EMPRESA EM LITÍGIO COM FISCO POR 893 MIL EUROS

Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Dezembro 12, 2024


Categoria: Exame

minuto/s restantes

A Padaria Portuguesa está à venda, e as notícias veiculadas pela imprensa garantem que existem fundos de capital de risco e de private equity interessados no negócio intermediado pelo banco de investimentos Haitong. Mas por detrás desta cadeia de 78 lojas de restauração, além de duas fábricas de panificação, estão muitas fragilidades, com prejuízos elevados durante a pandemia e uma facturação que está em estagnação com margens operacionais modestas. A reputação da empresa de pagar pouco aos funcionários tem sido também uma marca pouco abonatória, e há agora um litígio com o fisco de quase 900 mil euros. No final de Outubro, chegou entretanto uma rival de peso ao mercado português, com a abertura da primeira loja da britânica Pret a Manger, no Centro Colombo, e aparentemente os actuais sócios querem saltar fora do barco. O destino da empresa que teve como sócios iniciais o ex-ministro Dias Loureiro e até Nuno Rebelo de Sousa, filho do actual Presidente da República, parece estar encaminhado. Mas a que preço?


Salários baixos, anos com prejuízos e uma marca consolidada, com um marketing também assente na figura mediática de um dos sócios, José Diogo Quintela, do quarteto humorístico Gato Fedorento. Para os donos da Padaria Portuguesa, a oportunidade para vender a cadeia de lojas de restauração pode ser única. Os dois últimos anos foram de lucros, mas após dois penosos anos de prejuízos em 2020 e 2021, por via das opções adoptadas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19 terem triturado a Economia e esmagado muitas empresas em áreas como a da restauração e alojamento.

Apesar dos subsídios do Estado para compensar a perda de rendimento da Padaria Portuguesa no valor de quase 3,9 milhões de euros entre 2020 e 2022, a empresa registou prejuízos de 4,8 milhões de euros no somatório dos anos de 2020 e 2021, regressando aos lucros em 2022 com 887 mil euros de lucros. No ano passado, os lucros até subiram, para 1,6 milhões de euros, mas uma parte substancial devido a activos por impostos diferidos, ou seja, uma forma de compensação fiscal por prejuízos anteriores.

Mais do que uma real vontade de expandir o seu negócio, a venda pelos sócios – Nuno Carvalho e demais familiares, incluindo José Diogo Quintela – denota pressa para se livrarem de um negócio que já viu melhores dias. Até porque a concorrência por parte de formatos similares está a aumentar. Aliás, a britânica Pret a Manger acaba de inaugurar a sua primeira loja em Portugal, em Lisboa, no Centro Colombo pela ‘mão’ da Ibersol, que opera marcas de ‘fast food‘. E um sinal disso está no facto de no ano passado terem sido distribuídos 800 mil euros de dividendos, numa empresa em anos anteriores apostava sobretudo em investir lucros, só possível por um aumento do endividamento.

Recorde-se que a Padaria Portuguesa nasceu em 2010 numa pequena fábrica em Samora Correia, tendo, curiosamente, nesta fase como sócios Nuno Carvalho, em nome individual, e a ZDQ Unipessoal, do seu primo José Diogo Quintela. Mais tarde, juntou-se a Bakers Capital, através de um aumento de capital, controlada pelo ex-ministro social-democrata Dias Loureiro. Em 2013, houve outra entrada de um sócio: Nuno Rebelo de Sousa, o agora mediático filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi passagem efémera, porque em 2015 deixou de constar na estrutura societária da empresa. Hoje, a empresa é detida pela ZDQ Unipessoal, de Diogo Quintela, pela Nutelo, de Nuno Carvalho, presidente-executivo, e ainda por outros membros da família.

No ano de 2019, a Padaria Portuguesa obteve lucros de 1,3 milhões de euros e estava em franca expansão. Mas chegou a pandemia, e Portugal não a geriu como a Suécia. E fechou tudo. Logo em Abril de 2020, Nuno Carvalho criticou essa medida, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia Pedro Siza Vieira, alertando sobre o impacte dos confinamentos, mas acabou criticado pelo unanimismo imposto do ‘vai ficar tudo bem’. Para a Padaria Portuguesa ficou tudo mal. Mesmo com subsídios à exploração nesse ano por parte do Estado de quase 1,8 milhões de euros, a empresa fechou as contas anuais com prejuízos de mais de 1,5 milhões de euros, à medida que o país prosseguia com a gestão radical da pandemia.

Aliás, mesmo com alguma abertura do comércio, mas ainda num cenário de forte instabilidade e quase sem turistas, a facturação da Padaria Portuguesa estagnou em 2021, na ordem dos 26 milhões de euros, e mesmo com uma redução nos gastos com pessoal de 4,3 milhões de euros em relação a 2019 e ainda 1,5 milhões de euros em subsídios do Estados, os resultados operacionais foram negativos. E no final, resultados líquidos bateram ainda mais no vermelho: prejuízos de quase 3,3 milhões de euros.

Foto: D.R.

Apesar de um regresso aos lucros em 2002, em cerca de 886 mil euros, o mal estava feito e a empresa perdeu gás. No ano passado, o lucro atinguu os 1,6 milhões de euros, mas sobretudo graças à contabilização de impostos ‘derivados’ dos prejuízos na pandemia. Antes de impostos, o resultado foi de apenas 836 mil euros. No mesmo exercício, os sócios aproveitaram para ‘sacar’ 800 mil euros em dividendos, denotando já um sinal de desinvestimento.

