Novas regras em debate causam elogios e apreensão

Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

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A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.


“De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.

As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.

A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.

Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.

A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.

A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).

Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.

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A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.

Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.

Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.

Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.

Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.

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Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.

Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.

Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.

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O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.

Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.

Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.

“Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.

Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.

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Para a Repórteres sem Fronteiras (RSF), a iniciativa é bem-vinda mas precisa de uns “retoques”.

“A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.

Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.

Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.

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