CIDÁLIA GUERREIRO, SECRETÁRIA-GERAL DO PCTP/MRPP

‘Somos contra os subsídios. As pessoas têm de trabalhar para um ordenado digno’

por Elisabete Tavares // Março 1, 2024


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O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – mais conhecido por PCTP/MRPP – nasceu em 1970 e foi inscrito oficialmente junto do Tribunal Constitucional em 1975. No seu arranque, contou com a adesão de muitos estudantes que viriam a ser figuras de relevo na sociedade portuguesa, como Saldanha Sanches, Maria José Morgado e Durão Barroso. Teve também na sua liderança, durante muitos anos, o professor universitário e advogado António Garcia Pereira, que se demitiu do partido em 2015 em rota de colisão com o fundador Arnaldo Matos. Agora, Cidália Guerreiro, 69 anos, professora aposentada, é a líder, como secretária-geral, do PCTP/MRPP. E mantém a atitude crítica, defendendo que celebrar o 25 de Abril mostra ser uma mera formalidade, porque a população é hoje tão explorada como antes da Revolução dos Cravos. Acredita também que o Mundo caminha para uma Terceira Guerra Mundial e que Portugal já não tem soberania, fazendo parte do imperialismo globalizado. Esta é a 17ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE CIDÁLIA GUERREIRO, SECRETÁRIA-GERAL DO PCTP/MRPP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


O PCTP/MRPP é um partido que anda de mãos dadas com aquilo que é a História de Portugal, até antes da democracia.

Sim; o partido foi fundado antes do 25 de Abril – que parece ser aquele marco que instaura a democracia. Nasceu a 18 de Setembro de 1970, e naturalmente que antes também já tinha algumas raízes. Foi um partido que nasceu para combater a ditadura fascista, mas também porque considerava que não havia um verdadeiro Partido Comunista; e que o Partido Comunista da altura era um partido revisionista – e por isso aquela célebre frase que sempre tínhamos: ”morte ao fascismo e ao social-fascismo”.

E era uma luta muito de estudantes, não era?

Sim; o partido começou exactamente com um movimento estudantil, nomeadamente uma organização que se chamava, creio, ”Vamos ao Trabalho”, na Faculdade de Direito.

Cidália Guerreiro na sede do PCTP/MRPP, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)

Nessa altura, já estava integrada no movimento?

Ainda não; eu integrei-me no partido já em 1974, quando vim para Lisboa. Nessa altura, o movimento era muito dinâmico e praticamente toda a juventude militava ou, pelo menos, aderia às ideias do partido. Nessa altura, o partido também encetou uma grande luta relativamente à Guerra colonial e teve uma intervenção muito grande.

E tiveram também, nessa altura, várias figuras mediáticas ligadas ao partido, como António Garcia Pereira e Durão Barroso.

Pois; isso aconteceu. Como disse, uma grande parte da juventude aderiu ao partido e às suas ideias. Depois, naturalmente, com todo o desenvolvimento, foram-se distanciando, tomaram outros caminhos, fizeram outras escolhas e estão numa outra “barricada” [risos].

Estamos prestes a comemorar, e tem havido uma grande campanha mediática em torno disso, os 50 anos de democracia. O que significa para si e para o PCTP-MRPP estes 50 anos desde o 25 Abril?

Teríamos, se calhar, de voltar um pouco atrás; que é perceber o que foi o 25 de Abril. Por um lado, o que foi inicialmente, que nós não consideramos uma revolução; consideramos que houve uma movimentação a partir das Forças Armadas, e que não pretendia ser muito mais do que isso? Na verdade, na chamada Madrugada de Abril, a população que foi convidada para ficar em casa, acabou por ter outra decisão e ir para a rua. E foi esse movimento de massas que veio alterar o que estava inicialmente previsto, que seria apenas uma mudança de um sector da burguesia para outro. Foi um golpe de Estado levado a cabo pelos militares, que tinha a ver com a situação da Guerra colonial.

E revê-se na forma como estão a ser programadas as comemorações e como tem sido, aliás, celebrado o 25 de Abril em Portugal nos últimos anos?

Não. Até porque, neste momento, o que nós temos de democracia, e que estaria subjacente à própria movimentação das massas e que foi feito com uma grande espontaneidade e alegria; e o “garrote” que tínhamos que não só a nível de falta de liberdade, mas da própria exploração intensa das pessoas – isso não se concretizou. Portanto, não sei bem o que vamos celebrar neste 25 de Abril. É uma celebração oficial, uma formalidade. Era bom que se reflectisse sobre o que se pretendia com o 25 de Abril, nomeadamente na parte da população, e aquilo que hoje temos. Porque a população que na altura tinha grandes dificuldades, e estava sujeita a uma grande exploração, hoje não tem grandes diferenças na sua vida e no seu dia-a-dia; ela debate-se novamente com problemas económicos, de Saúde, habitação. Quase que voltámos ao princípio, numa outra versão.

Para além do nível de democracia que nos últimos anos, sobretudo a partir de 2020, com muitas medidas, catastróficas, que se vêem pelo excesso de mortalidade também. Mas houve um recuo enorme no nível democrático em países ocidentais, incluindo em Portugal.

Se nós tivéssemos – que nunca tivemos – qualquer ilusão relativamente ao que era a democracia burguesa, tudo ficou muito claro aquando das prisões, em Maio de 1975, em que 430 militantes do nosso partido foram presos e ficaram encarcerados em Caxias a mando do COPCON.

