JAIME NOGUEIRA PINTO, POLITÓLOGO, ESCRITOR E EMPRESÁRIO

‘Portugal, a partir da descolonização, ficou uma potência europeia de terceira classe’

por Maria Afonso Peixoto // Dezembro 15, 2023


Categoria: Entrevista P1

minuto/s restantes

O novo romance de Jaime Nogueira Pinto leva-nos até ao fim da Guerra Fria, nos anos 1980, para adentrarmos no empolgante e misterioso mundo dos operacionais da CIA. Os passageiros da Sombra é sobre um grupo de agentes que se vê, inesperadamente, numa delicada operação para descobrir os responsáveis pela morte de um representante da Agência na África do Sul, em pleno conflito entre as forças do MPLA e da UNITA. Aquilo que venham a desvendar poderá mesmo pôr em causa o apoio dos americanos aos rebeldes em Angola. Para montar o enredo, que passa também por cidades como Lisboa, Roma e Paris, o escritor, politólogo e historiador recorreu às suas próprias experiências, misturando-as, no entanto, com uma boa dose de imaginação. Afinal, trata-se de ficção. E é através da ficção, aliás, que prefere dar a conhecer o seu passado, já que se diz supersticioso em relação à escrita de memórias. O livro foi o pretexto para uma conversa com o PÁGINA UM, que desembocou num tema no qual é ‘especialista’: a direita, ou “as direitas”, o momento que atravessam em Portugal e na Europa, e o papel que poderão desempenhar em cenários políticos próximos.


Para este seu segundo romance, porque optou por um enredo assim, envolvendo espiões da CIA?

Por várias razões da minha vida, nos anos 1980-90, ainda antes do fim da Guerra Fria, com as questões todas ligadas às lutas em África… Aliás, o meu livro Jogos Africanos tem essas histórias todas que serviram um bocadinho de fundo a isto. E eu confesso que a ficção foi uma coisa que eu demorei muito tempo a arriscar-me a escrever, porque tinha a ideia de que a ficção, ou é, de facto, aqueles grandes escritores, como Tolstói, Dostoiévski, Dickens, Balzac, Scott Fitzgerald, Faulkner, enfim, todos esses “grandes”; ou, então, é estas coisas que às vezes vendem muitos livros, mas que a gente lê meia dúzia de linhas e põe de lado. E não me achava nem tão bom como uns, nem tão mau como outros, portanto, nunca me meti nisso. Mas depois, por circunstâncias da minha vida, de certo modo, precisei de escrever um bocado mais sobre a minha história. E escrevi o Novembro. Enfim, estas coisas da ficção… Enquanto nós, na História, na História das ideias e de Portugal – e eu já publiquei muita coisa sobre a História de Portugal do século XX –, temos um guião, e não temos de o inventar, apenas de dar-lhe forma e às vezes investigar alguns pontos; na ficção, somos livres, temos um poder quase divino porque podemos dar largas à imaginação. E este não é propriamente um livro só de imaginação, mas também, e sobretudo, um livro que tem algum conteúdo histórico internacional de todos aqueles finais da Guerra Fria em África, nomeadamente em Angola. E, portanto, a intriga anda toda muito centrada nisso. E a partir daí, falo de mundos, de pessoas, e lugares que eu conheci, e que para a ficção, reinventei. Como dizia Cervantes, do Dom Quixote, na poesia somos livres. Na História, não; temos de seguir os acontecimentos rigorosamente.

E, portanto, isto é uma mistura, porque também há História, e há personagens aqui que são históricas. Aliás, algumas personagens são figuras públicas, da política. E que, em dadas alturas, ocupavam certos cargos, ou morreram, e por aí fora. Portanto, isso também é uma espécie de pano de fundo. E depois, a intriga, com aquelas cinco ou seis personagens principais, essas são inventadas por mim. São inspiradas, pelo menos em parte, em pessoas parecidas com aquilo; e em meios, ambientes, perfis…. Mas fui eu que as criei, sou eu que as ponho a falar e a pensar, dando-lhes depois uma coerência interna. Como viu, o sistema da divisão da história é assumindo cada uma dessas personagens, em diferentes momentos, e a pessoa sabe que a partir dali, é como se nós fôssemos essa personagem. Achei que era um material com algum interesse, embora eu já o tivesse tratado em livros anteriores, nomeadamente em Jogos africanos, que é um livro de História que vai desde esse período da Independência de Angola e Moçambique até ao fim da Guerra em Angola; portanto, cobre esses 20 anos.

