𝐸𝑛𝑡𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑐𝑟𝑖a𝑑𝑎 𝑒𝑚 1993 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑟𝑒𝑔𝑢𝑙𝑎𝑟 𝑒 𝑎𝑝𝑜𝑖𝑎𝑟 𝑜 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑎𝑜𝑠 𝑑𝑜𝑐𝑢𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜𝑠 𝑎𝑑𝑚𝑖𝑛𝑖𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑖𝑣𝑜𝑠, 𝑓𝑜𝑖 𝑢𝑠𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑒𝑙𝑎 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑎 𝑣𝑒𝑧 𝑝𝑜𝑟 𝑢𝑚 𝑎𝑛𝑡𝑖𝑔𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑖𝑟𝑜-𝑚𝑖𝑛𝑖𝑠𝑡𝑟𝑜, 𝑎𝑝𝑜́𝑠 𝑢𝑚𝑎 𝑟𝑒𝑐𝑢𝑠𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑒𝑙ℎ𝑜 𝑆𝑢𝑝𝑒𝑟𝑖𝑜𝑟 𝑑𝑒 𝑀𝑎𝑔𝑖𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒𝑚 𝑐𝑒𝑑𝑒𝑟 𝑐𝑜́𝑝𝑖𝑎 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑜 𝑖𝑛𝑠𝑝𝑒𝑐𝑡𝑖𝑣𝑜 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑐𝑖𝑜𝑛𝑎𝑑𝑜 𝑐𝑜𝑚 𝑎 𝑒𝑠𝑐𝑜𝑙ℎ𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑗𝑢𝑖𝑧 𝐶𝑎𝑟𝑙𝑜𝑠 𝐴𝑙𝑒𝑥𝑎𝑛𝑑𝑟𝑒. 𝐶𝑜𝑚 𝑜 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑙𝑖𝑣𝑟𝑒 𝑎𝑜 𝑟𝑒𝑙𝑎𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑜, 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝑆𝑜́𝑐𝑟𝑎𝑡𝑒𝑠 𝑎𝑏𝑟𝑖𝑟𝑎́ 𝑛𝑜𝑣𝑎 𝑓𝑟𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑏𝑎𝑡𝑎𝑙ℎ𝑎 𝑗𝑢𝑟𝑖́𝑑𝑖𝑐𝑎 𝑛𝑎 𝑖𝑛𝑓𝑖𝑛𝑑𝑎́𝑣𝑒𝑙 𝑂𝑝𝑒𝑟𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑀𝑎𝑟𝑞𝑢𝑒̂𝑠.
O Conselho Superior de Magistratura (CSM) vai conceder a José Sócrates o acesso ao relatório do inquérito à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014, algo que já recusara por duas vezes este ano, invocando então que aqueles documentos estariam sob “segredo de justiça”, e portanto inacessíveis.
Este volte-face vem no seguimento de um parecer solicitado em Agosto último pelo antigo primeiro-ministro socialista à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – órgão independente, que funciona junto da Assembleia da República, e é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Andrade de Oliveira.
No parecer da CADA – discretamente publicado em meados de Outubro passado no respectivo site, sem identificar José Sócrates como requerente – considera-se que “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”.
Tendo como relator Tiago Fidalgo de Freitas, docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o referido parecer da CADA, aprovado por unanimidade, releva que mesmo se o inquérito conduzido pelo CSM se encontra agora nos autos da Operação Marquês, a autoridade judiciária jamais revelou “necessidade de segredo no respeitante à documentação ora solicitada” por José Sócrates, instando assim o CSM a facultar-lhe o acesso.
Embora os pareceres da CADA não sejam vinculativos – ou seja, não obrigam entidades públicas a cumprirem as determinações –, já existe a garantia de o relatório ficar acessível, mas Sócrates ainda vai ter de aguardar mais algumas semanas, pelo menos.
