São quase 160 mil euros, se se incluir IVA, que a administração da RTP decidiu entregar de ‘mão-beijada’ a uma sociedade de advogados com pouco mais de meio ano de existência. O ajuste directo, celebrado em finais de Novembro de 2023, mas apenas divulgado na sexta-feira passada, estipula a entrega, ao longo de três anos, de uma avença mensal de 3.600 euros à Dower CMNS por serviços não especificados de “assessoria jurídica e mandato judicial (…) na área do Direito Laboral”.
Criada no início de 2023, e sediada no Porto, a Dower CMNS nasceu da saída de quatro advogados de outras sociedades conhecidas, mas com ambições de facturar logo no primeiro ano pelo menos dois milhões de euros. Se não atingirem essa meta, a RTP contribui com quase 160 mil euros, a que acrescem mais oito contratos ‘sacados’ a entidades públicas, entre as quais as autarquias do Porto (e uma empresa municipal), de Caminha e de Lousada, a Área Metropolitana do Porto, a Fundação Casa da Música e a Ordem dos Engenheiros.
No total, a Dower CMNS sacou contratos no valor de 423.899,99 euros ao longo do ano passado – que ultrapassa o meio milhão, incluindo IVA -, quase todos sem o incómodo da concorrência. Com efeito, somente um contrato no valor de 13.800 euros foi ganho após uma consulta prévia. Todos os outros foram pelos ‘lindos olhos’ – leia-se, se se quiser, pelos inegáveis talentos – dos quatro sócios da novel sociedade: Eduardo Castro Marques, Miguel Cunha Machado, Pedro Neves de Sousa e Nuno Sá Costa.
No caso concreto do contrato com a RTP – o maior de todos os nove celebrados pela Dower CMNS com entidades públicas –, o Conselho de Administração da empresa pública liderado por Nicolau Santos escolheu uma das mais sui generis fundamentações previstas no Código dos Contratos Públicos.
No registo constante no Portal Base invoca-se a norma que possibilita uma ajuste directo, mesmo se com uma duração de três anos sem determinação em concreto dos serviços jurídicos, nos casos em que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação (…) e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação, tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Portanto, um palavreado que permite encaixar tudo.
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos na noite da passada sexta-feira ao presidente do Conselho de Administração da RTP, Nicolau Santos, sobre este contrato assinado apenas pelos outros dois administradores (Luísa Coelho Ribeiro e Hugo Figueiredo). Numa primeira reacção, Nicolau Santos manifestou-se surpreso, referindo ter pedido explicações “à Direcção Jurídica [da RTP] sobre o tema”, acrescentando ter esperança de poder responder até meio da tarde de hoje, o que (ainda) não sucedeu.
Apesar de este ajuste directo com a Dower CMNS ser o maior – e beneficiar sem concorrência uma novel sociedade de advogados –, este não é o único ajuste directo por serviços de advocacia do mandato de Nicolau Santos na liderança da gestão da RTP. De acordo com o Portal Base, desde meados de 2021, quando este antigo jornalista licenciado em Economia pelo ISEG assumiu a presidência da RTP, foram celebrados mais cinco ajustes directos, que beneficiaram a PRA, Raposo, Sá Miranda & Associados (126.000 euros), a Sérvulo & Associados (96.000 euros), a Ferreiro Pinto & Associados (dois contratos, um de 60.000 euros, e outro de 57.600 euros) e a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (20.250 euros). Com IVA, a administração de Nicolau Santos leva já mais de 600 mil euros em ajustes directos para serviços jurídicos.
Entretanto, esta terça-feira, Nicolau Santos referiu ao PÁGINA UM que a sua administração “segue as boas práticas de mercado, auscultando periodicamente o mercado nas mais variadas circunstâncias, sectores de atividade e projetos, independentemente de avançar ou não, por adjudicação direta”, acrescentando que “sempre que possível, a RTP inclui empresas novas nessas auscultações, como não poderia deixar de ser”. Não explica, contudo, qual a razão pela qual foi auscultada a Dower CMNS especificamente, e não outra qualquer criada recentemente. Além disso, também não explica a necessidade de criar uma avença para serviços que nem sequer são definidos em concreto e que, portanto, poderiam ser até tratados com a ‘prata da casa’.
