Covid-19 em crianças

Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos

grayscale photography of two girls closing their mouths

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 10, 2021


Categoria: Exame

minuto/s restantes

O PÁGINA UM revela as taxas de internamento e apresenta os casos clínicos mais graves em crianças durante o primeiro ano da pandemia. Num grupo que envolve mais de 600 mil pessoas, por agora contabilizam-se zero mortes, uma taxa de hospitalização que rondará os 0,5% dos infectados (quase 37 mil entre Março de 2020 e Abril deste ano) e um rácio de internamento em cuidados intensivos de 0,03%. Este é o cenário de uma faixa etária que pouco tem a beneficiar de um programa de vacinação em massa. Apenas ganha incerteza no longo prazo.


No primeiro ano da pandemia, nenhuma criança morreu em Portugal por causa da covid-19, e apenas 11 – num total de quase 37 mil que testaram positivo à covid-19 entre Março de 2020 e 21 de Abril deste ano – tiveram necessidade de cuidados intensivos. Por outro lado, cerca de 995 em cada 1.000 crianças (com idades entre os 5 e os 11 anos) com teste positivo ao SARS-CoV-2 apresentaram sintomas ligeiros ou manifestaram-se assintomáticos, uma vez que somente 179 precisaram de internamento por curtos períodos (0,49% do total dos infectados.

Confirma-se assim o muito reduzido risco da covid-19 – quase irrelevante – para um grupo etário que estará agora sujeito à campanha de vacinação decidida esta semana pelo Governo.

Esta informação – até agora desconhecida pelo público em geral, e apenas acessível a um estrito grupo de peritos – obtém-se pelo cruzamento de duas bases de dados: o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e o registo das hospitalizações de doentes-covid.

man in blue denim jeans standing on brown hays during daytime

A primeira base de dados identifica todos os casos positivos, desagregados por idade, sexo e concelho. O segundo elenca, após anonimização, os internamentos de todas as pessoas, incluindo idade, sexo, unidade de saúde, período de internamento, eventual encaminhamento para cuidados intensivos (UCI), desfecho (outcome) e também as comorbilidades e/ou agravamentos no decurso da hospitalização.

A Direcção-Geral da Saúde (DGS), autoridade com a máxima responsabilidade na gestão da pandemia, tem recusado a conceder acesso a informação essencial para calcular o risco e taxas de internamento e de letalidade de forma estratificada. Contudo, o PÁGINA UM obteve acesso confidencial a estas duas bases de dados, embora contendo apenas informação até 21 de Abril deste ano.

Em todo o caso, o reduzido impacte dos primeiros 14 meses da pandemia sobre as crianças – e muito provavelmente sem alterações relevantes nos últimos sete meses – mostra-se sobretudo numa taxa efectiva de internamento muito baixa.

CASOS POSITIVOS E INTERNAMENTOS EM CRIANÇAS – MARÇO DE 2020 E ABRIL DE 2021
(Fonte: Ministério da Saúde; dados tratados por PAV)

Enquanto até Abril deste ano, este rácio rondava os 6% para toda a população (cerca de 54 mil internamentos em cerca de 834 mil infectados, até àquela data), no grupo das crianças situou-se entre um mínimo de 0,27% (aos 7 anos) e um máximo de 0,7% (aos 8 anos). Globalmente, apenas aproximadamente 0,5% das crianças infectadas precisaram de tratamento hospitalar.

Considerando os casos de maior gravidade, a necessitarem de cuidados intensivos, não existe qualquer justificação para alarmismos. De acordo com o registo de internamentos, até Abril deste ano passaram por UCI um total de 5.458 pessoas, ou seja, cerca de 10% do total das hospitalizações e 0,65% das pessoas infectadas. No caso das crianças, essas taxas situaram-se em 6% e 0,03%, respectivamente.

No entanto, a esmagadora maioria dos casos de hospitalização de crianças, e sobretudo daquelas que necessitaram de cuidados intensivos, envolveram comorbilidades graves de natureza diversas. Por exemplo, de entre os 11 internamentos de crianças em UCI – apenas em hospitais da Grande Lisboa e no hospital de São João, no Porto –, somente quatro não tinham um quadro prévio de enfermidades graves.

