Medialivre é único grupo privado 'saudável' e rentável

Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

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por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Agosto 8, 2024


Categoria: Imprensa, Exame

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De entre os nove maiores grupos de media em Portugal com títulos da imprensa escrita, segundo uma análise financeira do PÁGINA UM, apenas duas (Medialivre e Impresa Publishing) apresentaram lucros em 2023, mas somente o grupo que tem Cristiano Ronaldo como accionista mostra uma situação financeira saudável. De resto, a tónica destes grupos de media é a acumulação imparável de resultados negativos, havendo mesmo quatro em falência técnica (Swipe, Trust in News, Media9Par e Newsplex). A hecatombe não é maior porque, por exemplo, nos casos do Público (que acumula 24,2 milhões de euros de prejuízos desde 2017) e do Observador (prejuízos acumulados de 11,3 milhões de euros), os accionistas têm tapado os ‘buracos’. A crise neste sector não é uma surpresa, derivando de diversos factores, incluindo a ‘concorrência’ das grandes plataformas digitais na captação de publicidade e a mudança dos hábitos de leitura, embora a crescente quebra de credibilidade e a promiscuidade com o poder político e económico não ajudem.


O cheiro a papel, a tinta que sobra para os dedos, os anúncios, as ‘gordas’, as palavras cruzadas têm lugar na era do pixel, do clique, do Chat GPT, e dos textos escritos por máquinas? Nesta era de acelerada transformação para um mundo digital, o sector da imprensa escrita em Portugal enfrenta uma crise longa e definha a olhos vistos. Um levantamento do PÁGINA UM, que analisou as contas dos maiores grupos da imprensa escrita, tanto impressa como digital, nos últimos oito anos, encontrou um cenário negro, com prejuízos sucessivos e até falências técnicas, com empresas já com a ‘corda no pescoço’ e outras em processo de desmantelamento.

Neste cenário de decadência e ‘cheiro’ a fim dos dias, poucos se ‘salvam’ e ainda menos vivem desafogados. A excepção é, na verdade, Medialivre, dona do Correio da Manhã, da revista Sábado e do desportivo Record (e também dos canais televisivos CMTV e Now), que está para a imprensa em Portugal como Cristiano Ronaldo, seu accionista, está para o mundo do futebol: marca ‘golos’, acumulando lucros todos os anos. Mas ‘Ronaldos’ não há muitos e este grupo é um dos poucos na imprensa nacional com um registo de lucros sustentáveis, ao longo dos anos num sector em crise. De facto, na análise do PÁGINA UM, apenas três grupos registaram lucros em 2023. A Medialivre, que também detém a CMTV, destaca-se com um lucro de 7,2 milhões de euros no ano passado. Em oito anos, a empresa, antes conhecida como Cofina Média, registou lucros totais de 50 milhões de euros, o que se mostra excelente neste sector.

A maioria dos grupos de imprensa está preso por ‘fios’, acumulando prejuízos atrás de prejuízos. Três terminaram o ano passado em situação de falência técnica, um deu início a um PER e outro foi desmantelado. (Foto: PÁGINA UM)

Também a dona do Expresso, a Impresa Publishing, tem conseguido apresentar um resultado líquido positivo nos últimos anos, com o ano de 2023 a fechar com um lucro de 1,478 milhões de euros. Mas este desempenho tem uma explicação pragmática: em 2018 livrou-se ‘milagrosamente’ de um ‘pedregulho no sapato’: o tóxico portfólio de revistas, encabeçado pela Visão, que ‘chutou’ para uma empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros. Um negócio ainda hoje está muitíssimo mal explicado, e que está a dar um fenomenal calote de cerca de 15 milhões de euros ao Estado e outro tanto a outros credores. Mas já vamos à Trust in News.

Hoje, a ‘divisão’ de imprensa escrita do Grupo Impresa, fundado por Pinto Balsemão, com o Expresso à cabeça, tem um passivo de ‘apenas’ 10,1 milhões de euros, quando em 2017 essa rubrica contabilizava um valor na ordem dos 30 milhões de euros. Transferida a ‘Impresa má’ para a Trust in News, já sem ónus e muitos encargos insuportáveis, ficou o caminho livre para a dona do Expresso registar lucros. Já a actual dona das revistas Visão e Exame, Trust in News, iniciou este ano um Processo Especial de Revitalização (PER), cujo desfecho ainda se aguarda.