Portanto, logo a partir daí, entende que ficou comprometido o processo do avanço democrático?

É a democracia burguesa [risos]. A ideia de democracia burguesa não é bem de igualdade para todos; diz-se isso, mas não é. Aliás, o nosso partido neste momento sofre uma perseguição muito grande a nível de exigências da legalidade. Estamos constantemente confrontados, por exemplo, com multas excessivas, porque se encontra uma ou outra irregularidade; que não justificam essas multas.

O partido deixou de ter subvenção, ou seja, deixou de ter acesso a um apoio que se dá aos partidos para as suas tarefas e operações. E no que respeita às multas, tem exactamente os mesmos valores para os partidos grandes, que têm enormes subvenções.

Tem, mas com algumas diferenças. Nós estamos sujeitos, por exemplo, a contabilidades organizadas e temos de ser nós a fazê-las. A verdade é que os grandes partidos em Portugal transformaram-se em empresas. E a partir do momento em que os partidos não são partidos, com uma intervenção política na sociedade através das suas ideologias, mas passam a ser, quase à maneira americana, empresas que têm capitais, negócios, operações financeiras e tudo isso, a desigualdade surge; é inevitável. Nós não temos uma subvenção, mas também não concordamos com subvenções. Evidentemente, quando estamos no sistema, não o deitamos fora; utilizamo-lo. Mas, se os partidos querem igualdade, efectivamente deveriam concorrer às eleições em pé de igualdade. Ora, se nós temos um orçamento de 3.000 euros para estas eleições – e nem sabemos se o vamos ter… Estas eleições são muito mais caras do que as anteriores; os orçamentos previstos perfazem os dois milhões de euros, e são dinheiros públicos.

(Foto: PÁGINA UM)

Não concorda com isso?

Não; não deveria haver subvenções, absolutamente nada. Os partidos deviam ter os seus próprios meios; porque só assim é que se poderia pensar – e mesmo assim, não seria completamente claro – que os partidos não estão ao serviço de ninguém.

E como é que o partido sobrevive em termos financeiros?

Sobrevive só com as quotas, donativos e fundos dos seus militantes, simpatizantes e outros apoiantes; mais nada.

E não é suficiente?

Claro que não; e por isso, não temos possibilidade de fazer uma propaganda que dê visibilidade ao partido. Muitas vezes, as pessoas interrogam-se porque é que não aparecemos mais – não aparecemos porque esta também é uma forma da dita democracia nos silenciar.

E a imprensa, que também tem estado em crise, mas não entende dá sempre mais atenção aos partidos que já têm mais meios financeiros para fazer campanha?

Isso é evidente; mesmo nos próprios espaços que são dados, os grandes partidos têm uma campanha completamente diferente; basta ver o que está a acontecer neste momento, com todos os debates. Ainda lhes dá bastante tempo para expressarem as suas propostas; embora elas até nem sejam muito diferentes umas das outras, se formos a ver. Já os chamados pequenos partidos, têm um debate único. E, aliás, importa lembrar que esse debate até foi imposto pelo nosso partido em 2011. Mas são debates em que, quase em 10 minutos, somos bombardeados com perguntas que temos de responder num tempo recorde – é quase impossível.

E entende que essa situação deveria mudar, em termos daquilo que é o acompanhamento da imprensa?

Naturalmente; se falamos em igualdade, então deveria haver igualdade de todas as maneiras, tanto a nível da imprensa como dos meios, e em todos os aspectos. Só assim é que se via o que cada um pode oferecer. E mais: por exemplo, em relação aos próprios negócios – porque, depois, isto é um investimento para os grandes partidos… Já não me lembro quanto é que o PS vai investir, mas acho que são 3 ou 4 milhões. Mas é um investimento para poderem estar em sectores-chaves que lhes permitem fazer grandes negociatas, tal como vemos, depois, o que acontece a nível da corrupção. Isto é um pé para entrar noutro nível.

E o que é hoje o PCTP-MRPP? Ainda é o mesmo partido de há 50 anos ou mudou alguma coisa?

Na aparência, mudaram algumas coisas, mas em termos de programa, mantém-se o mesmo. Mesmo em relação às eleições, estamos numa posição um bocadinho difícil, porque nós achamos que as eleições não vão resolver nenhum dos problemas da população.

Porquê? Porque é que têm essa visão?

Aqueles que nós defendemos, que é a população trabalhadora, não vai deixar de ser explorada porque o sistema não vai mudar. Nada vai mudar com as eleições nem com algumas reformas que neste momento estão a ser propostas. E é aí que nós também criticamos alguns partidos que se dizem de esquerda porque criam a ilusão de que as eleições vão melhorar e que uma ou outra reforma vai melhorar as coisas; não vai. E chegará uma altura em que não vai mesmo melhorar, e nem vai ser possível até introduzir reformas. O sistema tem de ser alterado, efectivamente, e só vai ser alterado quando a população estiver consciente de que isso tem de ser feito. E nós estamos cá exactamente para denunciar o carácter das eleições, e por isso, não deixámos de estar presentes nelas. Daí que eu estivesse a dizer que é difícil, porque dizemos que não acreditamos que as eleições resolvam, mas estamos cá, e as pessoas perguntam porque é que estamos. Estamos, exactamente para dizer que há outro caminho; porque também não podemos chegar à situação de dizer que votámos, e não conseguimos. Não; há outro caminho. Então, vamos votar, mas com consciência de que isso não vai resolver, e quando tivermos essa consciência, veremos então como é que resolvemos.