TAXA DE LETALIDADE (%) DA COVID-19 POR GRUPO ETÁRIO (até 9 de Dezembro de 2021)
(Fonte: Direcção-Geral da Saúde; dados tratados por PAV)

Nem todos – incluindo os quatro que registaram síndrome inflamatório do sistema múltiplo ou miocardites, efectivamente associados a complicações da covid-19 – tiveram necessidade de ventilação, tendo bastado um acompanhamento contínuo de monitorização do estado de saúde. Todos estes 11 casos clínicos mais complexos tiveram desfecho favorável: nenhuma destas crianças morreu. E os internamentos foram, por regra, de curta duração, inferior a duas semanas. Apenas um menino de 8 anos, que sofria já de um melanoma maligno, teve um internamento mais prolongado (41 dias), em parte para recuperar de uma infecção bacteriana apanhada no hospital (ver lista em baixo).

Embora se ignore os dados de internamentos posteriores a Abril deste ano, certo é que a faixa etária dos 5 anos 11 anos continua sem registo de mortes atribuídas à covid-19. Até agora, apenas se contabilizam dois óbitos de bebés com menos de 1 ano, e de outra com menos de 4 anos. Além destes, contam-se duas mortes de jovens com 19 anos. Todos apresentavam gravíssimas comorbilidades.

Nesse sentido, o grupo etário que o Governo se apresta a vacinar – envolvendo mais de 600 mil crianças, com um investimento ainda desconhecido, uma vez que o contrato com a Pfizer não consta ainda do Portal BASE – apresenta assim uma taxa de letalidade ainda de 0%.

Mesmo agregando as idades, segundo os grupos etários usados pela DGS, o risco de morte nas faixas dos 0-9 anos e dos 10-19 anos é incomensuravelmente inferior aos dos mais idosos. Por exemplo, observando a taxa de letalidade da covid-19 para os maiores de 80 anos (15,1% até à data), conclui-se que a probabilidade de um desfecho fatal naquela faixa etária é mais de 4.000 vezes superior ao de um menor de 10 anos. E chega a ser superior a 9.500 vezes se confrontada com o grupo dos 10-19 anos.


LISTA DE CASOS DE INTERNAMENTO DE CRIANÇAS EM CUIDADOS INTENSIVOS

CASO 1

Idade: 8 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
Período de internamento: 19/04/2020 – 29/05/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: melanoma maligno do couro cabeludo e do pescoço; e infecção bacteriana por Staphylococcus aureus
Outcome: Alta médica

CASO 2

Idade: 10 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
Período de internamento: 15/05/2020 – 25/05/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: hipopotassemia; miocardite infecciosa
Outcome: Alta médica

CASO 3

Idade: 5 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
Período de internamento: 01/06/2020 – 07/06/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: defeito do septro ventricular, insuficiência (da válvula) aórtica, insuficiência congénita da válvula aórtica e anemia.
Outcome: Alta médica

CASO 4

Idade: 10 anos
Sexo: Feminino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central e Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
Período de internamento: 15/06/2020 – 27/06/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: miocardite aguda; e cardiomiopatia dilatada.
Outcome: Alta médica

CASO 5
Idade: 10 anos
Sexo: Feminino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
Período de internamento: 13/10/2020 – 03/11/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: Distúrbios do metabolismo das proteínas plasmáticas; e anemia.
Outcome: Alta médica

CASO 6

Idade: 8 anos
Sexo: Feminino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
Período de internamento: 01/11/2020 – 17/11/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19), síndrome de choque tóxico e pericardite viral
Outocome: Alta médica

CASO 7

Idade: 11 anos
Sexo: Feminino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
Período de internamento: 21/12/2020 – 28/12/2020
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: anemia hemolítica auto-imune
Outcome: Alta médica

CASO 8

Idade: 10 anos
Sexo: Feminino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
Período de internamento: 24/01/2021 – 05/02/2021
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19); insuficiência ventricular esquerda; taquicardia supraventricular; e choque cardiogénico
Outcome: Alta médica

CASO 9

Idade: 8 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
Período de internamento: 25/01/2021 – 26/01/2021
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: diabetes mellitus tipo 1
Outcome: Alta médica

CASO 10

Idade: 11 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
Período de internamento: 30/01/2021 – 11/02/2021
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: paralisia cerebral quadriplágica espástica; doença de refluxo gastroesofágico sem esofagite, alimentado por gastrostomia
Outcome: Alta médica

CASO 11

Idade: 5 anos
Sexo: Masculino
Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
Período de internamento: 12/02/2021 – 03/03/2021
Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: aneurisma, hipotensão, trombocitopenia, hiperlipidemia e sepsis
Outcome: Alta médica


O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.