A reforma traz destes riscos: Cavaco Silva conseguiu tempo, e disposição, para escrever mais um livro.
Nada de grave.
Todos os dias aparecem dezenas de títulos novos e raro será o português que não tenha publicado um livro.
Ou tenha algum guardado com a esperança de haver uma editora que lhe pegue ou de arranjar dinheiro para uma edição de autor.
Cavaco Silva não é excepção.
Para mal dos nossos pecados há o pequeno risco de ele continuar a publicar às quintas feiras e outros dias, como já ameaçou, aliás.
Sendo assim algo com pouquíssima importância, porque é que eu decidi, então, escrever sobre isto?
Simplesmente porque, desta vez, Cavaco Silva promete bater todos os recordes no que toca ao seu narcisismo doentio.
Pelo título podemos prever um texto onde o exibicionismo, imodéstia e cabotinismo atingirão o auge do descaramento.
“O Primeiro Ministro e a Arte de Governar”, chama-se aquela coisa.
Conhecendo o personagem, parece óbvio que o tal Primeiro-Ministro de que se propõe falar, com arte para governar, só poderá ser a mesma pessoa que tem, na capa, o nome que o identifica como autor.
E essa “arte” é conhecida por todos os cidadãos deste país.
Porque a sofreram na pele.
Foi Cavaco quem teve a “arte”, enquanto Primeiro-Ministro, de acabar com a pesca e a agricultura em Portugal.
Graças a ele, o número de pescadores passou de 41 mil para 17 mil e Portugal chegou a um défice anual, nas pescas, de 800 milhões de euros.
Fernando Nobre garantiu, na altura, e os factos vieram a dar-lhe razão, que “nada tendo contra os nossos irmãos espanhóis” não compreendia que estes conseguissem mais licenças de pesca, e de pescado, nas costas nacionais, do que os pescadores portugueses.
Também, durante os seus mandatos, defendeu o abandono da agricultura a “troco de indemnizações” que chegavam da Europa.
Anos mais tarde, um Presidente da República, curiosamente com o mesmo nome, Aníbal Cavaco Silva, arrasou estas medidas num discurso lido no dia de Camões.
Artur Coimbra, num texto publicado no “Correio do Minho”, dizia não haver ninguém melhor do que “o coveiro da agricultura portuguesa e da actividade pesqueira, enquanto primeiro-ministro, para apelar à necessidade de o país voltar a pegar nas máquinas e nas rabiças do arado de modo a dar a volta à situação calamitosa em que os portugueses se encontram, em resultado de políticas destruidoras do que melhor o país tinha, apenas porque a ganância da União Europeia impunha a lei do mais forte”.
Para o Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Cavaco, na década em que governou o país, “ora apoiava a plantação de pomares, ora incentivava o arranque das macieiras, ora mandava investir na vinha, ora pagava para erradicar a vinha, em decisões irracionais e criminosas, meramente economicistas, que ainda hoje estamos a pagar e a lamentar”.
E concluía, “pelo meio, desde o cavaquismo, ficaram os cadáveres de centenas de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas familiares, que os programas europeus destruíram, inapelavelmente”.
Também há “arte” para governar quando, com a maior descontração, se tenta desmentir algo que todos, sem excepção, sabem ser verdade.
Não há um português que não tenha visto, dezenas de vezes, as imagens de Cavaco a garantir, nas televisões, que “dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa, os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”.
Apesar disso não hesitou em garantir, mais tarde, com toda a calma, que não falou do BES antes deste entrar em situação de crise.
Até Marcelo Rebelo de Sousa veio lembrar que, na realidade, falara.
“Falou e em termos que levaram a acreditar que o aumento de capital era para levar a sério”, esclareceu.
Também há alguma “arte” a governar quando se consegue que o Meo Arena fique nas mãos de um empresário capaz de o transformar num local de grandes espectáculos. Mesmo que, este, seja seu genro.
Juntou-se o útil ao agradável e acabou por ser um bom dote (ou indemnização), há que reconhecer.
E os exemplos poderiam suceder-se “ad aeternum”.
O livro pode, assim, ser uma obra esclarecedora já que escrita por quem sabe da matéria indicada no título.
Ainda assim, só o comprarei (está em pré-venda a 15,98 €) se a sua lombada tiver, exactamente, três centímetros e vinte e oito milímetros.
É a altura necessária para servir de calço a uma mesa de cozinha com uma perna mais curta, exactamente com essa medida.
Pode ser que tenha sorte!
Vítor Ilharco é assessor
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