E é um partido que mantém o seu cariz de uma esquerda mais radical e que tem sido também crítico da actuação do PCP e do Bloco de Esquerda, por exemplo, naqueles anos em que apoiaram o Governo de António Costa.

E que não resolveram absolutamente nada. Portanto, isso vem provar aquilo que acabei exactamente de dizer. Não foi porque se fizeram algumas reformas que as coisas se alteraram; pelo menos, os problemas de fundo da população subsistem. O que é que se criou? A ilusão de que se poderia alterar. E, aliás, hoje estamos a pagar bem caro essa ilusão. Os portugueses todos [risos]. E os portugueses também terão que se interrogar todos porque é que estamos em eleições. Porque já fomos para eleições em 2022 com um Governo que não completou a legislatura.

Uma imagem de Karl Marx na sede do partido.
(Foto: PÁGINA UM)

E em que o PCTP/MRPP esteve presente.

Sim, nós denunciámos a situação, dissemos que as eleições estavam a ocorrer e que o próprio Parlamento se tinha implodido a ele próprio porque era necessário alterar a correlação de forças devido a algumas alterações que estavam a surgir. Nomeadamente a gestão dos milhões do PRR, que estava para vir. E portanto, essa implosão não foi natural – aconteceu porque era necessária. E depois tivemos uma maioria absoluta; e não se percebe porque é que o Governo caiu. Aparentemente, não seria por motivos políticos, propriamente, mas sim pela Justiça; o que não deixa de ser política, porque o que está em causa é a forma como um Governo de maioria absoluta geriu os nossos dinheiros, o dinheiro do povo.

Sim, porque muitas vezes há governantes que dizem que o Governo nos deu isto ou aquilo, mas o Governo não dá nada, na verdade, porque o dinheiro é dos contribuintes.

Toda a razão; as pessoas falam dessa forma, dizem que o Governo tem de ajudar e ter pena de nós… Não dão nada, porque o Governo o que faz é gerir o dinheiro do país. E como é que vai gerir? Aqui é que nós vemos, porque não gere a favor da população, mas sim a favor daqueles que efectivamente mandam no Governo – a favor dos grandes monopólios dos capitalistas e desses interesses. E isto, agravado pelo facto de Portugal não ter qualquer autonomia nem independência, e nem o próprio orçamento pode fazer porque ele tem sempre de ser aprovado pela União Europeia. E nós também denunciámos isso nas últimas eleições. Porque quando falamos eleições, se quisermos ser sérios, temos que ver em que contexto e em que cenário é que as eleições acontecem. Primeiro ponto: não há qualquer autonomia a partir do momento em que estamos inseridos na UE e na NATO; temos de fazer aquilo a que essa situação nos obriga – se a UE achar que o nosso orçamento está errado, não o aprova. Se achar que vamos ter de ter uma economia de guerra, é essa economia que vamos ter. Portanto, todas as promessas que neste momento até estão a ser feitas – e sei que ainda estamos em altura de saldos porque o mês de Fevereiro ainda não terminou –,  tudo isto é tão exagerado que deixa de ser credível. Ninguém acredita que estas promessas são para se fazer; estas promessas são para chegar ao poder. E chegados ao poder, depois, o que vai acontecer? O que já aconteceu: de dois em dois anos temos um novo Governo, e se calhar agora até vamos ter num intervalo mais curto.

E estão a ser negociadas alterações ao nível do Regulamento Sanitário Internacional, bem como o novo Tratado Pandémico, e há países que estão de pé atrás relativamente ao que está a ser desenhado, que é um grande reforço do poder da Organização Mundial de Saúde. Como sabemos, é uma organização importante, mas também está vulnerável a interesses privados. Também vos preocupa que haja este tipo de evolução, não só a nível comunitário, de estas organizações internacionais se poderem imiscuir nas decisões do país?

Preocupa-nos, mas não nos surpreende. Nós sempre fomos dizendo – é evidente que não somos suficientemente ouvidos – que o capitalismo atingiu o seu estado supremo, que é o imperialismo, e que está globalizado e ‘mundializado’. E como agora se chegou ao ponto em que as crises capitalistas não estão a ser resolvidas por uma via pacífica, vai extrapolar para a guerra, que é exactamente aquilo em que, neste momento, estamos. Quando há uma potência imperialista hegemónica como os Estados Unidos, que está a perder poder e a vê-lo fugir para uma outra potência em crescimento, que neste caso é a China, vai recorrer a todas as estratégias para conseguir sobreviver. E é exactamente nesse nível que nós estamos. Já estamos numa guerra inter-imperialista, que se vai desenvolver rapidamente – e nós queremos chamar a atenção para isso. Neste momento, temos a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, e naturalmente, a nível de desenvolvimento económico, vai ter consequências.