Mas as personagens também foram inspiradas em pessoas que conheceu?

Sim, conheci pessoas assim. Depois, há sempre um “problema” para o autor, que acaba por estar um bocado “metido” nas personagens. É quase impossível desvincularmo-nos. Aliás, é aquela coisa que o Prémio Nobel Orhan Pamuk dizia: a ficção ou o romance têm a vantagem de podermos contar as histórias passadas connosco como se tivessem passado com outros, e as histórias passadas com os outros como se tivessem passado connosco. Eu comecei a escrever este livro há cerca de cinco anos, mas depois pelo meio escrevi e publiquei outras coisas; publiquei a biografia do António Champalimaud, um sobre as pestes na altura da covid-19…

O Contágios.

Sim. E escrevi um último chamado Hegemonia – 7 Duelos pelo Poder Global. E, portanto, interrompi a escrita deste livro, e entre o ano passado e este, acabei-o. E pronto, como se costuma dizer, está “a andar”.

Os seus romances acabam por servir um pouco como “memórias”?

Sim, eu tenho um bocadinho de superstição com as memórias. E acho que esta forma da ficção, que, aliás, já no Novembro usei, dá alguma defesa também. De certo modo, é uma forma de expormos mais facilmente os nossos pontos de vista sobre algumas coisas e de imaginar situações. E a ficção acaba por ser muito criativa. No fundo, cria mundos; o problema, depois, é encontrar essa coerência interna, com as personagens, que às vezes não é fácil. Mas de um modo geral, as coisas que contei, conheci os sítios, os países, conheci pessoas assim – não quer dizer que correspondam exactamente a estas personagens. As personagens juntam pessoas reais e depois acrescentam-se coisas, bem ou mal, piores ou melhores, porque há essa liberdade. Eu, por exemplo, para esta intriga, arranjei um fim que é completamente ficcionado; não aconteceu nada assim. Quer dizer, o livro começa com o aparecimento de um cadáver de um branco numa zona em que não era suposto aparecer, e depois vem-se a saber que ele era uma espécie de representante de uma agência americana de segurança e espionagem. E isso nunca aconteceu, não houve nenhuma pessoa morta nessas condições [risos]. Portanto, isso é completamente ficcionado.

Este livro também acaba por reflectir os jogos de poder dos bastidores, com os serviços secretos americanos. No fundo, as decisões que são tomadas nas sombras.

É; sobretudo, as pessoas aqui têm a noção de que as conclusões a que eles cheguem, no fim, têm de as transmitir aos decisores políticos. No fundo, nesta história, vê-se que toda a equipa do Hector Gordon, a equipa que está a trabalhar neste inquérito, para saber o que se passou e perceber como é que lhes desapareceu o representante… Eles sabem que, depois, a decisão política – neste caso, se continuavam ou não o apoio aos rebeldes –, não vão ser eles que a vão tomar. Eles limitam-se a fazer uma investigação, a dar uma opinião, mas, em último caso, é o poder político que decide.

Durante este período da Guerra Fria, tinha uma postura crítica sobre a política externa norte-americana?

Vamos lá ver: é evidente que, na Guerra Fria, as pessoas que gostam de viver em liberdade, melhor ou pior, preferiam que acontecesse o que aconteceu, ou seja, que fossem os Estados Unidos a ganhar a Guerra, e não a União Soviética. Isso é uma motivação forte. Quer dizer, se estivéssemos num mundo dominado pela União Soviética, não era possível estar a escrever um livro com críticas à União Soviética [risos].

Mas como defensor que sempre foi do Império português…

Sim, isso está reflectido, mas pronto, desapareceu. Portanto, esse também é um ponto importante. Eu fui defensor de Ultramar e fiz questão de lá servir. Mas isso acabou, não vou ressuscitar o Império português. No livro, há uma personagem, o português da história, o Carlos, que de certo modo, claro, encarna alguns pontos de vista meus; alguns pontos de vista até críticos do anterior regime, e de várias coisas… Depois, há um luso-americano, o Frank, mas a personagem portuguesa é o Carlos, que é um conservador que esteve na Guerra do Ultramar, e que depois é apanhado nesta missão toda; está numa “prateleira”, num banco onde está bem, mas não tem nada que fazer. E também teve um problema na sua vida pessoal, portanto, está disponível para se meter nesta aventura. Depois, os outros são americanos, a maioria das personagens.

E, por exemplo, no livro, quando Carlos critica o “discurso dominante” para o qual diz que os americanos contribuíram, com a exaltação do bloco central, e a “mediocridade” que aponta a esse paradigma… Isto reflecte o seu sentimento pessoal?

