Confessando que a amostra não cumpre o nível de rigor, por exemplo, das sondagens da Aximage para para os periódicos da Global Media – como aquela que, em Agosto de 2021, a quatro semanas das eleições autárquicas, dava 51% a Medina e uns míseros 27% a Moedas… –, as ruas de Lisboa neste primeiro ano da graça de dois mil e vinte e quatro da era de Cristo estão uma imundície. Uma porcaria. Uma estrebaria, que só se mostrará “fermosa”, parafraseando o Cavaleiro de Oliveira, se morarmos a cidade, de cima para baixo, com miopia, de um miradouro, como por exemplo o da Graça, bairro de onde tirei as fotografias que aqui apresento.
Não são diferentes de outros dias, e de outros bairros, como é o caso do Bairro Alto e Santa Catarina, por onde mais perambulo, exemplos tristes de falta de higiene e asseio, apesar dos recursos dos impostos dos contribuintes e das taxas de turismo. Não é dinheiro que falta.
Mas todos os anos, que me recorde, Lisboa anuncia-se ao primeiro dia de Janeiro, sempre com a mesma cara: suja. Começa a ser uma tradição. Uma péssima tradição.
Já escrevia o médico e escritor português Guiilherme Centazzi, em meados do século XIX, que “Lisboa, que todos nós estamos vendo, e que os estrangeiros e os vindouros hão-de julgar pelo que lerem… Lisboa (não se faça do preto branco, nem se queira embutir gato por lebre), examinada em globo é uma coisa; em detalhe, é outra. Em globo, ninguém lhe negará aparato, beleza, opulência, grandeza, etc., etc.. Em detalhe, de fora para dentro, é tal e qual como esse famigerado siciliano que, no domingo, se paramentava com luzentes vestiduras, sem despir a camisa com que tinha andado a mariscar os anzóis durante a semana. Lisboa, em síntese, é majestosa; em análise, é um covil lastimoso de miséria e lama.“
E cá temos Lisboa no primeiro dia do Novo Ano igual ao ano anterior. Feriado que haja em Lisboa, é dia santo na loja, o que significa lixo a transbordar em tudo o que é canto, e em tudo aquilo que não é canto.
Aguentamos um dia com lixo? Claro que sim.
Aguenta-se, se a compreensão for desmesurada. Aí aguenta-se tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos que, por exemplo, Carlos Moedas, o edil de Lisboa, gaste dinheiro público com um vídeo de promoção pessoal ao estilo de estrela pop norte-americana, mangas de camisa branca arregaçadas, a subir a escadaria dos Paços do Concelho como um ‘salvador’ – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos ver Carlos Moedas prometer, no Twitter, que “em 2024 vamos continuar a construir memórias, a alcançar vitórias, mas sobretudo a fazer Lisboa”, mas logo no primeiro dia temos um “Feliz 2024” com ruas imundas, e não há problema – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos ver Carlos Moedas, no dito vídeo promocional, sugerir (porque está ele sempre presente) que quem deu as casas a carenciados, concedeu transportes públicos gratuitos, pagou as obras de drenagem e mais uma série de outras coisas, foi ele e não os dinheiros públicos (e todos nós) – então aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos ter pagado mais de 614 mil euros a uma empresa de trabalho temporário para suposto reforço da limpeza de ruas durante a estadia do Papa na Jornada Mundial da Juventude por duas semanas, mesmo se não houve qualquer necessidade, mas aceitamos que todos os anos comecem com as ruas imundas – de facto, então, aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
A gestão de uma Câmara, sobretudo de Lisboa, não pode continuar a servir somente como trampolim político, como a história recente nos tem demonstrado, de que são exemplos Jorge Sampaio, Santana Lopes e António Costa, que atingiram depois lugares de topo no poder.
Moedas tem legitimidade para aspirar a outros voos, se assim desejar e fizer por isso. Mas, até lá, faça também o básico: e o básico é ter as ruas de Liosboa decentes todos os dias do ano. E se não houver funcionários públicos para o primeiro dia de cada ano, então aí sim justifica-se a contratação de empresas de trabalho temporário por um dia. Afinal, como munícipes, não somos menos do que o Papa.
Ou para Moedas seremos?
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