(Foto: PÁGINA UM)

Mas os Estados Unidos parecem estar com vontade de se envolver em mais conflitos…

São obrigados a fazer isso, mas estão a perder as guerras todas. A Europa já perdeu a guerra, naturalmente, também na Ucrânia. E aquilo que nós vemos e isso também nos preocupa, porque são sinais, quando temos o Chanceler alemão a dizer que vamos ter de nos armar e que todos os países europeus vão ter de produzir armamento. E que vamos ter de criar um escudo nuclear com a França e com a Grã-Bretanha. Ora, se neste momento a palavra de ordem é armamento, qual é o cenário que se nos vai colocar? Quando temos agricultores na Alemanha a fazerem as suas manifestações porque lhes foi retirado o subsídio do gasóleo, e quando a própria Alemanha diz que não vai repor porque agora a economia é outra, significa que estamos a entrar num caminho do alargamento de uma terceira Guerra Mundial – que vai ser bastante violenta e pode levar-nos num grau de destruição e de sofrimento muito grandes. E nós temos a obrigação de o denunciar, porque é uma guerra que não é nossa, não é connosco.

Mas as guerras dão muitos lucros, ao nível da indústria de armamento. E nos anos de pandemia houve uma enorme transferência de riqueza, como em geral acontece em grandes crises, mas neste caso para as grandes multinacionais; não só farmacêuticas, mas tecnológicas, e as empresas cotadas em Portugal, como as maiores empresas de energia e dos supermercados. Portanto estamos numa altura em que há muita riqueza para essas entidades.

Sim, disse tudo com a sua pergunta [risos]. A Ucrânia também serviu para gastar as armas que já não interessam – portanto, os Estados Unidos têm ganhado bastante dinheiro nisto tudo – e para experimentar um novo armamento. No fundo, isto é uma preparação.

Entende que é uma preparação?

É. Uma preparação para aquilo que se vai instalar. Até já temos um alinhamento de vários blocos para esta terceira guerra; e neste momento, é muito difícil evitá-la.

Portanto, já está a deixar aqui esse aviso, porque é aquilo que consegue perceber que vai acontecer…

Sim, e Portugal não devia envolver-se nesta guerra, não tem nada a ver com ela, nem vai ganhar nada com ela. E nós tivemos sempre uma palavra de ordem já antes de 1974, mas logo a seguir ao 25 de Abril fizemos bastantes manifestações relativamente à presença da NATO em Portugal; e a palavra de ordem era “NATO fora de Portugal”, e continuamos a tê-la. Portanto, as ideias fundamentais do partido mantêm-se.

A propósito dessas palavras de ordem, e como há pouco referiu, acha que Portugal ainda manda alguma coisa? Ainda há decisões que possa sequer tomar?

Portugal não manda absolutamente nada, Portugal obedece.

António Garcia Pereira liderou o PCTP/MRPP e foi candidato em diversos actos eleitorais, incluindo à presidência da República. Demitiu-se do partido em 2015, após fortes críticas internas. (Foto: D.R.)

Embora haja países na União Europeia, e tivemos o caso do Brexit, que têm criticado a forma como a Comissão Europeia e a União Europeia se têm comportado.

Sim, mas nós não mudámos absolutamente nada; sempre fomos contra a integração de Portugal na União Europeia, e também em relação à Comunidade Económica Europeia [CEE]. Nós dissemos foi que não foi Portugal que entrou na CEE, foi a CEE que entrou em Portugal. Portanto, essas coisas que precisam às vezes de tempo para se perceber, neste momento estamos a perceber quais são as consequências da nossa perda de soberania quando entrámos na UE, e quando perdemos a nossa moeda. Quando passámos a ter o euro, parece que ficou tudo muito satisfeito, ou criou-se a ideia de que estávamos a receber muito dinheiro dos países ricos sem termos que fazer nada; que é uma posição perfeitamente oportunista. Alguns receberão dinheiro, mas enfim. A verdade é que Portugal não tem autonomia absolutamente nenhuma, só tem que obedecer – faz parte de um imperialismo. As pessoas dizem que não são imperialistas, e que até somos um país pobre; mas não é assim. Portugal faz parte do imperialismo, e dentro do imperialismo globalizado, tem uma função; a função que lhe for dada, é essa que ele vai fazer.

A discussão que está a colocar na mesa não tem sido falada, apesar da gravidade do que se passa a nível da política internacional; o que se tem visto nas campanhas, como referiu, são muitas promessas dos partidos. Os portugueses vão ter o PCTP/MRPP no boletim de voto? Apresentaram listas para estas eleições?

Sim; embora dentro do partido se tenha discutido muito se este ainda é o momento de concorrermos a eleições, dado o desgaste, a destruição e a desilusão com aquilo que nós chamamos a democracia burguesa.

(Foto: PÁGINA UM)

E estão em todos os círculos?

Não, estamos só em alguns circos. É do conhecimento geral que o partido está a passar por algumas dificuldades internas, e está a tentar reorganizar-se e reforçar-se.

E em que círculos concorrem?

De qualquer das formas, no conjunto dos círculos abrangemos, pelo menos, mais de metade da população votante – estamos em Lisboa, Setúbal, Porto, Braga, Aveiro, Beja, Portalegre, Castelo Branco e Europa.

E que propostas é que têm no vosso programa para os temas que entende serem mais importantes para os portugueses?

Antes disso, eu ainda gostava de dizer, relativamente à demissão deste Governo, que de facto é inexplicável e cria alguma perplexidade na população sobre como é que um Governo de maioria absoluta cai. Será que cai porque tem de cair, porque é a forma que a burguesia tem de ultrapassar e de se desresponsabilizar da situação que foi criada por este próprio Governo durante dois anos, e que já não tinha grande saída? Quando o Governo caiu, sabemos que tínhamos todos um descontentamento enorme em vários sectores.

