CONCERTOS 'GRÁTIS': QUATRO GRUPOS E CANTORES JÁ SUPERARAM UM MILHÃO DE EUROS EM 2025

E o vencedor em ano autárquico é… Tony Carreira, mas por pouco

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Pedro Almeida Vieira|10/10/2025

Se dantes o ano autárquico era o calendário das inaugurações — a rotunda pintada, o jardim rematado, a piscina municipal com fita para cortar —, em 2025 a música tomou de assalto a praxe. Às vésperas do voto deste domingo, 12 de Outubro, uma boa parte das câmaras e juntas de freguesia abriu os cordões à bolsa para contratar artistas “a rodos”, sob o pretexto das festas populares e de uma programação “gratuita” que, como sempre, sai do dinheiro público.

Nunca antes — e muito menos em 2021, quando a pandemia tolheu agendas — se assistiu a tal euforia de espectáculos suportados por contratos públicos.

Em ano de autárquicas, em pouco mais de nove meses, Tony Carreira triplicou a sua receita em comparação com todo o ano de 2024.

O PÁGINA UM analisou os contratos publicados no Portal BASE até 10 de Outubro, incluindo ajustes directos e concursos para “animação” cultural, considerando os valores sem IVA e, quando o contrato abrangeu vários artistas no mesmo cartaz, atribuindo ao cabeça-de-cartaz o valor médio por actuação em 2025. E encontrou o top 20, por coincidência aqueles que facturaram, este ano, mais de 200 mil euros.

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E, em vez de começarmos de baixo para cima, vamos mesmo para o vencedor do ‘arraial autárquico’: Tony Carreira é o campeão do ano. Trinta concertos contratados por entidades públicas somam 1.332.203 euros, pulverizando as marcas recentes do próprio artista nos anos anteriores: em 2023, tinha facturado 492.050 euros por 13 actuações; no ano passado, 426.901 euros por 11. Além do volume, subiu o cachet médio, que este ano ronda os 44.407 euros por espectáculo (face a cerca de 37.850 em 2023 e 38.809 em 2024).

Ou seja, Tony Carreira praticamente triplicou a sua facturação, e ainda faltam quase três meses e a Passagem de Ano que sempre dá para encaixar ainda mais do que o cachet habitual.

Os Calema estão perto de destronar Tony Carreira na preferência dos autarcas.

A perseguição ao trono está perto e só surpreende quem não percorre a ‘moda musical: dupla são-tomense Calema, que se tornou coqueluche do circuito municipal com pop lusófona de acento dançável, contabiliza 25 concertos este ano, tendo já facturado, segundo as contas do PÁGINA UM, cerca de 1,24 milhões de euros, um cachet médio próximo dos 50 mil euros por concerto. Logo depois surgem os Xutos & Pontapés – decanos do rock português, que assinaram 23 actuações por ajuste directo de autarquias, totalizando 1.125.635 euros, quase tanto quanto os Calema em média por concerto) – e Pedro Abrunhosa, com a sua pop-rock de sala cheia, a igualar o patamar de 30 espectáculos, com os quais facturou um pouco mais de 1,1 milhões de euros, com um cachet médio próximo dos 37 mil euros.

Estes quatro são os únicos que superaram já a fasquia de um milhão de euros de concertos pagos pelos contribuientes, mas Nininho Vaz Maia — pop de pulsação latina e raízes ciganas — está próximo desses valores. Para já, o ano de 2025 está a correr-lhe de feição em termos de contratos públicos: já contabiliza 22 concertos e uma facturação de 845.174 euros, com um crescimento de 63% face ao ano passado, onde registou 518.191 euros por 12 actuações). Comparando com 2023, quando surgiu em força, a facturação mais do que triplicou e o cachet médio passou de 22 mil euros para 38 mil euros por espectáculo.

O mapa dos mais contratados pelas autarquias completa-se com nomes que dispensam apresentações e cobrem quase todo o espectro da música popular e da canção de autor.

Xutos & Pontapés continuam a fazer ‘casinhas’ magníficas para os autarcas que os contratam.

Na faixa acima do meio milhão de euros estão os Quatro e Meia – o sexteto de antigos estudantes de Coimbra, dos quais três são médicos – registam, neste ano de eleições autárquicas, 15 concertos e 569.086 euros, com um cachet médio de 38 mil euros euros por noite; António Zambujo – um dos mais conhecidos fadistas contemporâneos – que soma 18 espectáculos por 553.307 euros, com o cachet médio a rondar os 31 mil euros); o histórico Rui Veloso com 13 espectáculos e uma facturação de 538.778 euros, onde se destaca o concerto nas escadarias da Assembleia da República; a fadista Mariza que marca este ano em solo lusitano um total de 11 concertos por 514.645 euros, com um cachet médio a rondar os 47 mil euros); e ainda o cantor pop Fernando Daniel que se apresentou em 22 concertos com uma facturação total de 510.686 euros, sendo que, do top 10, é aquele que exige um cachet mais baixo: cerca de 23 mil euros por espectáculo.

Na segunda metade do top 20, estão cantores e músicos de várias gerações. O 11.ª posição é ocupada por Diogo Piçarra que, por 16 concertos ‘públicos’ facturou 437.584 euros, estando com um cachet próximo dos 27 mil euros, seguindo-se Carolina Deslandes (16 concertos e 385.742 euros), Bárbara Tinoco 15 concertos e 328.314 euros).

Abaixo dos 300 mil euros surgem Miguel Araújo (13 concertos e 287.588 euros), Carminho (12 concertos e 256.300 euros, incluindo um espectáculo em Osaka pago pelo Turismo de Portugal), Bárbara Bandeira (10 concertos e 254.000 euros), Marisa Liz (15 concertos e 227.252 euros), Toy (17 concertos e 216.233 euros), Jorge Palma (14 concertos e 213.420 euros) e, fechando a lista do top 20, José Cid, que aos 83 anos está para dar e durar: este ano já fez 11 concertos e facturou 200.860 euros.

Top 20 dos grupos e cantores por valor contratualizado este ano até 10 de Outubro (contratos publicados). Fonte: Portal Base. Analise: PÁGINA UM.

De fora do top 20, estão outras ‘estrelas’ próximas da fasquia dos 200 mil, como são os casos de Camané (15 concertos e 169.975 euros) e Cuca Roseta (12 concertos e 176.130 euros).

Comparado com 2021, ano em que o rasto da pandemia ainda impôs cancelamentos e apertos orçamentais, 2025 é assim um desvario programático. Muitos eventos foram apregoados como “gratuitos” para as populações, mas, como sempre, os custos são socializados. Somente os 20 mais activos contabilizam um total de 11,15 milhões de euros. Se incluir IVA, ultrapassa-se os 13,7 milhões de euros. Todos os portugueses pagaram e só alguns assistiram, mas muitos autarcas beneficiaram deste ‘feito’, com dinheiros públicos.

N.D. (15/10/2025) Foi feita uma correcção na lista inicialmente divulgada, que continha a Marisa Liz duplicada no top 20. No caso desta cantora, surgem contratos com o nome Mariza Liz e outros com Marisa Liz. Deste modo, o top 20 fecha com José Cid.

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