Num negócio milionário, a autarquia de Gondomar está a atribuir desde Julho de 2022 sucessivos contratos de aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, sem concurso, à mesma empresa: a Rede Ambiente – Engenharia e Serviços, que integra o Grupo Terris, com sede naquele concelho nortenho e que é ré no processo ‘Ajuste Secreto’. O próprio CEO do Grupo Terris, e ex-presidente da Rede Ambiente, viu em 2019 o Tribunal de Santa Maria da Feira decretar-lhe o arresto preventivo de bens.
O processo Ajuste Secreto, cujo julgamento se iniciou em Novembro passado no Tribunal de Espinho, teve início em 2016, envolvendo sobretudo a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis e o seu ex-presidente Hermínio Loureiro, antigo dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, mas os indícios criminais estenderam-se também às autarquias de Estarreja, Albergaria-a-Velha, Matosinhos e Gondomar.
Estão a ser julgadas 65 pessoas e empresas, entre as quais se contam a própria Rede Ambiente e Paulo Renato Reis, sócio e presidente-executivo do Grupo Terris e antigo membro do conselho nacional do PSD, bem como o ex-deputado social-democrata João Moura de Sá, que foi também administrador da Rede Ambiente. Além destes réus, com ligações à autarquia de Gondomar (funcionários ou ex-funcionários) estão também envolvidos neste processo judicial mais três pessoas: José Leonel Ramos, José Diogo Ferreira da Silva e Joaquim Castro Neves.
Apesar das fortes suspeitas sobre a Rede Ambiente, o município gondomarense, liderado pelo socialista Marco Martins, tomou a decisão de escolher esta empresa para lhe entregar, desde Julho de 2022, três contratos de ‘mão-beijada’ para recolha de resíduos que já totalizam cerca de 12,9 milhões de euros, de acordo com dados disponíveis no Portal Base, a plataforma de registo de compras públicas. [N.B. No Portal Base constam quatro ajustes directos, mas um deles está duplicado).
Estes ajustes directos sucedem a um contrato ganho por concurso público pela Rede Ambiente e EGEO em 2012, em consórcio, pelo valor de 35,8 milhões de euros. No concurso saíram derrotadas a Suma, a RRI e a Luságua. O prazo de execução foi de 10 anos, o que equivalia a um pagamento médio de quase 3,6 milhões de euros em cada ano de contrato. Mas a autarquia de Gondomar aceitou em Junho de 2021 fazer uma alteração contratual em simultâneo com a cedência de posição contratual por parte da EGEO. Assim, em acordos assinados em Junho de 2021 pelo vice-presidente Luís Araújo, a Câmara Municipal de Gondomar aceitou acrescentar mais cerca de 5,4 milhões de euros ao contrato inicial. Ou seja, o município, em 10 anos de recolha de lixos, pagou 41,2 milhões de euros, mais 15% do inicialmente contratado.
Na verdade, pagou mais, porque na adenda do contrato, a autarquia concordou em antecipar o término do contrato. De acordo com a cláusula da adenda de 2021, diz-se que “o prazo de vigência inicialmente fixado em dez anos, que terminaria em Março de 2023, será reduzido para Julho de 2022, sendo esta a data previsível do seu término, podendo cessar em momento anterior se for consumido o preço contratual”.
Em suma, se em 2021 a Câmara de Gondomar pensava gastar, através de concurso público, 35,8 milhões de euros ao longo de 120 meses, afinal acabou por pagar 41,2 milhões de euros por 112 meses. Contas feitos, no contrato inicial (de 2012), cada mês custaria aos cofres autárquicos cerca de 300 mil euros; afinal, custaram quase 368 mil em cada mês. Portanto, um aumento das receitas da Rede Ambiente com este contrato próximo dos 23%.
Mas além deste acréscimo, a Rede Ambiente teve mais benesses, porque a autarquia de Gondomar não se preocupou em abrir concurso público com vista à recolha de resíduos para o período posterior a Julho de 2022. E começaram então os contratos de ‘mão-beijada’.
Para justificar a atribuição destes ajustes directos à Rede Ambiente, a autarquia presidida pelo socialista Marco Martins, mesmo sabendo-se que teve 10 anos para preparar novo concurso público, invocou alegados “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, isto é, pela Câmara Municipal de Gondomar. Convém referir que o Código dos Contratos Públicos somente permite essa solução se a culpa pela “urgência imperiosa” não for da entidade adjudicante. Ora, é impossível crer que a autarquia de Gondomar não saberia prever a necessidade de continuar a recolher os resíduos e limpar as ruas do município.