Sim, nós sentimos isso, eu tenho isso até muito tratado, em ficção, no Novembro. A seguir ao 25 de Novembro, quer a Europa quer os Estados Unidos, o que queriam em Portugal era o que aqui está já há 50 anos: o bloco central. Não queriam outra coisa. Não queriam radicalismos, nem uma coisa que fosse para a direita nem para a esquerda, mas exactamente o bloco central, muito representado neste livro pelo doutor Mário Soares.

E a sua discordância desse sistema não o fez ressentir os Estados Unidos?

Quer dizer, para os interesses dos Estados Unidos, naturalmente, isso funciona, para o interesse dos portugueses não [risos]. Mas quem tinha o poder… Até porque Portugal, a partir da descolonização, fica uma potência europeia de terceira classe; nem é de segunda, é mesmo terceira classe. Portanto, já não tem capacidade para ter grandes independências nesse sentido. Na Guerra Fria, o dilema era entre os soviéticos e esta solução. Aos soviéticos, de facto, também não lhes interessava muito ter aqui uma espécie de Cuba na península, mas isso foi uma coisa que eu tratei longamente em ficção no Novembro. O Novembro é muito isso, mas aí as personagens são praticamente todas portuguesas. Mas há aqui uma referência, quando o Hector Gordon conheceu o Carlos, exactamente nessa altura em que ele esteve a servir em Espanha, onde coordenava as operações da Agência para Portugal. Foi uma altura em que houve aqui uma intervenção grande dos soviéticos, e dos americanos também; e, depois de outros países europeus, dos franceses, dos alemães. Portanto, andaram aqui muito em cima; a ajudar uns e a contrariar outros, mas foi uma altura muito internacionalizada.

Agora, aliás, faleceu, Henry Kissinger, uma figura incontornável desta altura, e não só, e que também surge no livro…

Certo. Eu estive com ele duas vezes em reuniões grandes, mas conheci bem foi o seu mentor, o Dr. Fritz Kraemer, nos anos 1980. É engraçado, escrevi também uma crónica no Observador sobre ele. É um personagem muito interessante, e foi o homem que, de certo modo, descobriu o Kissinger. Como sabe, o Kissinger era judeu alemão e foi com a família em 1938 para os Estados Unidos. E depois, durante a guerra, naturalizou-se americano, alistou-se no exército americano, e veio combater para a Europa. E o Fritz Kraemer, que também teve o mesmo percurso, também era judeu luterano, foi para os Estados Unidos em 1939. O Kraemer era superior do Kissinger, era mais velho, e disse, aliás, uma coisa muito engraçada sobre ele. Quando o conheceu – na altura o Kissinger tinha 19 anos e o Kraemer 36 –, disse que ele ainda não sabia nada e já percebia de tudo. É uma frase gira. E quando o Kraemer morreu, estavam de relações cortadas, mas o Kissinger fez-lhe uma grande homenagem.

A opinião que tem do Kissinger é mais favorável ou desfavorável?

É favorável, é um realista político, um teórico do realismo político. Talvez o livro mais interessante dele seja a sua tese de doutoramento, em que ele escreve sobre o Congresso de Viena: chama-se A world restored. E ele presta uma grande homenagem ao Metternich, naquele sentido de Estado. Portanto, no fundo, é um realista político. E tinha, digamos, a ‘carga’ e a tradição alemã, embora ele tivesse saído da Alemanha muito novo, com 15 anos, quando foi para os Estados Unidos com os pais e com o irmão. O Nixon ficou muito impressionado com um livro dele chamado Poder Nuclear e Política Externa, um dos primeiros livros do Kissinger. E o Nixon quis conhecê-lo, e depois quando foi para presidente, chamou-o para National Security Adviser. E já em 1973, passou a secretário de Estado. E serviu também com o Gerald Ford, que era o vice-presidente do Nixon, depois do Watergate; e foi quem ficou quando o Nixon saiu. O Kissinger teve coisas fundamentais, bem-sucedidas, como por exemplo aquela abertura à China. Depois teve também coisas mal-sucedidas, como os acordos de Paris e do Vietname. Passado um ano ou dois dos acordos, os norte-vietnamitas invadiram e conquistaram tudo, portanto… Ele teve êxito nalgumas coisas, noutras não teve, mas tinha de facto uma grande capacidade pensante. Isso também é importante, e actualmente não me parece que exista muito.

Mas merecia, por exemplo, ter recebido o Nobel da Paz, como recebeu?

