O diretor do PÁGINA UM cometeu o erro: pediu um balanço do ano de 2022 a alguém que não vê grandes diferenças entre o 31 de Dezembro e o primeiro dia de Janeiro. Nunca dei grande importância à mudança de ano e os balanços acontecem, na minha cabeça, sem hora ou dia marcado.
Acho que estou a tentar perceber o que se tem passado desde Abril de 2020, altura em que me juraram que vivia num país (Suécia) onde o Governo matava velhinhos para poupar nas pensões de reforma. De modo que, aqui para nós, ando a fazer contas à vida pessoal, profissional e aquela que me rodeia há quase três anos.
Entre dúvidas dos caminhos que devo seguir e das opções que a emigração me impõe, tenho duas certezas, que nem por isso me ajudam muito. Os últimos três anos foram os melhores da minha vida profissional e os piores do Mundo como eu o conhecia. Ou como achava que conhecia.
O ano de 2022 foi um espelho dessa realidade. A minha vida profissional deu uma volta onde tudo, bem, quase tudo, o que esperava finalmente aconteceu, e, quase em paralelo, a vida no continente europeu foi-se degradando em cada semana, com o alargamento da guerra na Ucrânia e as facturas que entretanto chegaram após dois anos erráticos de confinamentos.
A população empobreceu. A população que andou a fazer o que os governantes mandaram, em nome de um ridículo “vamos todos ficar bem”, passaram 2022 a ouvir que, “as long as it takes“, teriam de continuar a pagar uma guerra que não escolheram, e assim continuar o caminho iniciado em 2020 que resultou num condicionamento da liberdade individual, desemprego, aumento do custo de vida, endividamento dos países, mais impostos, inflação, salários devorados e aumentos insuficientes. Numa palavra: empobrecimento.
Como será em 2023?
Em princípio pior.
A guerra parece não ter fim à vista e, como nos mostraram os directos, há um regozijo geral em ver Zelensky a receber mísseis Patriot no Senado norte-americano. Alguém achará que isto é o bem comum: a defesa da União Europeia e mais uma série de balelas que nos vão vendendo para justificar a negociata. Como acharão outros que devem continuar a comprar energia russa e a alimentar a economia de guerra. No fundo, se cada nação fizer o seu negócio, o que lhes importa o sofrimento alheio?
No caderno de História da minha filha via os loucos anos 20 do século passado. Por lá, o historiador de serviço classificava as várias consequências do resultado da Primeira Guerra Mundial. Dizia-se que “a Europa saía endividada e os Estados Unidos credores”. Ora, 100 anos depois estamos no mesmíssimo filme com a diferença de acharmos, nós europeus, que nos estão a fazer um favor ao segurar os russos no Donbass.
Quer dizer… sei lá eu se isso será diferente ou não. Provavelmente em 1913 também alguém andava a dizer que aquele Francisco Fernando estava a pedi-las e era um agente secreto dos bolcheviques. E aposto que uma trisavó da Helena Ferro Gouveia defendia em 1905 que vender ferro aos alemães era imperioso, porque eles seriam o tampão à expansão dos Czares russos na Península Ibérica. Imagino que, em todas as eras, existam sempre os visionários com informações privilegiadas que atiram um pouco (ou muito) ao lado.
Bom… mas já me desviei do tema – como é, infelizmente, meu apanágio.
Hoje, 1 de Janeiro de 2023, o que se espera de diferente dos 365 dias do ano anterior? Muito pouco.
Eu estou a contar com incêndios em Agosto e cheias em Novembro.
Conto ver mais uns abusos do Erário Público e uns quantos secretários de Estado de bolsos cheios. Imagino mais umas quantas machadadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e um batalhão de gajos da Medicare a chatear o pessoal nos centros comerciais.
[Um deles, em Almada, abordou-me para me informar que, além do seguro de saúde, ainda tinha descontos na Adidas. Embrulha, SNS!]
Vou ver mais uns quantos putos, fresquinhos das universidades e com zero dias na carreira contributiva em Portugal, a pegarem na mala que a Linda de Suza acabou de deixar vazia.
Rezo aos santos, quaisquer que sejam, para a taxa de juro não ultrapassar os 5% (como se isso fosse um valor aceitável), e espero mesmo que, no meio da loucura geral, os chineses não sejam arrastados para confusões em Taiwan. O meu emprego depende do investimento chinês na Europa, portanto perdoem-me este momento de algum egoísmo, mas a mim, até ver, ninguém perdoa créditos.
[Também não é culpa vossa que não os tenha pedido ao BES; aceito essa falha da minha parte.]
Imagino manifestações todos os meses e salários cada vez mais miseráveis. Aliás, acho mesmo que chegámos a um ponto em que se esgotaram as hipóteses de negociação com as elites. São poucos, muitos poucos, os que conseguem ter uma vida confortável em Portugal e não parecem, em momento algum, querer abdicar disso pela via da negociação e da repartição justa de riqueza.
Em suma, minhas caras amigas e meus caros amigos, acho que 2022 foi, em geral, uma merda. E imagino que 2023 não mude de aroma.
Confesso que não ando muito optimista. Diz agora o estimado leitor: “olha, nem tinha reparado!”.
E mais digo: este é o tipo de pensamentos que me ocupa a mente grande parte do dia. Todos os dias, semanas e meses – desde que entrámos neste novo normal de empobrecer, pedir licença para sair de casa ou achar normal não poder tocar em familiares mais velhos.
Entretanto, anteontem descia eu a rua principal da “minha ilha” quando o repórter da RTP Açores me abordou de câmara ao ombro. Digo o repórter porque só existe um, e todos sabemos quem ele é. São menos de cinco mil habitantes e identificamos, por nome ou família, quem faz o pão ou nos martela a cerca, quem bate na chapa do carro ou quem nos arranja as pontas secas do cabelo. Em poucos segundos e sem que eu esperasse, ele diz: “Desejos para 2023 e uma mensagem de Ano Novo…”.
Eu, sem pensar muito, disse: “Saúde para todos, fim da guerra na Ucrânia e a baixa das taxas de juro”. São os três temas que influenciam a vida de maior parte das pessoas, julgo eu. Tendo consciência disso ou não, somos todos afectados pelas decisões de Bruxelas, Washington e Moscovo.
Adorava ser aquele gajo que chega ao primeiro de Janeiro e vive a personagem do “New Year, New Me”, e nos enche de optimismo daquele mundo das misses. Mas não sou.
Prometo muito voltar a tentar em 2024.
Até lá, para quem trabalha e depende disso para uma vida com dignidade, não desistam de lutar.
Um bom ano para todos!
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.