Recordo Mário Soares a repetir, à exaustão, que “Portugal é um País Republicano e Laico!”
(Tudo com letras maiúsculas para ficar claro.)
Também não esqueço que a maioria do Povo português é católica.
Que a imensa maioria de nós teve uma educação cristã.
Que, nos momentos de maiores dificuldades, ou de temor, invocamos o nome de Deus.
Muitas vezes, em vão.
A Jornada Mundial da Juventude pode ser um marco importante para centenas de milhares de jovens e, logo, das suas Famílias.
E, reconheço, tenho pelo Papa Francisco admiração e respeito.
Gosto de muitas das suas atitudes como Homem.
Considero-o um Avô simpático, carinhoso, com uma palavra sábia no momento certo e, sobretudo, dotado de sentido de humor, o que, para mim, é essencial.
Como representante máximo da Igreja Católica… estou em desacordo com muito do que ele defende.
Dito isto, reconheço que fiquei feliz com a vinda de Sua Santidade o Papa Francisco a Portugal.
Tenho tentado seguir todos os preparativos para esta Festa (porque tem que ser uma Festa) mas, a pouco e pouco, fui ficando menos entusiasmado.
Não foi surpresa a ânsia dos políticos a quererem mostrar empenho no apoio às Jornadas, sempre com a intenção de procurarem o título de anfitrião-mor!
O Presidente do Município de Lisboa, que há uns tempos é quase o Presidente das Jornadas, não se tem cansado nessa busca.
Todos os dias apresentando projectos grandiosos, programas ultra-ambiciosos, ideias superlativas.
Lembro, por exemplo, o “Melga-Palco” que, depois de reduzido no seu tamanho inicial, por gente mais consciente, digamos assim para sermos simpáticos, ficou, ainda assim, um melga-palco.
Quase quatro milhões de euros por um mamarracho que servirá para um único dia – por muito que tentem convencer-me do contrário não consigo imaginar qualquer utilidade para aquela coisa – mais vinte e cinco milhões (antes das derrapagens) para outras obras, é quanto o Município de Lisboa vai “investir” nas Jornadas.
Uma gota de água se compararmos com o custo final, mas isso, como dizem na minha terra, “são outros trezentos”!
Porém, as preocupações de Carlos Moedas não se ficam pelo Parque Tejo.
Lisboa tem imensa necessidade de obras para receber, dignamente, o Sumo Pontífice, concluiu depois de viajar pela capital, quiçá pela primeira vez.
Preocupações enormes foram surgindo à medida que a percorria.
– “Que falo é este?” perguntou num grito, e de olhos esbugalhados, quando vislumbrou a peça com que João Cutileiro resolveu comemorar o 25 de Abril de 1974.
De imediato concluiu que aquela obra não conjugava com o segundo altar onde o Papa rezará, no Parque Eduardo VII, e que estava previsto ficar exactamente onde se encontra o monumento de noventa toneladas.
Nada que demovesse o Presidente de agradar à Igreja pelo que decidiu pedir à família do escultor para autorizar a que a Obra fosse retirada daquele local.
A família até anuiu sem colocar qualquer entrave.
Talvez por isso, resolveu optar por medida “mais em conta”, propondo tapar o monumento, provavelmente para que os jovens não venham a saber que foi aquela a maneira como o escultor resolveu homenagear a “virilidade e solidez dos Capitães de Abril”!
Mas, obviamente, arranjou uma desculpa mais “politicamente correcta”: “O monumento precisa de obras urgentes e a Câmara Municipal de Lisboa admite que pode vir a ser tapado durante o evento. Negamos que a ideia seja escondê-lo do Papa Francisco”.
Finalmente passou pela Baixa e… cúmulo dos cúmulos, descobriu que havia sem-abrigos a dormir na rua, em tendas!
Como se Lisboa fosse uma cidade africana!!!
A Polícia Municipal retirou as centenas de camas improvisadas, barracas e camas de cartão deixando as avenidas a brilhar.
À pergunta se isso se devia à vinda do Papa, a resposta esperada:
– “Só por má-fé se pode dizer isso. É uma Operação planeada há muito tempo e só por coincidência levada a cabo na véspera da chegada de Sua Santidade. A nossa preocupação é dar um sítio digno para estes cidadãos viverem”.
Esqueceu-se de dizer onde vão ficar, agora, aqueles infelizes, mas uma pessoa não se pode lembrar de tudo.
Não sei se, por muito bem que corram as Jornadas, esta actuação de Moedas o levará a ficar na fila para ser canonizado.
Mas o que ele se tem esforçado!…
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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