Compra não-obrigatória: 830.440 vacinas. Usadas: 79. Para o lixo: 830.361

Covid-19: Governo socialista paga à Sanofi e GSK 90.823 euros por cada dose injectada

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 2, 2023


Categoria: Exame

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Os polémicos acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas através de contratos leoninos. Mas quem se atrasou nos ensaios clínicos deveria ficar sem nada, porque os APA deixavam de vigorar. Seria o caso do consórcio da francesa Sanofi e da britânica GlaxoSmithKline que produziram a vacina VidPrevtyn. Mas o Governo português quis ser benevolente e, sem qualquer obrigação e em cenário de excesso de oferta, comprou-lhes mais de 830 mil doses. Para nada, a não ser desviar 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses para os bolsos dos accionistas das duas farmacêuticas. Segundo um organismo da União Europeia, até ao mês passado, foram administradas em Portugal apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. E a probabilidade de um português vacinado ter recebido uma dose desta vacina é de 0.0003%.


Os acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas em contratos leoninos com compras garantidas. Mas, sabe-se agora, que até quem se atrasou nas aprovações dos ensaios clínicos, e que deixou de estar abrangido pelos APA, teve direito ao seu quinhão graças à ‘benevolência’ do Governo português. Foi o caso da francesa Sanofi e a britânica GlaxoSmithKline (GSK).

Como vincou recentemente o próprio Tribunal de Contas numa auditoria à gestão das vacinas contra a covid-19 , não havia obrigatoriedade de qualquer compra da vacina da Sanofi e da GSK, baptizada de VidPrevtyn. Mas o Governo português, mesmo já num cenário de excesso de oferta, em finais de 2022, comprou-lhes 830.440 doses. Para nada, adiante-se já, a não ser o benefício para os accionistas da Sanofi e GSK que receberam 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses.

E diz-se para nada, em temos de eventual benefício de imunização, porque, segundo um organismo oficial da União Europeia, em Portugal, até ao mês passado, foram administradas apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. Como a validade é curta, o lixo é o destino final.

Inicialmente, em 2020, a Sanofi e a GSK até estavam optimistas na ‘corrida às vacinas’, tendo sido das primeiras farmacêuticas a assinarem os polémicos contratos com a Comissão von der Leyen. O acordo – do qual apenas se conhece uma versão cheia de rasuras – foi celebrado em 18 de Setembro de 2020, mesmo antes dos contratos assinados com a Pfizer e com a Janssen, respectivamente, em Outubro e Novembro desse ano.

Mas enquanto a Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen conseguiram acelerar os ensaios e obter autorizações da Agência Europeia do Medicamento (EMAS) ainda em 2020 ou início de 2021, a vacina da Sanofi e a GSK foi sofrendo atrasos sucessivos. E só conseguiu aprovação em 10 de Novembro de 2022, ou seja, já com a procura de vacinas em forte declínio e com os países europeus inundados de doses adquiridas ao abrigo dos APA, mas que já não conseguiam escoar.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, celebrou contratos secretos com as farmacêuticas.

O enorme atraso face à concorrência teve assim também uma consequência nefasta para a Sanofi e a GSK. Conforme uma recente auditoria do Tribunal de Contas salienta, “existia uma garantia de compra, por parte dos Estados-Membros, de todas as doses iniciais a eles alocadas, salvo quanto à vacina Vidprevtyn [Sanofi e GSK)], cuja compra era facultativa”.

Contudo, mesmo havendo excesso, e não sendo assim obrigatória nem necessária qualquer aquisição, o Governo decidiu comprar à mesma as vacinas Vidprevtyn. De acordo com referências que surgem no relatório do Tribunal de Contas, numa nota de rodapé da página 51, numa primeira fase o Governo português até decidiu cancelar uma encomenda à Sanofi e GSK de 19.200 doses, mas acabou por pagar-lhes 165.888 euros a título de “indemnização”, ou seja, 8,64 euros por dose não entregue.

No entanto, depois disso o Governo acabou mesmo assim por comprar, a partir de Novembro do ano passado, um total de 830.440 doses, conforme consta de um quadro do relatório do Tribunal de Contas. Considerando o custo unitário de 8,64 euros, o preço destas vacinas atingiu assim quase 7,2 milhões de euros.

Quadro retirado da página 51 do Relatório n.º 13/2023 do Tribunal de Contas intitulado “Auditoria à vacinação contra a COVID-19“, com data de Setembro de 2023, que lista as vacinas por marca efectivamente encomendadas.

