VISTO DE FORA

PISA, covid e incompetência para dar e vender 

person holding camera lens

por Tiago Franco // Dezembro 12, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Talvez seja impressão minha, mas vejo pouca discussão sobre os resultados dos testes do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) na comunicação social portuguesa. Bem sei que não temos o hábito de discutir a Educação em horário nobre, mas este tema, parecendo que não, é um pouco mais importante do que os penalties que se debatem em todos os canais informativos, três ou quatro horas por dia.

Os testes do PISA são a medida utilizada para comparar os diferentes sistemas de educação nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e alguns convidados, num total de 81 participantes. 

Alunos de 15 anos são avaliados em temas como leitura e compreensão, Matemática e Ciência.  

woman covering her face with white book

O recente relatório publicado, referente aos resultados de 2022, é particularmente preocupante porque mostra um tombo enorme em quase todos os países. No caso de Portugal, há uma queda de mais de 20 pontos na Matemática, uma pequena hecatombe.

Uma das conclusões do relatório é que a pandemia e o encerramento das escolas contribuíram para piorar os resultados. É uma consequência lógica, diria. Alunos em casa, escolas fechadas, países confinados, programas que ficaram por dar ou que foram despejados por aulas remotas. No fim, as notas mostram que há um equilíbrio nos conhecimentos entre os estudantes de 15 anos, em 2022, e os de 14, em 2018. Ou seja, em termos práticos, perderam um ano do seu percurso escolar.

Esta é uma parte da factura da criminosa política que maior parte dos países europeus adoptaram durante a pandemia. A outra, como percebem em cada mês, é a quantidade absurda de impostos que pagam para compensar o endividamento que foi necessário para pagar salários enquanto se parava parte do sector produtivo. Ou até a destruição do SNS (Serviço Nacional de Saúde) enquanto se desviaram milhões para farmacêuticas que nunca abriram as patentes das vacinas e para laboratórios que cobravam fortunas por testes obrigatórios, ao abrigo de leis idiotas que nos condicionaram os movimentos.

gray steel gate closed with padlock

Não sei se já estaremos no momento certo de analisar o que foram os anos da pandemia. Não sei se já podemos discutir o escândalo que foi o desvio de dinheiro dos impostos para vacinas. Não discuto a sua necessidade, discuto o financiamento a farmacêuticas pelos Estados para criar uma vacina e perceber que, durante o processo, estas nunca foram obrigadas a abrir mão das patentes. Foi nesse momento que ficou claro que a questão não era salvar vidas, mas sim rentabilizar um negócio.

E isso foi válido para os hospitais privados que cobravam um preço absurdo por cada doente, deixando o SNS a rebentar pelas costuras.  Vimos leis que nos proibiam o mais básico dos movimentos e que geraram fortunas para laboratórios, a troco de um teste para sair de casa.

Uma amiga, que trabalhava na indústria farmacêutica, num fabricante de álcool-gel, dizia-me que foram anos de jackpot e loucura total. Escorria dinheiro pelas paredes com a obrigatoriedade de usarmos aquela “baba” em cada sítio público onde entrávamos. No fim da pandemia e das obrigatoriedades, despediram pessoas e guardaram os lucros nos bolsos dos accionistas. Se há algo que nunca perde rumo em pandemias, guerras ou catástrofes, é o capital e os capitalistas.

brown leather wallet on orange textile

No meio desta loucura toda, andámos a bater palmas aos enfermeiros enquanto ficávamos em casa sem pensar como é que chegava aquele salário. Ninguém quis saber do endividamento do país para ir mantendo as contas. Diziam “o que é preciso é salvar vidas, logo se vê quem paga”.

Ora, não só não era necessário estar em casa para “salvar vidas”, isso hoje está mais do que provado (a não ser que julguem que a covid-19 foi erradicada como a lepra), como, de facto, não havia condições para pagar por isso depois. Batemos palmas ao que seria o nosso próprio empobrecimento e, hoje, é essa a realidade. Somos, de facto, mais pobres.

Perdemos empregos, perdemos casas, perdemos poder de compra. E pior do que aquilo que fizemos aos adultos, ainda conseguimos prejudicar gravemente o percurso escolar das nossas crianças. 

Será alguma vez julgada esta elite política absolutamente incompetente que governou a Europa nestes últimos anos?

O primeiro-ministro, António Costa, e Ursula von der Leyen. A presidente da Comissão Europeia tem estado sob suspeita devido ao alegado desaparecimento das mensagens trocadas via telemóvel com o presidente da Pfizer, Albert Bourla, no âmbito do mega-negócio de compra das vacinas. A polémica envolve ainda o secretismo em torno dos contratos assinados com as farmacêuticas na pandemia.

Contudo, a pandemia não justifica tudo. Há conclusões do relatório para o caso português que, não sendo novidade, deviam ser tema de debate e reflexão.

Em Portugal, segundo os resultados do PISA, a escola ainda não atenua as diferenças entre pobres e ricos.  É mais provável que uma criança de classe média tenha melhores notas do que uma que venha de um estrato social mais pobre. 

A isto podemos juntar um sistema de ensino onde os melhores e mais ricos são escolhidos pelas escolas privadas, deixando no regime público quem não tem outra hipótese. Acrescentem à receita alguns professores que se reformaram sem serem substituídos e uma classe – inteira, assumo – desmotivada por 10 anos de congelamento das carreiras e salários miseráveis.

boy in black hoodie sitting on chair

Significa, pois, que Portugal já vinha, há anos, a desmantelar a escola pública. Tal como o Serviço Nacional de Saúde. A pandemia deu apenas a estocada final num processo que já era óbvio e perceptível há muitos anos.

E a prova de que nada aprendemos com o caminho que nos levou ao trambolhão nos resultados do PISA está no Orçamento apresentado pelo PS, um Orçamento que alguns ainda insistem ser de esquerda. Por lá podem ver a maior transferência de sempre de dinheiro público para privados na saúde e a Educação com um dos menores aumentos, quando comparado com o Orçamento de 2023.

Portanto, não há aqui coincidências, azares ou pandemias. Há decisões, normalmente erradas, antes, durante e depois da pandemia.

man staring at white sky taken at daytime

Por outro lado, o que é que importa, para Portugal, os resultados do PISA, a falta de conhecimento adquirido pelos nossos alunos ou até a assustadora degradação da escola pública? Grave seria se esses cérebros, no fim do seu percurso, ficassem a trabalhar em Portugal. Agora, como cortiça, vinho, azeite e miúdos com formação universitária, são produtos para despachar para o primeiro mundo, eles que resolvam o problema caso apareçam por lá dois ou três com deficiências na tabuada.

Com tantas ofertas de mão de obra que fazemos aos países ricos, ninguém leva a mal se a produção tiver um soluço ou outro. É evitar o modelo de 2020 e esperar pela fornada seguinte. Com PISA ou sem PISA, continuaremos a educar para todos vós, enquanto esperamos a vossa visita com um moscatel e um pastel de bacalhau recheado com queijo da serra. 

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.