Com a excepção destes dois casos, de empresas com lucros em 2023, os restantes maiores grupos fecharam o exercício abaixo da ‘linha de água’. À cabeça, a Global Notícias, dona do Diário de Notícias, que apresentou um prejuízo 7,284 milhões de euros. O grupo, que detém também a rádio TSF, tem registado prejuízos sucessivos, que totalizam quase 50 milhões de euros em oito anos. O passivo da Global Notícias estava no final de 2023 nos 46,5 milhões de euros, quando em 2017 se situava nos 66,9 milhões de euros. Mas o activo, num processo de ‘vampirização’, caiu para metade, de 98,3 milhões de euros para 53,6 milhões de euros no fim do exercício passado. Quanto aos capitais próprios, sofreram uma redução de dois terços: passaram de 31,4 milhões de euros em 2017, para 7,2 milhões de euros no ano passado. Entretanto, o grupo foi já desmantelado, com a Notícias Ilimitadas de Marco Galinha a ficar com a ‘galinha dos ovos de ouro’ do grupo – o Jornal de Notícias –, além de engolir também outros títulos e a rádio TSF.

Apesar de estar inserido num gigante, que é a Sonae, e de beneficiar da rede de distribuição e pontos de venda que incluem os supermercados Continente e demais lojas do grupo, o jornal Público registou em 2023 um dos maiores prejuízos de, pelo menos, os últimos oito anos. (Foto: PÁGINA UM)

Ao descalabro da Global Notícias, segue-se um histórico prejuízo do jornal Público, que em 2023 fechou o ano com o pior resultado líquido de, pelo menos, os últimos oito anos, a atender aos dados do Portal de Transparência dos Media. De resto, o jornal do grupo Sonae tem um problema de prejuízos crónicos. Em 2023, o jornal fechou o ano com um prejuízo de 4,5 milhões de euros. Em 2022, o jornal tinha registado um prejuízo de 2,1 milhões de euros. Somado desde 2017, o Público deu um prejuízo acumulado de 24,2 milhões de euros, mesmo (ou por causa) das constantes promiscuidades entre informação e marketing empresarial por via de parcerias. Não se vislumbra uma melhoria da situação para o jornal, que se ‘aguenta’ por estar sustentado num dos maiores grupos empresariais do país e que lhe garante a ‘banca’ gigantesca que é a rede de lojas e supermercados da dona do Continente, com campanhas de assinatura que incluem desconto ‘em cartão’ da principal marca da Sonae.

Também no ‘vermelho’, e muito, está a dona do Observador, a Observador Ontime, que, tal como o Público, tem a ‘sorte’ de contar com accionistas ‘generosos’, que têm efectuado injecções de capital na sociedade. O maior accionista, com 55% do capital, é a Amaral Y Hijas Holding, de Luís Amaral, dono da empresa de distribuição polaca Eurocash, seguido da Orientempo (com 7,69%), que tem o gestor António Carrapatoso como accionista de referência. São ainda accionistas de referência empresas ligadas a nomes como Alexandre Relvas, Filipe de Botton, João Talone, António Champalimaud e Carlos Moreira da Silva, entre outros.

Em 2023, a Observador Ontime fechou o ano com prejuízos de quase 1,3 milhões de euros, mas isso é o ‘normal’: os prejuízos acumulados atingem já os 11,3 milhões de euros desde a sua criação. O passivo da empresa mais do que duplicou desde 2017, situando-se agora nos 2,5 milhões de euros. Mas, além de encontrar apoio nos seus accionistas famosos, a empresa conta ainda com o apoio dos seus principais credores: a Caixa Geral de Depósitos, com cerca de 30% do passivo, e o BCP, com 11%.

O momento em que a Impresa passou os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa para a empresa unipessoal de Luís Delgado, que apesar do ‘calote’ que deu ao grupo liderado por Francisco Balsemão continua a ser comentador na SIC. Hoje, a Impresa Publishing apresenta lucros. Já a empresa de Delgado iniciou um PER e está ‘por um fio’ e o empresário arrisca ser condenado na Justiça, já que além de não ter pago contribuições dos trabalhadores à Segurança Social, também deve ao Fisco, nomeadamente pagamentos de IVA. (Foto: D.R.)