Embora o presidente do conselho de administração da RTP saliente ainda que se selecciona, neste e noutros casos, “a empresas que mais se adequa e [se] adjudica formalmente serviços no estrito cumprimento da lei”, os critérios permanecem obscuros. Ou seja, não se sabe, no caso da Dower CMNS e dos outros contratos para aquisição de serviços jurídicos, porque foram aquelas escolhidas e não outras para receberem ‘contratos de mão-beijada’ com dinheiros públicos. Ignorando-se os critérios, a hipótese académica de ser ‘pelos lindos olhos dos advogados’ pode ser, mesmo que por absurdo, ser colocada em cima da mesa.
O contrato entre a RTP e a Dower CMNS integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 12 e 14 de Janeiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Nota: O artigo foi complementado em às 17h15 do dia 16 de Janeiro de 2024 com as declarações de Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP.
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Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 869 contratos públicos, com preços entre os 3,00 euros – para aquisição de material de carpintaria, pela Unidade Local de Saúde da Guarda, através de consulta prévia – e os 2.878.260,34 euros – para aquisição de energia eléctrica, pelos SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 10 contratos, dos quais seis por concurso público e quatro ao abrigo de acordo-quadro.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados oito contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: dois da Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias (ambos com a Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares, um no valor de 390.000,00 euros, e outro no valor de 240.000,00 euros); Município de Gondomar (com a Ronsegur – Rondas e Segurança, no valor de 373.833,60 euros); Serviço Estrangeiros e Fronteiras (com a Securitas, no valor de 236.440,65 euros); três do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (um com a Petrogal, no valor de 206.750,29 euros, outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 132.896,41 euros, e outro com a Bio Portugal – Quimico-farmacêutica, no valor de 107.748,00 euros); e a Rádio e Televisão de Portugal (com a Dower CMNS – Sociedade de Advogados, no valor de 129.600,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 12 a 14 de Janeiro
1 – Aquisição de energia eléctrica
Adjudicante: SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas
Adjudicatário: Acciona Green Energy Developments S.L.
Preço contratual: 2.878.260,34 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
Adjudicante: Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Adjudicatário: Bayer Portugal
Preço contratual: 2.301.862,58 euros
Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)
3 – Aquisição de energia eléctrica
Adjudicante: SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas
Adjudicatário: Acciona Green Energy Developments S.L.
Preço contratual: 1.780.312,96 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
4 – Aquisição de equipamento informático
Adjudicante: Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça
Adjudicatário: Base2, Lda.
Preço contratual: 1.469.752,00 euros
Tipo de procedimento: Concurso público
5 – Fornecimento de gás natural em regime de mercado livre para Portugal Continental
Adjudicante: Exército Português
Adjudicatário: Gold Energy – Comercializadora de Energia
Preço contratual: 959.941,90 euros
Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)
TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 12 a 14 de Janeiro
Adjudicante: Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias
Adjudicatário: Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares
Preço contratual: 390.000,00 euros
2 – Aquisição de serviços de segurança e vigilância privada para instalações de Saúde Pública municipais
Adjudicante: Município de Gondomar
Adjudicatário: Ronsegur – Rondas e Segurança
Preço contratual: 373.833,60 euros
Adjudicante: Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias
Adjudicatário: Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares
Preço contratual: 240.000,00 euros
4 – Aquisição de serviços de vigilância e segurança humana
Adjudicante: Serviço Estrangeiros e Fronteiras
Adjudicatário: Securitas
Preço contratual: 236.440,65 euros
5 – Aquisição de gás natural durante os meses de Janeiro e Fevereiro do ano 2024
Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
Adjudicatário: Petrogal
Preço contratual: 206.750,29 euros
MAP