Cheguei à cantina e pedi o iogurte do costume. Não tem nada de especial: um fio de mel, três ou quatro nozes e já está. Na altura de pagar, reparei que o preço tinha subido de 3,5 para 4,5 euros. Já achava o preço de ontem desagradável, hoje nem vos digo.
Perguntei à senhora que me servia o porquê da repentina subida de preços e ela disse: “Sabe como é… a Ucrânia!”.
Enquanto ia contando o número de colheres que aquele iogurte me proporcionava, pensava nas costas largas da Ucrânia que não mandavam para ali leite, nozes ou mel.
A propósito desta temática, num programa de debate na RTP com quatro conceituados economistas, Francisco Louçã defendeu que as cadeias de distribuição aproveitavam este momento para aumentar a sua margem de lucro.
É um facto que os custos de produção são hoje mais baixos do que eram antes do início da guerra, mas, no entanto, não se nota uma redução no preço dos produtos finais. Segundo Louçã, depois de 20 anos em que as regras da concorrência não permitiram aumentos disparatados, chegou agora o momento das empresas aproveitarem a conjuntura actual para dispararem as suas margens. Isto contraria a previsão do Banco Central Europeu que nos assegurou, no ano passado, que a inflação seria temporária.
Identificado que está o problema, chegamos à terapia. De momento, discute-se se devemos continuar a aumentar as taxas de juro para controlar a inflação ou, se por outro lado, devemos repensar e compensar essas subidas na despesa das famílias com o aumento dos salários reais.
Sandra Maximiano, professora do ISEG, também presente neste debate, defendeu algo que já escrevi em outros textos aqui no PÁGINA UM: a aplicação cega da receita de Christine Lagarde – aumentar as taxas de juro em toda a Zona Euro – não tem o mesmo impacto em diferentes países.
Em Portugal, onde a população é mais pobre e as famílias mais carenciadas – é bom não esquecermos que 75% das pessoas levam para casa menos de 900 euros líquidos –, não há a mesma capacidade de aguentar o aumento da despesa mensal como em outros países mais ricos da União Europeia. Voltamos sempre à discussão de medidas que visam reduzir o consumo em famílias que já pouco ou nada consomem. Aliás, é um tema recorrente falarmos em famílias portuguesas, como se entre elas, as carenciadas fossem uma minoria.
Tenho sempre alguma dificuldade em dizer isto, mas parece-me que continuamos a considerar que Portugal é um país onde a classe média, à escala europeia, tem algum peso. Não tem. Se olharmos e compararmos com os países mais desenvolvidos da Europa, grande parte da população portuguesa nessa escala seria pobre.
Percebendo então que a inflação não é temporária, que os preços dificilmente voltarão aos valores pré-guerra e que as taxas de juro não regressarão ao mítico 1%, e perdoem-me por esta parte, mas seria obrigado a concordar com Luís Montenegro. Disse o líder do maior partido da oposição que era altura de arriscar e desafiar a Economia: “Temos de subir os salários em Portugal”.
Dir-me-ão que depois de 20 anos a defender o aumento de salários indexado à produtividade, chegou a vez do PSD, através do seu líder condenado à travessia do deserto, dizer o contrário. É preciso aumentar por decreto. Estaremos perante uma tentativa eleitoralista de Montenegro, concordo, ainda assim correcta.
Não há outro caminho. De facto, Portugal não pode continuar a ser o país dos baixos salários para onde as multinacionais se dirigem na procura de mão-de-obra qualificada a baixo custo.
É preciso que o Estado, depois de arrecadar impostos extraordinários e as empresas verem as suas margens de lucro subirem, tenham a capacidade e honestidade moral de dividir essas receitas com os trabalhadores, tanto na Função Pública como no setor privado. Esta é uma oportunidade histórica de tornarmos Portugal um país menos desigual.
Quando até o líder do PSD nos diz que é tempo de arriscar e subir os salários, percebemos que o Apocalipse está próximo.
Aumentem, então. Ontem já era tarde.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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