O CSM adiantou ao PÁGINA UM que no passado dia 9 de Novembro foi já decidido, em plenário, “dar cumprimento ao parecer da CADA (…), no sentido de disponibilizar a José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa um conjunto de documentos requeridos pelo mesmo”. No entanto, tal ainda não ocorreu porque, ainda segundo o CSM, “não se tratando de procedimento urgente ou de deliberação que careça de ser imediatamente executada por perder a sua utilidade prática, (…) a mencionada deliberação será objeto de cumprimento” somente na próxima sessão mensal do plenário, ou seja, no dia 7 de Dezembro.
Saliente-se, porém, que no decurso do processo instaurado pela CADA, o CSM insistiu junto desta entidade na tese do “segredo de justiça” para defender a recusa no acesso aos documentos. Caso o parecer da CADA não fosse acatado, José Sócrates seria obrigado a recorrer ao Tribunal Administrativo, mas colocaria o CSM novamente na mira do ex-governante, que se tem sempre colocado num papel de vítima do sistema judicial.
Além disso, causaria certamente um incómodo institucional se o CSM recusasse cumprir uma deliberação unânime da CADA, presidida por um juiz conselheiro e com membros nomeados pela Assembleia da República, Governo, Governos Regionais (Madeira e Açores), Associação Nacional de Municípios, Ordem dos Advogados e Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Embora este seja apenas mais uma das muitas quezílias jurídicas da Operação Marquês, desencadeada em 2014, em causa estão, neste caso, os procedimentos aquando da distribuição inicial do processo ao juiz Carlos Alexandre, que decretou a prisão preventiva de José Sócrates, mas que se revestem de grande relevância jurídica.
O antigo primeiro-ministro – actualmente pronunciado para ser julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos – apontou, desde sempre, para a existência de irregularidades na escolha de Carlos Alexandre como juiz de instrução, considerando que, ao não se proceder ao sorteio do juiz de instrução em Setembro de 2014 por meios electrónicos, se violaram princípios jurídicos susceptíveis de nulidade processual.
O incidente acabou por ser corroborado pelo juiz Ivo Rosa, em sede do debate instrutório, que ordenou a extracção de uma certidão com vista à instauração de um inquérito às eventuais anomalias na entrega manual da instrução a Carlos Alexandre. No limite, se se provarem falhas insanáveis, a Operação Marquês corre o risco de voltar à estaca zero ou “eternizar-se” até à prescrição total, porque todas as decisões anteriores de Carlos Alexandre podem vir a ser consideradas nulas ou anuláveis.
Sócrates tem, aliás, criticado duramente a postura do CSM neste particular caso do inquérito desencadeado por Ivo Rosa, censurando os conselheiros por pactuarem com uma “situação grave para o Estado de Direito como distribuições processuais irregulares”, insistindo na tese de “manipulação”. O ex-primeiro-ministro socialista – que se desvinculou do PS em rota de colisão com António Costa, seu antigo ministro – acusou até os conselheiros do CSM de “querer[em] transformar um documento público num documento secreto”, sentenciando ainda: “Nenhuma lei da República vos dá esse poder. A vossa decisão é inaceitável”.
Com a divulgação para breve do teor integral do relatório de inquérito inicial e de avaliação complementar às alegadas anomalias na escolha do juiz de instrução da Operação Marquês, será previsível nova “frente de batalha” numa “guerra jurídica” que já conta sete longos anos sem fim à vista. Recorde-se que este relatório – e até agora considerado inacessível pelo CSM – foi conduzido pelo inspector judiciário Paulo Fernandes da Silva, também juiz desembargador.
Há sete meses, em plenário, o CSM deliberaria por unanimidade que não fosse instaurado “qualquer subsequente procedimento disciplinar”. Porém, conforme consta da ata daquela reunião mensal, terão sido identificadas, embora ali salientadas de forma subliminar e diplomática, diversas falhas na gestão do Citius. Se são demasiado graves, saber-se-á a curto prazo, até porque o PÁGINA UM também já solicitou formalmente o acesso ao polémico relatório junto do CSM.