Então, entende que é uma manobra concertada?

Sim, entendemos que é uma manobra; tal como foi a queda do Governo anterior, esta também foi. Aliás, Portugal está a cair: caiu o Governo da República, o governo das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Isto não pode ser por acaso. Portugal está ingovernável?

E há dúvidas sobre se vai ser possível formar um Governo depois das eleições.

Pois, provavelmente, sim; até porque essas dúvidas estão a colocar-se também nos Açores. Houve um partido que ganhou as eleições, e não sabemos se vai haver um governo. Portanto, o mesmo pode acontecer aqui.

(Foto: PÁGINA UM)

Mas no caso do seu partido, acredita que pode crescer em votos, e que pode atrair com as vossas propostas, mais militantes? Quais são as vossas metas para estas eleições?

Pode crescer, mas neste momento o nosso partido tem de se reorganizar para os movimentos que vão surgir inevitavelmente no meio da crise que está a acontecer. O partido tem de estar preparado; a revolução não se faz de dentro do partido, faz-se de fora do partido – e sempre dissemos isso. Mas, em relação à Saúde, por exemplo, um aspecto que se estava a falar; o Serviço Nacional de Saúde [SNS] está destruído. Fala-se que tem de ser reconstruído, mas na nossa óptica, neste momento já vai ser muito difícil que ele seja reconstruído porque ele está destruído.

E também muitos portugueses, aqueles que podem, têm sido empurrados para o privado, não é?

Mas o SNS foi destruído paulatinamente, sem que se desse conta. Porque o SNS começou a subsidiar os serviços privados de saúde, que se transformaram num negócio. E a partir daqui, se o investimento, que é social, no público, passa por esse público para ir para o privado, o serviço público fica destruído. Falando de forma simples: nós não temos nenhum serviço público, por exemplo, onde se possa ir fazer análises, raio-X, ressonâncias ou TACs; são todos privados.

As pessoas são encaminhadas para os serviços privados?

O problema é que as pessoas não dão por isso. Como vão fazer as suas análises aos laboratórios, e muitas vezes não pagam, acham que está tudo bem. Mas esquecem-se de uma coisa: não pagam, mas esses serviços são pagos. E por isso é que estamos a ver todo esse tipo de laboratórios e de meios complementares a crescerem enormemente.

Além do muito dinheiro que foi gasto e saiu até um relatório do Tribunal de Contas relativamente aos gastos com a pandemia, que foram exorbitantes.

Exactamente. E eu não faço ideia porque agora não tenho esses dados, de quanto é que, de facto, transita do serviço público para o privado. Mas a verdade é que o serviço público vai encolhendo, à medida que o privado vai alargando.

Entende então que essa situação devia mudar.

Acho que ela está catastrófica, é o caos. E é por isso que o Governo também caiu e não tinha interesse em continuar, porque ia continuar para fazer o quê? Não tinha já solução.

Mas acha que há interesse em mudar?

Não haverá interesse, mas há interesse em deixar ficar durante algum tempo, até que as coisas estejam completamente arrumadas. Quando dermos conta, já não temos SNS; às tantas, já não vamos ter tempo para o recuperar, pelo menos de uma forma fácil.

(Foto: PÁGINA UM)

Então considera que esta destruição foi propositada?

Naturalmente; tem a ver com os interesses. Se a Saúde se transformou num negócio, e a própria pandemia veio demonstrá-lo… Porque se a humanidade está em perigo, os laboratórios não estiveram ao serviço da humanidade e desse perigo; estiveram ao serviço dos grandes lucros que tiveram.

Tiveram e, aliás, nós no PÁGINA UM noticiámos alguns casos desses.

Qualquer pessoa se questiona se, então, estamos mesmo a trabalhar para o bem da humanidade, e se estamos preocupados com isso – porque não é isso que a realidade nos diz.

Mas não é o se passa também um pouco no ensino? Tivemos também os professores em protesto. E é sabido que, por exemplo, muitos políticos têm os seus filhos em colégios privados.

Sim, no ensino é a mesma coisa. Embora eu pense que o nível de destruição no ensino não avançou tão depressa como na Saúde. A Saúde está completamente destruída. Mas são negócios, de facto, que estão em causa. E a verdade é que nunca, a não ser antes do 25 de Abril, nós tivemos hospitais fechados. Para uma mulher grávida, deve ser uma espera angustiante saber onde é que o filho vai nascer, e se a maternidade mais perto estará aberta ou fechada. É dramático quando nós pensamos que os hospitais fecham ao fim-de-semana. Não podem fechar.

Ou seja, não há segurança para uma mulher que esteja grávida, não sabe o que vai acontecer?

Ou tem meios – e cá está, a igualdade não existe – ou arranjam meios, porque de facto não querem correr o risco de terem um parto com consequências trágicas. Portanto, até às vezes se empenham para conseguir resolver esse problema. Mas o que é insuportável é pensar que temos serviços de saúde que são necessários 24 horas – porque nós não sabemos quando é que adoecemos – fechados.

Entende que há um retrocesso?

Sim, disso não há dúvidas nenhumas. Hospitais fechados era antes do 25 de Abril, que não havia hospitais. Então se vamos comemorar o 25 de Abril, vamos comemorar o quê? Voltamos àquela questão inicial; é apenas uma propaganda, hoje vive-se de propaganda. E os meios de comunicação social, ganharam de facto um estatuto de quarto poder, e criam-se as ideias que se criam.