Poder-se-ia defender que a aquisição da vacina Vidprevtyn fazia sentido se alguma vantagem clínica houvesse sobre a concorrência. Não foi o caso. Na altura da aquisição, em finais de 2022 e já no início deste ano, decorria então o terceiro reforço (booster), estando já vacinada praticamente toda população mais idosa. Os menores de 50 anos manifestaram uma procura diminuta. E as novas vacinas da Sanofi e GSK foram colocadas não nos braços dos portugueses, mas no canto dos armazéns frigoríficos.

Com efeito, as doses da vacina Vidprevtyn – que, repita-se, não eram de compra obrigatória, ao contrário das da Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca – praticamente não saíram das embalagens. Embora o Tribunal de Contas não chegue a debruçar-se sobre o desperdício em concreto das doses da vacina Vidprevtyn – mas refere, por exemplo, que na vacina da Novavax “o desperdício foi de quase 100% das doses encomendadas –, sabe-se, na verdade, quantas foram efectivamente administradas até ao passado dia 5 de Outubro.

Assim, com registo obtido hoje a partir do site do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) – um organismo oficial da União Europeia –, verifica-se que, de um total de 28.3 milhões de doses administradas em Portugal, a vacina Comirnaty (Pfizer) foi a mais usada, com quase 18 milhões de doses (63,5% do total), a que acrescem mais 2,9 milhões da ‘versão’ bivalente (10,3%). Ou seja, em cada 10 doses administradas em portugueses, mais de sete foram produzidas pela Pfizer. As receitas da venda das vacinas contra a covid-19 por esta farmacêutica norte-americana totalizaram cerca de 74,6 mil milhões de dólares em 2021 e 2022 a nível mundial. Muito mais atrás surge a Spikevax, da farmacêutica Moderna, com 3,9 milhões de doses em Portugal, se incluirmos a bivalente, representando assim 13,9% do total administrado.

Quantidade de doses de vacina contra a covid-19 administradas em Portugal por marca até 5 de Outubro de 2023. Fonte: ECDC.

Já com pouca expressão, muito decorrente dos efeitos secundários detectados, surgem as vacinas da AstraZeneca (Vaxzevria) e da Janssen, com 2,3 milhões (8%) e 1,1 milhões (4%) de doses, respectivamente.

E depois destas, surgem então mais cinco vacinas sem qualquer expressão: as duas vacinas de origem chinesa – Sinovac e Beijing CNBG – tiveram administradas 12.864 e 5.619 doses, respectivamente; a vacina Nuvaxovid foi dada a 338 pessoas, a Covaxin a 244 pessoas e, por fim, a VidPrevtyn foi administrada a… 79 pessoas. Exacto: 79 pessoas, o que significa 0.0003% do total das doses administradas.

Ou seja, o Governo português, podendo optar por não comprar as 830.440 doses à Sanofi e GSK, porque nem sequer faziam falta, poupando assim cerca de 7,2 milhões de euros às finanças públicas, acabou por gastar esse dinheiro para injectar 79 pessoas. Perante o excesso de oferta de outras vacinas, de compra obrigatória, significa assim que o Governo pagou, por cada dose efectivamente administrada da vacina VidPrevtyn, um total de 90.823 euros.

O PÁGINA UM tentou obter um comentário sobre esta matéria do Ministério da Saúde, mas como habitualmente sem sucesso.

Manuel Pizarro, ministro da Saúde, recusa mostrar contratos das compras de vacinas. Mesmo daquele contrato que resultou num custo efectivo de 90.823 euros por dose administrada.

Recorde-se que o PÁGINA UM tem, desde 31 de Dezembro do ano passado, uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o Ministério do Manuel Pizarro a entregar os contratos das vacinas contra a covid-19, mas expedientes dilatórios e tentativas de ludibriar a juíza do processo estão a adiar uma decisão.

Recentemente, o Ministério da Saúde conseguiu convencer a juíza do processo no Tribunal Administrativo de Lisboa de que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas estariam no site da Comissão Europeia, o que é falso. Certo é que a juíza solicitou então a tradução desses alegados documentos, dando cinco dias para entrega. Mas o Ministério da Saúde conseguiu uma prorrogação de 30 dias e, na semana passada, mais uma segunda prorrogação de mais 20 dias, concedida pela juíza em novo despacho, fazendo com que uma intimação urgente esteja ao fim de 10 meses no mesmo sítio que começou.


N.D. Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, para suportar as despesas com os processos de intimação do PÁGINA UM, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt.

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