De notar, que os resultados de 2023 da Observador Ontime não constam ainda do Portal da Transparência dos media, como é obrigatório. Desconhece-se se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já deu um ‘puxão de orelhas’ à empresa devido a este atraso na divulgação de informação financeira ao público.

Quanto à Media9Par, dona do Jornal Económico e da Forbes, também está em ‘maus-lençóis’. Além do prejuízo ter piorado, passando de 412 mil euros em 2022 para 1,925 milhões de euros no ano passado, a empresa viu os seus capitais próprios descerem de 517 mil euros para o valor negativo de 1,079 milhões de euros, sinalizando estar em falência técnica.  O passivo da empresa do Emerald Group, do ‘misterioso’ empresário angolano N’Gunu Tiny – que é também accionista do Polígrafo –, mais do que duplicou, de 1,439 milhões de euros para 3,932 milhões de euros.  

Outra empresa do sector da imprensa escrita, neste caso exclusivamente digital, a fechar o ano passado com prejuízos foi a Swipe News, dona do Eco, que registou um resultado líquido negativo de 235 mil euros. E isto depois de sucessivos anos sucessivos de prejuízos. Esta empresa de média – detida em 79% por empresários e empresas, incluindo a Amorim SGPS e a Valens Private Equity, de Mário Ferreira, principal accionista da TVI – não tem grandes motivos para festejar, pois tem capitais próprios negativos de 1,6 milhões de euros, o que não abona a favor de quem aborda sobretudo temas económicos. Além disso, registou um passivo de 2,6 milhões de euros, quando há oito anos, em 2017, o valor estava nos 375 mil euros. Entretanto, em Março deste ano, os accionistas abriram os cordões à bolsa com um aumento de capital de 1.302.647 euros para 3.211.397 euros. Aparentemente, vão ter de injectar mais.

Outro grupo que registou uma deterioração dos resultados foi a Newsplex, dona do Nascer do Sol, que no ano passado viu os prejuízos aumentar de 474 mil euros para 574 mil euros. Os capitais próprios foram negativos, em 1,628 milhões de euros, e o grupo apresentava, no final de 2023, dívidas à Segurança Social (738 mil euros) e ao Fisco (398 mil euros).

Mas estas dívidas ao Estado são ‘peanuts‘, quando comparadas com a situação da sua vizinha no Taguspark, a Trust in News, que está a dever mais de 15 milhões de euros aos contribuintes. O prejuízo da empresa que detém a Visão até nem foi tão elevado quanto o de outros grupos, já que a sociedade unipessoal do comentador e empresário Luís Delgado fechou 2023 com um resultado líquido negativo de 116 mil euros. O problema é mesmo os mais de 30 milhões de euros de passivo.

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A incógnita permanece: como é que uma empresa com um capital social de apenas 10.000 euros conseguiu acumular uma dívida desta dimensão, ainda para mais, quando o maior credor é o Estado, mais concretamente a Segurança Social e o Fisco. Além disso, pela lista de credores do PER, a empresa deixou um longo rasto de dívidas a todo o tipo de fornecedores e também a trabalhadores. Do que não se duvida é que o acumular de dívidas aos cofres públicos só foi possível com ‘carimbo’ político, do Governo.

Só falta saber se a factura do descalabro deste grupo e de outras empresas do sector da imprensa vai acabar por suportada pelos bolsos dos contribuintes, que, mesmo que não queiram ser leitores e assinantes das publicações, arriscam tornar-se apoiantes à força destes meios de comunicação social dos media mainstream. Os mesmos media que estão, por sua vez, cada vez mais reféns e dependentes de accionistas ‘generosos’ e de promíscuas parcerias comerciais que encomendam o funeral à ética jornalística, a troco da sobrevivência a prazo dos maiores donos da imprensa em Portugal.

N.D.: A Swipe News começou por apresentar no Portal da Transparência dos Media um lucro no ano passado de cerca de 235 mil euros, que acabou por corrigir para valor negativo (prejuízo). O PÁGINA UM somente detectou essa correcção em 11 de Setembro de 2024, refazendo essa parte da notícia original.


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