Título
As botas de Mussolini
Autora
GONÇALO M. TAVARES
Editora (Edição)
Relógio d'Água (Novembro de 2023)
Cotação
13/20
Recensão
Gonçalo M. Tavares é, talvez a grande distância, o mais talentoso escritor da sua geração, o que me coloca aqui numa posição delicada, por sermos praticamente da mesma idade e eu possuir uma modestíssima bibliografia (quatro romances e uns pares de ensaios) em comparação com a sua profusa obra, vastamente premiada e traduzida, transversal a todos os estilos.
Mas para este caso, pouco importa. Uma obra vale por si, e não pelo passado do seu autor. E, nessa medida, pode afirmar-se que, sendo evidente, em muitas das suas obras, tanto em romances como em ensaios e contos, Gonçalo M. Tavares se apresenta ser sublime, sucede em outros casos (demasiados, e mesmo que poucos fossem, para que um escritor seja genial, como ele poderá ser) que a leitura dos seus textos se mostra desconcertante. E diz-se desconcertante, porque o non sense impera e supera o experimentalismo e mesmo a reconstrução de estilos.
Se na última obra que lera de Gonçalo M. Tavares, O diabo, romance sobre o qual se fez uma recensão, já sobressaíam alguns desequilíbrios que manchavam o seu conjunto, neste As botas de Mussolini há talvez um ‘hiper-aproveitamento’ da sua produção. Aparentemente, Gonçalo M. Tavares acha que deve publicar tudo o que produz, e decide fazê-lo; neste caso, parece-me que abusou.
O ponto de partida desta obra – que aparentemente inicia um conjunto de livros que integrará uma colecção denominada História Fragmentada do Mundo – é interessante: pegar em factos e personagens históricos, que percorrem os séculos, e resumi-los em curtos pensamentos, flashes, fragmentos. Começa aqui o primeiro problema: em muitos casos, só os entendidos (ou que pesquisem à posteriori) entendem aquilo que o autor quer alcançar, como aliás sucede no último texto (talvez o melhor) que dá o título a esta obra.
Porém, em poucos ou nenhuns destes fragmentos, Gonçalo M. Tavares consegue convencer-nos de que aquilo que escreve tem beleza intrínseca, um estilo que vá para além de matraquear palavras (metálicas, apenas aqui e ali vibrantes), num determinado contexto histórico, mas que acrescentam pouco. Gonçalo M. Tavares ainda tenta, de forma artificiosa, convencer-nos a entrar no seu mundo, na sua cabeça – e sugere-se na contra-capa que esta “prosa sonoramente pensada e partida [é] para ser lida em voz semi-alta”. Mas em muitas partes, tudo saiu forçado.
Por mais que tenha tentado – e procurado mesmo compreender a própria estrutura dos textos, elencados numa incompreensível versificação –, e até apreciado um ou outro aspecto biográfico focado em certos fragmentos –, esta obra não acrescenta absolutamente nada àquilo que Gonçalo M. Tavares já nos deu. Ao contrário, só desacrescenta. A avaliação surge assim como uma compensação à conta da sua (excelente) bibliografia.