Feira do Livro de Lisboa

Do Prazer e da Tortura

por Elisabete Tavares // Junho 13, 2023


Categoria: Cultura

minuto/s restantes

Termina hoje a 93ª edição da Feira do Livro de Lisboa. Ainda restam algumas horas para percorrer os corredores desta imensa livraria a céu aberto. Entre as promoções, os saldos e a azáfama típica da feira está “a minha” Feira: cheia de segredos, de prazeres, de descobertas, de odores. E de dores. A dor causada pela sensação (aflição) de deixar tantos livros para trás. A dor, da culpa, por desejar objectos que implicam a morte de árvores. A dor … nas pernas. Apesar da máxima de que “quem corre por gosto não cansa”, as minhas pernas dizem-me que cansa, sim. Mesmo na “minha Feira”. Nesta minha peregrinação anual em busca dos prazeres (e das dores), fica sempre o desejo de querer mais, a ânsia de voltar no próximo ano. Como um vício, como um tormento bom que me abraça. Uma breve viagem sentimental pela pena de Elisabete Tavares e pelo olhar de Júlia Oliveira.


Mergulho na Feira do Livro como quem entra no mar pela primeira vez a cada ano, no Verão. Às vezes, a água está mais fria, ou mais quente. Às vezes está mesmo gelada. Para os amantes de praia, quando perguntam “como está a água” a resposta é sempre “está (gelada/fria/quentinha) mas muito boa”.

Delicio-me a cada passo, só por estar na Feira. Entro num portal sem tempo em que não tenho idade (e a infância retorna, como uma avalanche de recordações e memórias de livros e histórias)

O aroma do papel dos livros, a suavidade de cada capa, de cada página, … A leitura é um misto de sensações criadas pelos sentidos e a percepção, inflamada por palavras lidas, frases que se bebem, se entranham em nós, parágrafos que irrompem sem pedir licença e nos marcam para sempre.

Cada livro é como um prato que saboreamos: pode ser salgado, doce, picante, áspero, suave, difícil de mastigar, amargo, ácido. Uma experiência de prazer e dor (que por vezes deixamos a meio).

De uma forma ou outra, quem caminha na Feira, mesmo que não saiba, está nesse portal de sensações e experiências. Cada um busca o objecto do seu desejo, seja um livro, um autógrafo, uma selfie com o autor preferido ou com as “estrelas” da TV ou influenciadores da Internet.

Os gostos, já se sabe, não se discutem. Nem se julgam. Nem se condenam (a não ser que sejam crime). Claro que para alguns, há livros que são autênticos crimes que mereciam castigo (mas que castigo maior haverá de que escrever um mau livro?).

Lembro de estar na Feira há muitos anos e ter dois autores lado a lado e precisar de escolher a qual iria pedir autógrafo. O tempo desfiava-se e era preciso escolher. Ali, sem me aperceber, tinha afinal um autor favorito entre aqueles dois que ali estavam (e trouxe um livro autografado por António Lobo Antunes). Não escondo que é bom trazer para casa um livro com uma dedicatória de um escritor que guardamos com boas memórias.

Depois, há as descobertas, as surpresas boas e inesperadas. Aquele livro de um autor que desconhecíamos e que passa a fazer parte do nosso roteiro de degustação literária.

Entre autores variados, “estrelas da TV” e escritores novos (e ainda desconhecidos), a Feira é mesmo para todos, democrática, diversificada, inclusiva.

É também na Feira que encontramos “ídolos” e temos a oportunidade de estar cara a cara com aquele autor, especialista, ilustrador que sempre quisemos conhecer.

E há ainda os lançamentos de livros, as palestras, as apresentações de obras de autores com nome já firmado ou recém-chegados ao mundo das publicações.

No resumo de cada ano, há a luta interna pelos livros “perdidos” e o prazer (euforia, por vezes) dos livros “achados”, das experiências vividas. E aquele formigueiro na pele junto com a moinha na barriga do prazer de ter novos livros para ler. E de saber a pouco, porque a sede de ler (e de degustar) é insaciável.

Fotos de Júlia Oliveira

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.