Vértebras

Do crime de Graça Freitas: a divulgação de dados clínicos sigilosos

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 16, 2021


Categoria: Opinião

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Foi divulgado ontem a morte de uma jovem de 19 anos com síndrome de Dravet – uma encefalopatia progressiva rara, de origem genética e incurável. Uma em cada cinco pessoas que sofre desta doença acaba por morrer até ao início da fase adulta, em muitíssimos casos por acidentes durante crises epilpléticas ou por morte súbita.

A jovem tinha estado cinco dias antes no Hospital de Braga com febre alta, e testara positivo ao SARS-CoV-2. Fora mandada para casa com recomendação para tomar paracetamol. A sua morte terá sido atribuída à covida-19. E, segundo a generalidade da comunicação social, a Direcção-Geral da Saúde (DGS divulgou que a jovem “não estava vacinada”.

Ora, a Direcção-Geral da Saúde – que esconde deliberadamente informação fundamental, mesmo quando jornalistas requerem dados anonimizados, ou seja, sem menção ao nome – mandou agora às malvas a ética e a deontologia, que até está consagrada em diploma legal.

Graça Freitas, directora-geral da Saúde

O Código de Conduta Ética da DGS estipula, por exemplo, que os seus colaboradores, entre os quais Graça Freitas, “estão sujeitos ao sigilo profissional relativamente a matérias a que tenham acesso no desempenho das suas funções ou por virtude das mesmas, com preponderância para a proteção dos dados pessoais, e que, pela sua efetiva importância, por legítima decisão da DGS ou por força da legislação em vigor, não devam ser do conhecimento geral.” Isto não se aplica somente à pandemia nem à covid-19, mas a todo o tipo de dados clínicos.

Anda toda a gente distraída, ou entramos num mundo distópico. Divulgar dados clínicos de uma pessoa, ainda mais oficialmente e através da comunicação social, é crime. Ponto. Não poderia jamais a DGS divulgar a situação vacinal – ainda mais nas actuais circunstâncias de uma morte – daquela jovem.
Nunca! Não apenas porque jamais poderia revelar dados clínicos individuais sem autorização da própria pessoa (ou neste caso, dos familiares), mas também por não ser sua competência nem sequer enquadrar os motivos (que até poderiam ser clínicos) para a jovem não estar eventualmente vacinada. De forma subliminar, a DGS quis mostrar que a vacina poderia alterar o desfecho, incutindo assim uma mensagem crítica aos pais, quer aos pais da malograda jovem, quer a todos os pais de adolescentes e crianças. Isto chama-se bullying estatal.

Aliás, a Doutora Graça Freitas saberá, por certo (mas eu já tenho dúvidas), que esta síndrome tem uma elevadíssima taxa de mortalidade até ao início da idade adulta, e que sucede muitas vezes de forma repentina num evento de convulsões. Ou seja, como sucedia com outras infecções respiratórias, a jovem tem uma elevada probabilidade de ter morrido com covid-19 – e não de covid-19.

Na verdade, é nojento e abjecto a DGS usar uma sempre lamentável morte, independentemente da causa, para alimentar uma campanha de pânico, para “forçar” pelo medo – e não por vantagens em termos de saúde pública – a vacinação em adolescentes e crianças. Continuando a ignorar aspectos básicos: aqueles são grupos etários onde, se não existirem comorbilidades, o risco de morte é virtualmente nulo.
A Doutora Graça Freitas começa a parecer-me uma personagem sinistra.

Numa sociedade decente, a Doutora Graça Freitas ia já para o olho da rua. Mas aqui, agora aqui, não. E nunca com a imprensa mainstream, que se virará até contra os pais da falecida jovem, por não a terem vacinado. Haverá quem até os venha a criticar de negacionistas, a propor até, hélas, que se venha a promover a acção da Comissão Nacional de Crianças e Jovens (CNCJ) contra os pais que neguem vacinar os seus filhos. Estamos perto desse cenário.

Enfim, vivemos tempos obscuros.

Na verdade, até sobre os meus dados clínicos eu acho que já muita gente não autorizada os terá visto. E serão usados se os seus caprichos e fins assim o determinarem e advirem vantagens para o “bem comum”.

A confiança no Estado torna-se nula com esta gente.


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