Ele ganhou o Nobel da Paz, mas não só a guerra continuou, como os americanos perderam. Recebeu-o juntamente com o colega dele norte-vietnamita, só que os norte-vietnamitas ganharam a guerra pouco tempo depois. Enfim, eu pensei sempre que este era um mundo bastante interessante, e que eu por várias razões tive oportunidade de conhecer bem.

Agora estou a escrever um livro sobre os valores europeus, e é uma espécie de cartilha, ao longo da história, da literatura, da política; tenho um guião, não vou inventar. A ficção, claro que também parte sempre da nossa experiência do mundo, quer aquela que é directa, como aquela que é a experiência dos outros, através da leitura, do cinema, do teatro, através de tudo.

Falemos agora da direita, e do momento que atravessa, começando pela Europa.   

Hoje, na Europa, há fundamentalmente duas famílias de direita. Ambas são nacionalistas, no sentido em que o valor nação e a independência nacional são denominadores comuns de todas as direitas. E, portanto, até em contraponto com uma certa tendência ou vocação “federalizante” da União Europeia. Esse aspecto nacional é importante. E, depois, acho que há essencialmente duas linhas bastante marcadas nessas direitas. Uma que eu chamaria nacional conservadora, e está mais ligada a valores religiosos, o conceito de família, e é mais tradicionalista. É, por exemplo, o caso dos polacos, que estão muito nessa linha. Portanto, têm muito essa preocupação com esses valores de família, a não permissão do aborto, e da eutanásia, o casamento ser entre um homem e uma mulher, e não ser dois homens ou duas mulheres. Essas coisas tradicionais.

E depois, há uma direita mais popular, ou populista, se quiser, que está mais preocupada, por exemplo, com questões de imigração e de segurança. É uma direita que eu vejo muito aparecer com estes partidos que têm ganho agora eleições, como o Partido da Liberdade na Holanda, do Geert Wilders, os democratas suecos, ou até mesmo o Rassemblement National, da Le Pen. Esta direita não está muito preocupada com as questões mais tradicionais. Para mim, são estas duas as famílias significativas que aparecem. A grande diferença destas direitas em relação às direitas tradicionais, é que as direitas tradicionais eram muito cépticas e críticas da democracia partidária. E estas não são, pelo contrário. Estas, estão muito preocupadas em dizer que são elas, essencialmente, que representam o povo e o voto popular.

Mas são acusadas de fascismo.

Ah, isso os inimigos chamam-lhes de tudo. Mas a direita já há muito tempo que faz parte de governos, nomeadamente na Hungria e na Polónia, e nunca acabou com as eleições. Tanto que na Polónia, agora, perderam as eleições e vão sair. Portanto, isso é uma treta. Os movimentos fascistas tinham a preocupação exactamente de dizer que eram contra a democracia, porque a democracia não era uma expressão da vontade popular, mas sim de grupos de interesses, de oligarquias, e das oligarquias do poder. E as de hoje não, e têm cumprido. Nos Estados Unidos, o Trump esteve quatro anos no poder e não acabou com a democracia. Perderam as eleições e saíram. Podem ter protestado, enfim, alegadamente, que houve fraude, mas na hora de sair, saíram. Portanto, não me parece que essa agenda anti-democrática esteja de pé.

Quais considera serem os principais factores que explicam este crescimento da direita?

Este crescimento da direita tem essencialmente a ver com o facto de os partidos tradicionais, e até os partidos conservadores tradicionais, incluindo os democratas-cristãos, não se terem adaptado nem encontrado respostas para problemas novos. E, na Europa, há dois problemas muito fortes – um deles é a desindustrialização, com o fim da Guerra Fria, e a migração praticamente das indústrias todas para fora da Europa, algo que se deu em quase todos os países, com a Alemanha a ser uma das excepções, porque ainda guardou uma certa capacidade industrial, nomeadamente no ramo automóvel. Mas de um modo geral, o aparecimento e o sucesso de novos partidos repousa essencialmente, sobretudo hoje, que não há propriamente grandes influências internacionais… Não há União Soviética, e os Estados Unidos continuam a existir, mas não estão propriamente a fazer partidos onde não faz sentido existirem. Portanto, a força dos novos partidos resulta essencialmente de um vazio criado anteriormente. E aqui em Portugal, lá está, as pessoas também estão um bocado fartas do centrão. Quer dizer, já há 50 anos que o poder tem sido ou dos socialistas, ou do PSD, e a situação também não é brilhante. Se formos ver, há 50 anos, a ordem, até do ponto de vista económico… Nós hoje estamos muito mais para trás. Já fomos ultrapassados por quase todos os países que estavam no âmbito soviético. Portanto, não podemos dizer que toda esta governação tenha sido brilhante. Assim, não é de estranhar que surjam novas forças. Aliás, embora nós não tenhamos em Portugal, pelo menos por enquanto, aqueles problemas que na Europa geraram essa grande força dos novos partidos, como o problema de uma imigração massiva.

