A visita de Lula da Silva a Portugal tem provocado um autêntico “fuzuê” na vida pública deste pacato cantinho à beira-mar plantado. Tenho visto a novela com o mesmo encanto com que acompanhava as aventuras do Roque Santeiro. Sim, eu sou desse tempo.
A primeira nota de destaque foi o aproveitamento que os partidos de direita e extrema-direita fizeram. A Iniciativa Liberal veio a terreno criticar as declarações de Lula sobre a Ucrânia e o Chega montou um circo, digno de se ver, com a presença de Lula nas comemorações do 25 de Abril.
Lula da Silva veio a Portugal tratar de negócios, fechar acordos, parcerias, trocas comerciais. Como qualquer presidente que visita outro país, o objectivo é fechar acordos. Fê-lo na China, nos Estados Unidos e agora, à nossa micro-escala, fá-lo-á em Portugal.
Hoje, por exemplo, ia de manhã, de avião para o Porto para umas negociatas em Matosinhos. De tarde, regressa no mesmo avião ao aeroporto militar de Figo Maduro, a tempo de entregar o prémio Camões ao Chico que importa. Amanhã, imagino, vai discutir problemas ambientais e como reduzir as emissões de carbono, que não as dele.
Ao chegar, Lula falou sobre a Ucrânia e disse o óbvio: é preciso sentar e conversar para negociar um plano de paz.
Compreendo a intenção do presidente brasileiro ao tentar meter o país irmão novamente na agenda internacional, depois do buraco de isolamento onde Bolsonaro o tinha deixado. Mais uma vez, está a tratar da vida e dos interesses económicos, como qualquer presidente faz.
A novidade, para mim, é ver o coro de virgens ofendidas do lado da Iniciativa Liberal com as declarações de Lula. Segundo eles, quem faz o apelo à paz com cedências territoriais está a premiar o invasor e, como outras vozes já o defenderam, só se podem sentar à mesa quando os russos saírem do país e largarem os territórios ocupados.
Ora, não querendo ser eu o portador das más notícias, se os russos fizessem isso, já não era preciso ir para a mesa porque não haveria muito para negociar. Não sei se me faço entender.
E isto é particularmente aborrecido de ouvir dos lados da Iniciativa Liberal porque, habitualmente, definem-se como uns tipos práticos, conhecedores da realidade, dos mercados e do mundo que nos rodeia. Mas depois ficam ali, presos em ideologias que não têm e moral de café, quando o pragmatismo lhes bate à porta.
Desde logo, esta narrativa da guerra que começou em 2022 já está mais do que desfeita. Já todos sabemos que a Rússia invadiu a Ucrânia depois de oito anos de conflitos e escaramuças com russófonos. Isto não muda o nome do invasor mas, pelo menos, centra o debate onde ele deve estar.
Depois, chegados aqui, não entendo como é que líderes partidários continuam a falar em soluções impossíveis como se tivessem qualquer aplicação prática.
A solução ideal, defendida por Rui Faria, é uma utopia: é os russos arrumarem a trouxa, irem para casa e depois sim, sentarem-se à mesa a ouvir que indemnizações vão pagar.
Não sei se Rui Faria sabe, mas não existem impérios do bem ou do mal. Existem impérios. E, tal como nas outras invasões de que ninguém quer saber, os russos não vão sair dali com as mãos a abanar. Existem portanto duas opções: 1) sentar a uma mesa a discutir que parte de território a Ucrânia vai perder; 2) invadir a Rússia com o exército da NATO.
Lula defende a primeira. A Iniciativa Liberal diz que isso é uma vergonha e, como proposta, sugere uma que não existe. No fundo é apenas uma continuação do respectivo programa eleitoral.
Aquilo que ainda espero, de todos os que querem a continuação da guerra por tempo indeterminado, é como a pensam pagar e, principalmente, que rapaziada é que estão dispostos a perder?
O tempo para a conversa do “não premiar o invasor” está esgotada. Até porque, habitualmente, é isso que acontece com invasores mais fortes, habitualmente com o apoio do chamado Ocidente.
Podem olhar para cinco continentes e encontram povos oprimidos e com terra roubada, sem que a comunidade internacional perca o sono por isso. Esta hipocrisia da realidade alternativa já enjoa.
Já o Chega aproveitou a ida de Lula à Assembleia da República para encher autocarros e trazer pessoal para uma manifestação “anti-ladrão”.
Já tinham feito uns vídeos bem catitas no TikTok a insultar o presidente brasileiro e, como é óbvio, para um partido que defende o Estado Novo e abomina o 25 de Abril, nada melhor do que criar um momento de populismo que renda mais uns votos e visibilidade, numa altura em que se devia celebrar a libertação da ditadura. Ou como eles lhe chamam lá no Chega, os Glory Days.
É todo um modus operandi que já não apanha ninguém despercebido e promete animar a agenda de Lula.
Mas há mais. Há directos atrás de directos à porta do hotel Tivoli e largos minutos a encher chouriços na esperança de ver a comitiva a passar cinco segundos no direto a caminho dos Mercedes que ali ficaram estacionados, na rua bloqueada para o efeito.
Muito bem, a diplomacia brasileira a conseguir estacionar 10 carros na Avenida da Liberdade, todos juntos, de borla e sem que a EMEL os consiga bloquear.
Mas Portugal não seria Portugal se não levasse a não-notícia ao extremo. Assim, no Domingo de folga, algum assessor disse que Lula iria visitar a Nazaré. Pela-se por ondas gigantes e arroz de marisco, dizem fontes próximas do local. As televisões correm para lá mas Lula não aparece.
O edil local disse que mandou o número de telefone para a comitiva, caso quisessem ajuda para visitar o farol. Há desilusão porque Lula, afinal, fica a dormir no Tivoli e a rever os episódios do Succession no HBO.
Mas as TVs não desarmam, há uma peça para encher e material para enviar para as redacções. Entrevistam nazarenas que mostram bancas recheadas de coisas que tinham para vender a Lula. Uma delas diz, com uma voz marota, que tinha um bolo do amor para vender ao septuagenário presidente que o deixaria a fazer amor, toda a noite, como na canção do Toy.
Lula não sabe o que perdeu. Portugal é, ainda e sempre, uma pequena aldeia sem protocolo diplomático. Valha-nos isso.
E já agora, sê bem-vindo, Luiz Inácio.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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