VISTO DE FORA

Os justiceiros da Baixa do Porto

person holding camera lens

por Tiago Franco // Maio 10, 2024


Categoria: Opinião

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É comum dizer-se que um “mas” utilizado no meio de uma frase, invalida a primeira parte do que foi dito. Querem ver? “A Maria passou numa rua escura à noite e foi violada…mas estava de saia curta”. O que queremos dizer aqui é o clássico da grunhice: “a Maria meteu-se a jeito”.

Outro exemplo que tem estado muito em voga nos últimos 7 meses: “Israel já matou 34000 palestinianos mas o Hamas é que começou”.

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(Foto: Dan Burton)

Foi algo deste género que aconteceu, na sempre dividida sociedade portuguesa, no caso das agressões a imigrantes argelinos e marroquinos, no Porto. Algumas pessoas, a maior parte quero crer, condenaram. Com um ponto final. Outras, condenaram e acrescentaram um “mas”. 

Há momentos na vida em que não podemos ter dúvidas e muito menos procurar atenuantes. Este é um deles. Um ataque planeado e pensado contra imigrantes, alegadamente por membros de gangues com ligações a movimentos nazis, não pode ser usado como desculpa para libertar o racismo e a xenofobia escondidos.

Maria João Marques, autora de várias pérolas em tempo de pandemia, escreveu assim no Público:

“A extrema-direita, já vimos, relativiza o ataque aos imigrantes no Porto. Mas não notei qualquer reação, ou sequer comentário, vindo da esquerda às notícias televisivas dando conta dos assaltos e agressões por imigrantes (aparentemente ilegais) às lojas e às pessoas no Campo 24 de Agosto. Crimes cometidos por imigrantes são tema tabu, finge-se que não existem, porque vai contra a linha política ‘temos de receber todos os imigrantes que cá quiserem residir, sem colocar quaisquer condições, e quem contestar é fascista e racista'”.

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(Foto: Markus Spiske)

 

Não está só, entenda-se. A direita mais extremista acompanhou este pensamento. André Ventura discursou durante 25 minutos a propósito dos assaltos na baixa portuense. Um pouco por toda a direita mais conservadora, usou-se o argumento encapotado de “ainda levaram poucas”.

Repito o que já disse antes: gosto que as pessoas assumas as suas ideias, por mais aberrantes que sejam. Constato, no entanto, que a vergonha de partilhar sentimentos primários, como racismo ou a total falta de empatia, está cada vez mais distante. Há uma espécie de ‘carta branca’ para se ser um orgulhoso xenófobo, nesta Europa que implora por mais muros.

Este foi um dos tema em debate no podcast “Estrago da Nação”, do PÁGINA UM. O meu companheiro de microfone (Luís Gomes) alinhou pelo diapasão da Maria João Marques, acrescentando ainda que os cidadãos estavam a cumprir o papel do Estado já que este se demitia das suas obrigações. Ou seja, para justiçar a mais rudimentar antipatia por imigrantes em Portugal, já se acha razoável instituir um sistema de vigilantes onde marginais “limpam as ruas”.

brown and black jigsaw puzzle
(Foto: D.R.)

Confesso que este assunto, bem como qualquer animosidade em relação à imigração, é algo que me incomoda bastante. Fui imigrante quase duas décadas e sei o que é a busca por uma vida melhor, deixando para trás o conforto do conhecido. Não suporto racismo primário e nem percebo, no caso português onde a imigração é absolutamente essencial, esta luta da direita contra quem vem para cá pegar em empregos que português algum quer.

Deve ser por ter o tema colado na pele que, assumo, tenho alguma dificuldade em manter a calma perante correntes de xenofobia. Para quem ouviu o podcast, imagino que tenha percebido. Aproveito para pedir desculpa aos nossos ouvintes.

Alguns meios de comunicação relataram que entre os agressores estavam membros do grupo neo-nazi liderado por Mário Machado. Não sei se é verdade, mas não me custa a acreditar que um ataque a imigrantes não tenha sido, em princípio, planeado por membros do coro Santo Amaro de Oeiras.

Agora que Mário Machado foi preso, depois de ter incitado ao ódio e violência contra mulheres de esquerda (com destaque para Renata Cambra, antiga porta-voz do Movimento Alternativa Socialista), fico um pouco preocupado com a segurança da baixa portuense. Quem é que vai manter a ordem agora se os nazis ficarem sem liderança durante dois anos? É que, só para piorar, nem o Dr. Macaco está disponível para ajudar na limpeza por dificuldades de agenda.

fist, cut, violence
(Foto: Annabel_P)

O que pode esperar a bela cidade do Porto e os seus comerciantes quando os justiceiros estão, ironicamente, a braços com a justiça? 

Um nazi é um nazi e achar que, a bem da xenofobia, os interesses destes com a população se alinham, é um erro crasso que a nossa extrema-direita faz conscientemente.

Não há “mas” numa agressão a imigrantes. Há apenas ódio e racismo.

Misturar isto com roubos, seja onde for, é criar campo fértil para extremistas e nacionalistas. Não ajudem (ainda mais) ao crescimento de pequenos ditadores e aprendam a ler os sinais da História. Se há problemas com a lei, sigam os ensinamentos dos Trabalhadores do Comércio e “chamem a polícia”. Não deem borlas à xenofobia.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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