Este ano, a empresa anunciou um plano de expansão que envolve um investimento de 16 milhões de euros para adicionar 40 lojas às actuais 78 e criar 600 empregos até 2028, mas mostra-se evidente que não tem ‘mãos para tocar essa guitarra’, porque, em comparação com 2019, os capitais próprios (‘património’ dos sócios) estão mais baixos em 3,1 milhões de euros e o passivo (sobretudo endividamento) aumentou quatro milhões de euros). Ou seja, a autonomia financeira é bastante baixa.

A evolução da facturação da empresa, mesmo descontando o impacte da pandemia, foi muito modesta: saltou de 39,4 milhões de euros em 2019 para 42,6 milhões, prevendo a empresa fechar este ano com vendas na ordem dos 44 milhões. Ora, isso significa um aumento da facturação um pouco acima de 10%, muito inferior à taxa de inflação.

Mas a empresa tem mais alguns pontos fracos, para além de demonstrar uma grande sensibilidade a factores externos e políticos, como sucedeu durante a pandemia. Além disso, o PÁGINA UM apurou que a Padaria Portuguesa tem em curso um litígio judicial com a Autoridade Tributária, tendo entrado no passado dia 22 de Outubro com um processo de impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa por causa de 893.492,41 euros em impostos.

Mas é, sem dúvida, a reputação de empregador ‘sovina’, baseada em salários baixas, que tem sido o grande ‘calcanhar de Aquiles’ da Padaria Portuguesa, que se tornou quase uma imagem de marca da empresa. De facto, uma análise à evolução dos gastos com pessoal entre 2019 e 2023 mostram uma prevalência de sinais de salários baixos, especialmente quando comparados ao número de empregados.

Por exemplo, olhando em detalhe para estes dados, em 2019, os gastos com pessoal foram de 15.052.110 euros enquanto em 2023 ascenderam a 15.946.429 euros. Em 2019, a empresa empregava 1.104 trabalhadores, dos quais 939 a tempo inteiro e 165 a tempo parcial. Em 2023, empregava 905 funcionários, dos quais 764 a tempo inteiro e 141 a tempo parcial. Isto resulta em gastos anuais médios por empregado de 13.638 euros, em 2019, e de 17.621 euros em 2023.

Foto: D.R.

Apesar de ter existido uma recuperação, este gasto médio por empregado é indicativo de salários baixos. O valor anual médio de 17.621 euros, em 2023, traduzindo-se em cerca de 1.468 euros por mês, incluindo os encargos sociais, sugerindo salários médios líquidos inferiores, especialmente para trabalhadores a tempo parcial. Por outro lado, a proporção de trabalhadores a tempo parcial também contribui para a redução do gasto médio, mas mesmo entre os trabalhadores a tempo inteiro, o valor médio não reflecte salários competitivos, considerando o sector.

Ora, por um lado, o custo laboral reduzido contribui para margens operacionais mais sustentáveis, especialmente em anos difíceis, como foi o caso de 2020 e 2021. Mas abre a porta ao risco de não conseguir fazer retenção de talentos, já que salários baixos são sinónimo de uma rotatividade elevada de pessoal, afetando a continuidade e eficiência operacional. Há ainda a contabilizar os danos causados na imagem pública, já que a prática sistemática de salários baixos é, em geral, mal recebida pelo público, especialmente em sectores que valorizam práticas laborais éticas.

Há, portanto, um caminho a percorrer nesta matéria para que a Padaria Portuguesa se torne mais competitiva nesta matéria. Um ajuste salarial proporcional à recuperação seria aconselhável. Com a recuperação das receitas e do EBITDA em 2022 e 2023, seria recomendável que a empresa avaliasse aumentos salariais para reter talentos e melhorar a motivação dos seus empregados. Complementar os salários com benefícios, designadamente formação, subsídios ou incentivos de produtividade, pode mitigar a percepção de uma empresa que paga salários baixos.

Nuno Carvalho, CEO, (à esquerda) e José Diogo Quintela a participar num programa da RFM, em 2015.

Num contexto de venda da empresa, apresentar um custo laboral reduzido é um factor que contribui para a viabilidade da empresa, mas pode haver um potencial impacto negativo de uma eventual dependência excessiva de salários baixos em negociações futuras. Supondo que a empresa pudesse aumentar em média em 10% os salários dos seus funcionários, teria um impacto nos resultados e na sustentabilidade do negócio. A margem EBITDA iria cair ligeiramente. Mas, no caso de o comprador ter um forte compromisso ético, o negócio seria atractivo, embora o preço de aquisição fosse reflectir o impacto do aumento salarial.

Olhando para o mercado, com base no EBITDA de 2023, de 3.343.879 euros, considerando uma avaliação do negócio assente em múltiplos médios de operações de fusão e aquisição na Europa, em 2023, de cinco vezes o EBITDA, a avaliação da empresa ficaria próxima dos 17 milhões de euros.

Tudo isto ponderado, o eventual futuro dono da cadeia de lojas da Padaria Portuguesa herdará uma marca – para além dos croissants, pão-de-deus e outros produtos conhecidos da empresa – mas também algumas polémicas que ficaram na memória. Quem não se lembra dos bolos-rei empilhados em cima de um caixote do lixo em frente à loja da marca no centro da Graça, em Lisboa. Ou ainda as frases proferidas por Nuno Carvalho, em defesa de uma maior flexibilidade laboral em Portugal. Com um passado de ser uma empresa familiar e algumas polémicas à mistura, em 2025 irá saber-se se a Padaria Portuguesa irá mudar de menu e melhorar a sua política laboral ou se ficará tudo na mesma.


PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

APOIOS PONTUAIS

IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

MBWAY: 961696930 ou 935600604

FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.