Comunicado

Carta aberta à presidente da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 4, 2021


Categoria: Opinião

Temas: Comunicado

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Exma. Senhora Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista,

Dra. Leonete Botelho:

Como V. Exa. saberá, tanto ou certamente mais que eu, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (adiante designada CCPJ), tem as suas competências claramente definidas pelo Estatuto do Jornalista, mas em todo o caso, e mais ainda no caso em apreço, devo aqui expôr:

a) Atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação profissional dos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social;

b) Apreciar, julgar e sancionar a violação, pelos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, dos deveres profissionais enunciados no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista;

c) Aprovar, após consulta pública aos jornalistas, o regulamento aplicável ao procedimento disciplinar e promover a sua publicação, nos termos da lei;

d) Assegurar a constituição e o funcionamento das comissões de arbitragem previstas no artigo 7.º-C do Estatuto do Jornalista e aprovar o respectivo regulamento;

e) Instruir os processos de contra-ordenação por infracção aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º-A, 7.º-B, 15.º e 17.º do Estatuto do Jornalista e aplicar as respectivas coimas e sanções acessórias;

f) Aprovar o regulamento e organizar o processo eleitoral dos membros da CCPJ designados pelos jornalistas profissionais;

g) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei.

Leonete Botelho, jornalista do Público e presidente da CCPJ

Ademais, estipula o mesmo Estatuto dos Jornalistas, quais os requisitos e documentação necessária para a atribuição do título profissional de jornalista, bem como do título de estagiário.

Ora, sendo eu, Pedro Almeida Vieira, detentor da carteira profissional de jornalista 1786, estou, neste momento, a desenvolver um projecto jornalístico (PÁGINA UM), para o qual registei a marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, e procedi ao registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que, salvo melhor opinião, é a única entidade autorizada para estas matérias de autorização de funcionamento, podendo essa acção ser realizada a todo o tempo.

Ao PÁGINA UM foi concedido pela ERC um registo provisório de publicação periódica de âmbito nacional e com conteúdo de informação geral, com o número 127661. O registo foi feito em 11 de Novembro p.p., pelo que, desde essa data, o PÁGINA UM é um órgão de comunicação social, o qual tem apenas nesta fase, como única obrigação, e perante a ERC, ter de começar a divulgar informação (1º exemplar), no site indicado, no prazo de 90 dias e requerer então a conversão em definitivo da inscrição.

Deste modo, apesar de ser evidente e claro que à CCPJ estão somente atribuídas as competências para conceder, dentro de regras bem definidas, os diversos títulos de acreditação profissional, bem como, e ainda bem, apreciar, julgar e sancionar a violação de deveres profissionais dos jornalistas, fui entretanto informado que uma colaboradora do PÁGINA UM, a qual trabalhará comigo como jornalista estagiária, foi “alertada” por um funcionário da CCPJ de que “para a emissão de um título profissional é fundamental o órgão de informação estar a funcionar”, acrescentando que “sendo um órgão de informação novo é importante saber o seu conteúdo”.

Refira-se que essa resposta da CCPJ, via e-mail, foi dada após a entrega de todos os documentos estipulados por lei, entre os quais uma declaração comprovativa da admissão como estagiária no PÁGINA UM, por mim assinada, com indicação do nome do jornalista responsável pela orientação do estágio e número da respectiva carteira profissional. Além disso, também assinei, sob meu compromisso de honra, um documento garantindo que a estagiária exerceria a sua actividade a título permanente e remunerada.
Pasmei, portanto, perante esta resposta da CCPJ, via e-mail, e mais fiquei após confirmar, por telefone, ser essa a V. prática corrente desta entidade presidida por V. Exa..

Não pode ser. Nem deve. É ilegal. É eticamente imoral. Ainda mais numa comissão que integra jornalistas, e que tem sobretudo a deontologia e a defesa da profissão de jornalista como bandeiras.
Por um lado, todos sabemos – e ainda mais os elementos que formam a CCPJ – que um órgão de comunicação social funciona desde o momento da sua concepção, e que são necessárias, antes mesmo da sua existência junto dos leitores, tarefas diversas que devem ser executadas apenas por jornalistas acreditados. Seria, aliás, ilegal se o PÁGINA UM estivesse a utilizar pessoas que, escrevendo textos jornalísticos, não estivessem munidos de título profissional da CCPJ.