Entende que os media, em larga medida, o que fazem é propaganda?

Uma grande parte, sim. Os media têm chefes, patrões, e donos; portanto, as propagandas também avançam a partir daí.

Mas também estão em crise agora, não é?

E criam ideias. Dominam, e depois tudo é discutido na base das ideias criadas.

Mas é interessante porque muitas vezes é passada a mensagem de que a propaganda é só de regimes ditatoriais, mas não se entende que haja propaganda em governos de países ocidentais.

O que é mais perigoso, porque nos outros países nós já sabemos que há [risos]. Portanto, aí já estamos alertados. Mas neste pensamos que não, que tudo é natural e tudo é – como se dizia antigamente – a bem da nação. Mas não é; é a mal da nação.

(Foto: PÁGINA UM)

Como é que tem acompanhado estes protestos que têm havido em várias áreas, desde os jornalistas, aos agricultores e às forças de segurança?

Eu continuo a dizer: é a crise do capitalismo. São as contradições que efectivamente se agudizam, e que não apresentam soluções. Mesmo com os agricultores não é outra coisa. Nós vamos ter um problema entre a agricultura, que está a ser destruída completamente, e tem que ser concentrada – aquilo que a que assistimos nos últimos tempos foi à concentração da agricultura com monopólios, por um lado, e o nascimento de um operariado agrícola. Por incrível que possa parecer; às vezes diz-se que o conceito de operário está a desaparecer, mas não está, pode é alterar-se. Nos campos, o que nós temos com esta agricultura intensiva, nomeadamente do Olival e do amendoal no Alentejo, é o que está a criar isto. Foi a venda de uma grande parte de propriedades mais pequenas para grupos económicos estrangeiros; temos a ideia de que são só espanhóis, mas não são – são angolanos e americanos. E estão a criar um conjunto de pessoas que são operários: alguns, nacionais, e outros, imigrantes, a viver em condições péssimas, como todos sabemos. Em condições degradantes e de exploração. E quando a própria comunidade, na luta pela pseudo energia verde, diz que tem de se cortar até 50% dos pesticidas, está a esquecer-se do que é usado, de facto, nestas culturas intensivas; que é uma brutalidade desse tipo de fertilizantes e que contagia até os outros terrenos que estejam ao lado e que ainda resistam a ser integrados nessas grandes propriedades. Depois, temos uma indústria de distribuição e agroalimentar que vai também sofrer algumas destas consequências. As outras propriedades no norte do país serão um pouco diferentes, mas a tendência, naturalmente, é de centralização e concentração.

Mesmo nos Estados Unidos tem havido um movimento de determinadas figuras mediáticas a serem compradoras de grandes lotes de terra.

Sim; e eles têm comprado muito em Portugal, nomeadamente terrenos no Alentejo.

Agora já não se fala tanto no ambiente, mas sim na questão das alterações climáticas. O que é certo é que ao nível comunitário, se prolongou por mais uma década, por exemplo, o uso do glifosato, que era da Monsanto, e foi comprado pela Bayer, e que é perigosíssimo. Portanto, em relação a algumas coisas, não bate aqui a bota com a perdigota.

Podem dizer que nós repetimos a cassete, mas para nós, a questão de fundo continua a ser o sistema capitalista e o modo de produção capitalista, que está esgotado e tem de ser substituído. É normal; tem a ver com a história. Os modos de produção vão-se sobrepondo; o modo de produção capitalista está esgotado, e tem que dar origem a um novo modo de produção. Há essencialmente duas riquezas, como nós dizemos: a natureza e o trabalho. Sendo que o trabalho é a forma como o homem utiliza instrumentos para retirar a riqueza da natureza. Está tudo aí. E aquilo que se chama a economia verde, muitas vezes, mais não é do que outro negócio.

Como a questão de se substituir um carro a combustível por um eléctrico…

Ora aí está; que parece que não vai ser uma coisa melhor, e não está a ser fácil. É, na mesma, a sociedade de consumo e a utilização da natureza até às últimas consequências. Agora vamos ter uma luta para recorrer a novas matérias que serão necessárias para novas tecnologias; mas nada é feito em termos de planeamento ou de respeito pela natureza. E todos estes desastres climáticos que estamos a ter, têm a ver com a falta de respeito que houve pela natureza e com o esgotar dos recursos.

(Foto: D.R./PCTP-MRPP)

Mas os avisos já existiam e muitas das pessoas que estão na política hoje, na Europa e em Portugal, já estavam na política nos em que começaram os avisos. Portanto, não é de agora.

Claro que não; foi desde sempre. O Friedrich Engels também já falava nisso há muito tempo, com A dialética da Natureza.

Também se viu, nos últimos anos, um enorme recuo ao nível dos direitos humanos, em vários países, com medidas repressivas que, entretanto, se percebeu que muitas foram erradas. Têm vindo a ser aprovadas, a nível comunitário, novas regulamentações sobre os direitos digitais e a imprensa, mas que vêm condicionar a liberdade de imprensa e de expressão. Como é que vê esses sinais?

Eu acho que nós temos a realidade impor-se. O que é que se passa na Palestina?

Ou seja, os direitos humanos é só de vez em quando?

