E depois, façam exactamente o contrário.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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