Por outro lado, não cabe à CCPJ fazer análises de conteúdos para a emissão de títulos profissionais, ademais sabendo que o dito órgão de comunicação social (PÁGINA UM) está devidamente registado como tal onde deve estar (ERC). Pode sim a CCPJ, e deve sim, exercer a sua autoridade somente à posteriori, e sobre os jornalistas que pratiquem eventualmente infracções deontológicas.

Aliás, eu, como director do PÁGINA UM, e como jornalista, estou desde já sob a V. alçada disciplinar, se assim desejarem. O meu jornal PÁGINA UM não estará sob alçada da CCPJ, nem os seus conteúdos, asseguro desde já a V. Exa.. Pelo menos enquanto a CCPJ for uma entidade de um país democrático em pleno.

Recordo que V. Exa. preside à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, e não à Direcção dos Serviços da Censura.

Aliás, nas presentes circunstâncias, só a ideia de verificar que uma entidade como a CCPJ se julga capaz de analisar conteúdos de um jornal, de desejar fazer essa tarefa, e ainda de ficar a saber que tal é “importante” para atribuir ou não títulos profissionais a jornalistas de um “órgão de informação novo”, causa-me arrepios. Faz-me recuar no tempo, e relembrar um período de má memória.

Ademais, causa-me ainda mais estranheza, sim, a inacção da CCPJ, e particularmente de V. Exa., em outras matérias graves de cariz deontológico – essas sim que se enquadram nas competências deontológicas e mesmo disciplinares dos jornalistas –, e que se têm vindo a assistir ao longo dos últimos meses na imprensa nacional.

Mas se a CCPJ se quiser entreter com minudências ao nível de títulos profissionais – ou de conteúdos num “órgão de comunicação novo” por opções saudosistas – sempre pode então indagar porque motivo, por exemplo, o director do órgão de comunicação social que paga o salário de V. Exa. não tem o nome profissional registado como o nome que assina. Tal como sucede, por exemplo, com o director do Polígrafo, por ironia um órgão de comunicação social que se assume como “verificador da verdade”.
Ou então ainda pode inspeccionar se, por exemplo, o jornalista com carteira profissional número 18 exerce ou não alguma actividade incompatível com o Estatuto do Jornalista, verificando, por exemplo, se ser chairman de uma empresa de media implica ou não a planificação, orientação e execução de estratégias comerciais.

Ou, no limite, poderá a própria CCPJ – que se arvora do poder de verificar conteúdos de um órgão de comunicação social (presumo que novo ou velho), extravasando as suas competências e até os limites deontológicos – entreter-se a discutir se deve ter como presidente alguém que exerce naturalmente a sua função de jornalista (ainda mais fazendo cobertura de assuntos de política) num órgão de comunicação, onde os jornalistas estão sob sua alçada disciplinar.

Na verdade, e no limite, a presidente da CCPJ exerce poderes disciplinares sobre ela própria no exercício da sua profissão, que mantém num periódico que, pelo que deduzo, não é alvo de análise do “seu conteúdo”. E até sobre os seus colegas de redacção. No limite dos limites, a presidente da CCPJ, ou seja, V. Exa., exerce a disciplina sobre os seus superiores na redacção, sobre o próprio director da publicação onde continua a trabalhar.

Parece-me isto muito mais pertinente do que condicionar a atribuição de um título de estagiário ao lançamento concreto, para o público, do PÁGINA UM, que é dirigido, repita-se, por um jornalista profissional.

Independentemente desta carta – que considero, aliás, uma carta aberta, e de reflexão –, espero que seja tomada uma decisão célere, dentro da lei e das atribuições da CCPJ, no que respeita ao pedido do título de jornalista estagiária à colaboradora do PÁGINA UM.

Com os mais respeitosos cumprimentos, também como camarada de profissão,

Pedro Almeida Vieira


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