É, quando convém, e de formas diferentes. Nós estamos agora a vivenciar a hipocrisia que existe relativamente aos direitos humanos. Porque está a haver um genocídio; não temos dúvidas nenhumas. E até tivemos o nosso Presidente da República – um dos primeiros Presidentes da República – a apoiar Israel. Ele podia ter estado calado nessa altura; esperava, pelo menos. Mas não! Cá está: Portugal é o bom aluno, e tem de se pronunciar em primeiro lugar. Portanto, quanto à forma como se vê os direitos humanos, eu penso que basta olhar para o que está a acontecer. Em que os países que podiam, e deviam, ter uma palavra a dizer, não o fazem. Porque acham que Israel tem que se defender; e em nome desse princípio que impõem, pode matar milhares e milhares de civis e não há problema nenhum.

Portanto, choca-a esta forma como o Governo, o Presidente da República, e até a própria União Europeia se tem posicionado nesse tema?

Sim; todos foram a Israel: o Presidente da República, o Parlamento, todos. E tiveram necessidade de o fazer – essa é a questão. E o Presidente da República ficou numa situação muito difícil com as posições que tomou – essas e outras. E já não sabemos se este Novembro de 2023 estava a ser tão constrangedor para uma série de poderes em Portugal; e que juraram inclusivamente esta demissão. Portanto, tivemos quase três poderes metidos no meio de uma demissão, que não vai alterar absolutamente nada.

(Foto: PÁGINA UM)

E o próprio Presidente da República esteve envolvido num escândalo.

Exactamente. Isto é a tal corrupção – continuo a dizer – inerente ao sistema e ao facto de termos recebido tantos milhões. Criaram-se tantas comissões para fiscalizar, fiscalizavam-se uns aos outros.

E para os portugueses, em que é que se traduzem esses milhões?

Em nada. Nós temos uma crise de habitação dramática, com consequências incalculáveis. Não há casas, pura e simplesmente. A habitação é um direito, que está na Constituição, e aquilo que nós vemos é que não há, nem foi construído, nem planeado. E isso é grave.

E as que existem, os portugueses não conseguem pagar.

Não têm acesso a elas. Nós estamos de facto num sistema que se baseia na lei da oferta, no negócio e na mercadoria; mas nós temos uma oferta que está inquinada. Para já, houve políticas que não planearam habitação social, nem tiveram isso em conta. E agora querem resolver o problema com arrendamentos que nem se sabe como se vão fazer, e nem sequer se há condições ou um número de habitações para isso. E este ano, houve um dos maiores aumentos ao nível das rendas. Neste momento, não é possível aos portugueses arrendarem uma casa em Lisboa, porque também têm uma concorrência com estrangeiros que vêm viver e trabalhar para Lisboa e que têm facilidade em pagar rendas acima dos 1.000 euros.

Portanto, a vossa visão é que o Estado deveria chegar-se à frente?

Sem dúvida, e a questão que se coloca é porque é que não o fez. Porque já fez dois anos que recebeu milhões do PRR, em que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU] era uma das instituições que deveria ter resolvido o problema, e não fez nada. E já vamos no terceiro ano, porque isto vai terminar em 2026. Portanto, faltam dois anos. O que é que aconteceu ao dinheiro?

Acha que é uma questão ideológica de não se querer do Estado, e querer que sejam os privados a resolver?

Pode ser. Mas é sobretudo uma questão de negócios.

Voltamos ao mesmo?

Sim. Porque, no fundo, como é que está a ser executado o PRR? Quem são as empresas que beneficiam? E beneficiando, como é que o estão a aplicar? De facto, há três sectores que chegaram a um estado de destruição quase total com as políticas deste Governo de maioria: a habitação, a saúde e o ensino.

E na saúde temos um excesso de mortalidade assustador. Portugal é dos países da Europa com o maior nível de excesso de mortalidade, e o Ministério da Saúde não quer investigar.

Não quer investigar, mas sabe.

Sim, tem as suas bases de dados anonimizadas, que podem perfeitamente ser disponibilizadas, e nós no PÁGINA UM temos uma acção em tribunal para que essas bases de dados sejam disponibilizadas.

Exactamente, e devem ser. Nós continuamos a dizer o mesmo que no princípio: o Serviço Nacional de Saúde está destruído.

Uma foto de Arnaldo Matos, fundador do partido, em destaque no hall de entrada da sede do PCT/MRPP.
(Foto: PÁGINA UM)

Portanto, os portugueses também não estão a ter acesso a cuidados de saúde.

Não, não estão. E quando os obtêm, já é em situações que às vezes são reversíveis. Há pessoas que estão à espera de operações e de outras intervenções; não é só as horas que se espera na urgência; não há acompanhamento.

E como dizia antes de começarmos esta entrevista, nem para se nascer, nem para morrer em Portugal, as coisas estão bem.

Sim; é dramático. E vai chegar a uma altura em que é insustentável. E aí, as coisas rompem.

Quando fala, sentimos que pode não haver já solução. Em todo o caso, vê que há uma possibilidade para Portugal de travar um bocadinho esses movimentos, também em termos de uma Terceira Guerra Mundial, mas não só?

Não vai travar absolutamente nada; porque estão em causa forças maiores que querem sobreviver, e que só podem sobreviver por aí.

E há alguma coisa que os portugueses podem fazer no sentido de dar a volta a isto e tentar resolver algumas questões?