Mesmo assim, a imigração não pára de aumentar…

Começa a estar um bocadinho, mas ainda estamos muito longe disso. Não temos os problemas de uma imigração, culturalmente, de difícil integração, como a França tem, ou os suecos têm. Não temos isso, e também não temos um problema, por exemplo, de separatismo como tem a Espanha, que dá origem ao Vox. O Vox é exactamente uma resposta dos espanhóis, digamos, “zangados” com o separatismo catalão e achando que o Partido Popular não está a defender capazmente essa unidade da Espanha.

E em Portugal, o Chega surgiu também como uma forma de a direita se afirmar, depois de décadas de “timidez”?

É curioso, porque o partido Vox em Espanha nasceu essencialmente de políticos e quadros médios do Partido Popular, e que saíram por não estarem contentes. E aqui, o doutor Ventura vem do PSD. Nestas coisas da política, vai-se também buscar exactamente onde há vazios e, de facto, em Portugal havia um vazio à direita muito grande, que vinha já desde há quase 50 anos. Portanto, nesse aspecto o Chega foi pegar numa série de questões… Enfim, também são partidos de protesto. Às vezes, pode até nem ser tanto o que eles significam do ponto de vista do que querem fazer, mas que aparecem como protesto ao que está. E, portanto, à medida que a situação se agrava, normalmente esses partidos também vão crescendo. É natural, é o que está a acontecer na Europa toda.

Mas acha que as propostas que apresentam podem realmente solucionar os problemas?

As propostas são mais ou menos todas iguais. Se for ver o que os partidos dizem que vão fazer, a parte técnica de soluções é mais ou menos igual. O que interessa aqui, acima de tudo, para fazer a distinção da política, são os valores e princípios políticos. Portanto, por exemplo, se é mais partidário da independência nacional ou é mais europeísta, ou se aceita a eutanásia ou se é contra. São essas questões, umas de costumes, outras de política. Porque hoje, há duas coisas que não estão muito em questão, e uma delas é o modelo democrático. Aliás, é muito engraçado, porque os partidos de esquerda, o Bloco e o Partido Comunista, cujas ideias já foram várias vezes postas em prática, não têm essas acusações. Quer dizer, o comunismo teve 70 anos na União Soviética, e não fez grande coisa. Mas aparecem, de certo modo, como se nunca tivessem sido experimentadas. E os partidos que aparecem à direita com alguma radicalidade são imediatamente acusados de fascistas ou de nazis, ou reacionários, extrema-direita. É engraçado, porque não há direita, só extrema-direita, passa-se do centro para a extrema-direita…

[risos] E parece-lhe que essa retórica, que tem predominado, vai acabar?

Já acabou. E como vamos ter no próximo ano o aniversário dos 50 anos do 25 de Abril numa situação pós-eleitoral que deve ser relativamente complicada, pode ser uma situação interessante.

Tem algum palpite em relação ao resultado das legislativas?

Eu não tenho muitos palpites [risos]. Não, não tenho. Essas sondagens que aparecem valem o que valem, mas não me parece também que sejam absurdas. Ter os dois partidos principais, PSD e PS, mais ou menos empatados, haver uma subida forte do Chega e uma quebra do Partido Comunista, uma manutenção, mais ou menos, dos outros… Parece-me relativamente normal que sejam essas as posições.

Se Portugal seguisse a tendência da Europa, o Chega talvez acabasse por formar governo… 

Não sei não, porque na Europa, governos dessa linha da direita só há na Itália, na Hungria… Na Holanda ainda não fizeram Governo, mas é natural que consigam também, têm 37 deputados mais ou menos.  

E na Alemanha, a direita também está a crescer…

Sim, na Alemanha o AfD também subiu bastante. O que vamos assistir é uma coisa muito interessante, que é: fora da esquerda, não se poderá fazer governos sem esses partidos de direita entrarem ou a apoiarem. Essa é que será a situação. Não quer dizer que eles sejam Governo, mas não se vai governar sem eles, e isso é um ponto interessante. Essa é que é será a novidade.

As fotografias são da autoria de Rui Ochoa

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.