Além disso, a norma de excepção refere que os ajustes directos por “motivos de urgência imperiosa” só se justificam na “medida do estritamente necessário”, e o município liderado pelo socialista Marco Martins já vai com três ajustes directos à mesma empresa, desde Agosto de 2022, sendo que o mais recente, celebrado na passada sexta-feira, no montante de 4.325.704,91 euros, se prolongará até Setembro deste ano de 2024.
O anterior ajuste directo, no montante de 6.118.993,73 euros, foi celebrado a 29 de Dezembro de 2022, para a “aquisição de Serviços de Recolha de Resíduos Urbanos”, por um prazo de um ano.
E o primeiro deste contratos de ‘mão-beijada’ saíra no final de Julho de 2022, ao preço de 2.488.015,00 euros.
Assim, no total, através de três ajustes directos, sem qualquer concorrência, a Rede Ambiente vai encaixar por dois anos de prestação de serviços (Agosto de 2022 a Setembro de 2024) um total de 12,9 milhões de euros, o que dá uma média de 537 mil euros por cada mês. Recorde-se que, com as alterações contratuais, entre Março de 2012 e Julho de 2022, a Rede Ambiente encaixara 368 mil euros por mês, Portanto, os ajustes directos têm um ‘desvio’ para cima de 46%. Coisa pouca.
O PÁGINA UM questionou a Câmara Municipal de Gondomar sobre o porquê da não realização de concurso público para a escolha de um prestador de serviços de recolha de resíduos, a partir de 2022, ano em que terminou o contrato em vigor com a Rede Ambiente. Também indagou o município sobre como foi definido o preço que consta nos contratos feitos por ajuste directo, mas até à hora de publicação deste artigo, o município não enviou respostas.
A Rede Ambiente – Engenharia e Serviços é uma sociedade anónima presidida agora por Lília Maria Matias da Costa, e tem a sua sede num armazém na freguesia de Santa Cruz/ Trindade e Sanjurge, no concelho de Chaves, segundo dados da sociedade no portal do Ministério da Justiça onde constam os registos societários.
Já o Grupo Terris, a holding onde se integra a Rede Ambiente, tem sede em Gondomar, e controla também a Ecorede, a Vector Estratégico e a Finis.
De acordo com o Portal Base, desde 2010 a Rede Ambiente facturou 135 milhões de euros com entidades públicas em 89 contratos . Nos últimos dois anos, a maioria dos contratos públicos desta empresa foi após um procedimento de consulta prévia ou concurso público. Nos ajustes directos, além dos que conseguiu com o município de Gondomar, contam-se dois com municípios, mas por valores muitos mais baixos e de curta duração: com a autarquia de Santo Tirso, no valor de 677.806, por 150 dias, e com a freguesia de Ermesinde, no montante de 75 mil euros, por apenas 92 dias
O maior contrato obtido pela Rede Ambiente em 2023 foi com a autarquia de Amarante, num “concurso limitado por prévia qualificação”, para o fornecimento de serviços por 10 anos, num valor de 27,1 milhões de euros, tendo ganho este procedimento em parceria com a Ecorede.
O terceiro maior contrato, foi angariado junto do município do Barreiro, através de concurso público, gerando uma receita de 3,960 milhões de euros, em prestações de serviço a efectuar por dois anos.
Mesmo assim, a Ecorede é a empresa do Grupo Terris que encaixou mais com entidades públicas: os 182 contratos valeram-lhe já 159 milhões de euros.