Têm que se consciencializar de como é que vão resolver as questões, e de retirar algumas lições do que vai acontecendo. Porque os portugueses vão perceber. Vão perceber que lutam por isto, que tentam alterar e que já votaram não sei quantas vezes, só nos últimos tempos, e que isto está podre. Ninguém vai acreditar que todas estas propostas e ofertas que estão a ser feitas são para ser concretizadas; elas são feitas para se chegar ao poder e ver quem é que consegue enganar melhor. Uma vez lá instalados, vai acontecer a mesma coisa. Até porque nenhum dos partidos que estão a concorrer, desses que fazem as grandes propostas e que acham que de facto vão chegar ao poder, pode dizer com certeza que o programa que estão a apresentar vai ser o programa que vão concretizar. Porque eles não sabem sequer se vão governar sozinhos, nem com quem se vão aliar.

(Foto: D.R.)

Mas os dois grandes partidos já indicaram, pelo menos a AD e o PS, que há aquela linha vermelha em relação ao Chega. Como é que vê as sondagens que apontam para um crescimento do Chega?

Oh, as sondagens nunca são assim tão seguras quanto isso; depende dos grupos que são sondados e depende, inclusivamente, daquilo que o sondado quer dizer.

Portanto, podem ser enviesadas?

Podem. Há também problemas a nível da comunicação, porque a comunicação não sabe o que o povo sente.

Foi a comunicação social e alguns partidos que fizeram o Chega. E, portanto, até lhes dá jeito. Porque podem tentar dizer que se não ganharem eles, vai ser o Chega e vai ser uma desgraça. Mas foram exactamente eles que fizeram o Chega dessa forma. A comunicação social e os comentadores, porque vivem numa bolha, acham que aquilo que eles dizem é o que a população pensa. E pensam também que a maior parte das pessoas são influenciadas por aquilo que eles dizem; mas a vida das pessoas é diferente daquilo que os comentadores pensam.

As pessoas têm uma vida difícil, chegam ao fim do mês e não têm dinheiro para pagar as despesas. E sabem que não têm direito à saúde, que esse bem não está garantido, que têm problemas com a habitação e com a educação; isso elas sabem. E quando muitas vezes contestam, no sentido imediato, e dizem que algo está mal, podem não saber ainda o que querem, mas sabem que não querem isto. Ora, se há um partido populista que diz que algo está mal, é normal que algumas pessoas concordem.  E, portanto, o Chega, que não tem um programa, propriamente…  Porque apontam para o que está mal, mas qual é a proposta do Chega? Eles têm de dizer claramente como é que resolvem estes problemas, e qual o modelo de saúde que querem. Porque nós não temos problemas nenhuns que nos acusem de querer o desenvolvimento do Estado social – não é isso que nós queremos, mas entre o que queremos, e o que temos, queremos isso. E não temos problemas nenhuns em que haja meia dúzia de comentadores que defendam, por oposição, a liberalização e a iniciativa privada; nem ficamos sequer incomodados que tentem fazer crer que as nossas ideias são uma coisa do passado.

Também há a questão da imigração, e partidos que defendem um maior controlo, mas temos também uma grande emigração dos jovens. Quer deixar uma mensagem aos jovens, sobretudo os que têm estado a sair do país?

Pois estão, e vão continuar a sair; estou convencida de que a emigração aumentar. E a imigração também vai aumentar porque também nos faz falta. No fim de contas, voltamos a ter as tais contradições: nós temos desemprego, temos jovens qualificados a sair, e em igual proporção, temos imigrantes a entrar. É quando estas contradições são insanáveis, que as coisas têm que rebentar. Porque os portugueses não podem ir trabalhar para fora, para depois haver necessidade de uma mão-de-obra barata – e é o que está a acontecer. Os imigrantes vêm trabalhar, sujeitos a ordenados baixíssimos e a uma exploração intensíssima. Mas eles geram lucro suficiente para o pagamento que se lhes dá, e para os subsídios que são dados, em alguns casos, em Portugal. Nós somos contra esta história dos subsídios; não tem que haver subsídios. As pessoas têm de trabalhar por um ordenado digno, que lhes permita viver. E como os governos não querem fazer isso, temos de recrutar mão-de-obra barata, explorada, e colocar gente em situações indignas.

Um dos murais que trouxeram fama ao PCTP/MRPP (mural sem data, nem local). (Foto: D.R.)

Pensa que é um sinal também da decadência daquilo que existe em alguns países ocidentais?

 É, e vai ter consequências. Porque é muito bonito estarmos a dizer que ainda bem que os imigrantes cá estão, porque são eles que estão a sustentar a Segurança Social… Isso é um facto. Mas será bom para o desenvolvimento do país? Se calhar, não é. Não pode ser visto como algo bom, quando enviamos para fora os nossos.

Portanto, é algo que também tem que se repensar?

É uma contradição que, de facto, tem de ser resolvida. Mas ainda bem que os imigrantes estão cá, e nós não queremos que eles estejam nas condições em que estão; porque depois são problemas sociais atrás de problemas sociais. E se, inclusivamente, houve acordos para que alguns contratos fossem feitos em termos de imigração, esses acordos têm de ser respeitados. E não são; como nós vimos. E é preciso, de vez em quando, sair esses alertas para nós abrirmos os olhos e verificarmos que as coisas não estão a correr bem.

Portanto, há muito para fazer?

Há muito para fazer, porque há muito mal feito [risos].

Transcrição de Maria Afonso Peixoto.


Veja AQUI a página na Internet com informação do PCTP/MRPP.


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