O mais recente contrato entre a Rede Ambiente a o município de Gondomar integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 29 de Dezembro de 2023 e 1 de Janeiro de 2024. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
ET / PAV
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Nos últimos quatro dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 1479 contratos públicos, com preços entre os 2,50 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, através de ajuste directo – e os 30.850.000,00 euros – para melhoria das condições de segurança e circulação do IP8 (EN259), pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 32 contratos, dos quais 16 por concurso público, 13 ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 29 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Município de Gondomar (com a Rede Ambiente – Engenharia e Serviços, no valor de 4.325.704,91 euros); Metro Mondego (com a Etac – Empresa de Transportes António Cunha, no valor de 719.982,25 euros); Metropolitano de Lisboa (com a SISCOG – Sistemas Cognitivos, no valor de 554.273,13 euros); dois do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (um com a Petrogal, no valor de 499.604,00 euros, e outro com a PharmaKern Portugal – Produtos Farmacêuticos, no valor de 121.500,00 euros); Município de Odivelas (com a Ronsegur – Rondas e Segurança, no valor de 489.996,36 euros); Cascais Dinâmica – Gestão de Economia, Turismo e Empreendorismo (com a PSG – Segurança Privada, no valor de 467.240,34 euros); Universidade do Porto (com a Ex Libris (Deutschland) GmbH, no valor de 406.832,86 euros); Universidade Aberta (com a UNIwise, no valor de 228.472,00 euros); Município de Constância (com a Petrogal, no valor de 224.996,35 euros); Município de Rio Maior (com a Ambiobra, Lda., no valor de 207.365,00 euros); Município de Cascais (com a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados – Sociedade de Advogados, no valor de 203.000,00 euros); Serviços Sociais da Administração Pública (com a Eurest Portugal, no valor de 197.285,76 euros); Infraestruturas de Portugal (com a Geira, S.A., no valor de 190.000,00 euros); Estado Maior da Força Aérea (com a Dassault Aviation Business Services, no valor de 186.556,64 euros); Município de Portimão (com a Ramos Preto, Abreu Rodrigues e Associados – Sociedade de Advogados, no valor de 180.000,00 euros); dois do Município de Almada (um com a Interlimpe – Facility Services, no valor de 166.245,00 euros, e outro com a Prestibel – Empresa de Segurança, no valor de 121.270,77 euros); Universidade Nova de Lisboa (com a Quidgest, no valor de 150.000,00 euros); Instituto de Informática (com a Unipartner IT Services, no valor de 141.950,00 euros); Município de Loulé (com a Pixelevolution, Lda., no valor de 140.000,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (com a Biogen Idec, no valor de 132.253,63 euros); Instituto Politécnico de Leiria (com a Ex Libris (Deutschland) GmbH, no valor de 132.169,00 euros); dois do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (um com a Unicam, Sistemas Analíticos, no valor de 124.785,00 euros, e outro com a Werfen Portugal, no valor de 122.529,96 euros); dois do Município de Torres Vedras (um com a Biofrade – Agropecuária, no valor de 120.840,47 euros, e outro com a Sogenave, no valor de 109.352,33 euros); Hospital da Horta (com a Baxter Medico Farmacêutica, no valor de 116.783,16 euros); e os Serviços Intermunicipalizados de Água e Saneamento dos Municípios de Oeiras e Amadora (com a Submarit – Subempreitadas e Trabalhos Marítimos, no valor de 116.000,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 29 de Dezembro a 1 de Janeiro
1 – Realização de empreitada para melhoria das condições de segurança e circulação do IP8 (EN259)
Adjudicante: Infraestruturas de Portugal
Adjudicatário: Tecnovia – Sociedade de Empreitadas; Construções J.J.R. & Filhos
Preço contratual: 30.850.000,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
2 – Aquisição de energia eléctrica em regime de mercado liberalizado – Lote 4
Adjudicante: Município de Tavira
Adjudicatário: EDP Comercial
Preço contratual: 4.909.357,85 euros
Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)
3 – Aquisição de serviços de recolha de resíduos urbanos e de resíduos de construção e demolição
Adjudicante: Município de Gondomar
Adjudicatário: Rede Ambiente – Engenharia e Serviços
Preço contratual: 4.325.704,91 euros
Tipo de procedimento: Ajuste directo
4 – Fornecimento de energia eléctrica e gás natural
Adjudicante: Município de Miranda do Douro
Adjudicatário: EDP Comercial
Preço contratual: 3.061.882,47 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
5 – Empreitada de construção designada “DOMUS CACI”
Adjudicante: Fundação Beatriz Santos
Adjudicatário: JRC – Construção e Obras Públicas
Preço contratual: 2.415.649,58 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 29 de Dezembro a 1 de Janeiro
1 – Aquisição de serviços de recolha de resíduos urbanos e de resíduos de construção e demolição
Adjudicante: Município de Gondomar
Adjudicatário: Rede Ambiente – Engenharia e Serviços
Preço contratual: 4.325.704,91 euros
Adjudicante: Metro Mondego
Adjudicatário: Etac – Empresa de Transportes António Cunha
Preço contratual: 719.982,25 euros
3 – Plataforma Plago – Aquisição de licenciamento RTD (Real Time Dispatcher)
Adjudicante: Metropolitano de Lisboa
Adjudicatário: SISCOG – Sistemas Cognitivos
Preço contratual: 554.273,13 euros
4 – Fornecimento de gás natural – Janeiro e Fevereiro de 2024
Adjudicante: Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Adjudicatário: Petrogal
Preço contratual: 499.604,00 euros
5 – Prestação de serviços de segurança e vigilância humana e electrónica
Adjudicante: Município de Odivelas
Adjudicatário: Ronsegur – Rondas e Segurança
Preço contratual: 489.996,36 euros
MAP