INFECÇÕES NOSOCOMIAIS

Hospital de Cascais recebeu elogios no combate à pandemia mas silenciou surtos descontrolados de sépsis

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por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 29, 2021


Categoria: Exame

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A unidade de saúde de Cascais, integrada no SNS, mas gerida pelo Grupo Lusíadas, registou o pior desempenho no controlo de infecções hospitalares durante o primeiro ano da pandemia. O risco de morte de doentes com covid-19 que desenvolveram sépsis triplica em comparação com os outros. O ex-director da Visão, Pedro Camacho, foi uma das vítimas mortais.


O Hospital de Cascais recebeu em Dezembro do ano passado um destaque da Federação Internacional dos Hospitais – ficando integrado numa lista de 103 unidades de saúde mundiais que prestariam “serviços de excelência no combate à pandemia” –, mas estava então a atravessar, no denominado “covidário”, um surto de septicémia – uma gravíssima infecção geralmente nosocomial (de origem hospitalar) da corrente sanguínea – que se prolongaria até Fevereiro deste ano.

Na esmagadora maioria dos casos desta infecção de elevada letalidade – associada, em parte, a deficiências de higienização hospitalar – não foi identificada a bactéria na sua origem. Existem, porém, vários registos de sépsis causada por Escherichia coli, Staphylococcus aureus, pseudomonas e enterococos.

De acordo com registos anonimizados do Hospital de Cascais, a que o PÁGINA UM teve acesso, contabilizam-se 119 doentes internados com covid-19 que desenvolveram sépsis entre Março de 2020 e Abril deste ano. Grande parte destes doentes eram idosos (mediana de 73 anos), havendo 78 homens e 41 mulheres. O mais novo doente tinha 31 anos e o mais idoso contava 98. Ao longo destes 14 meses, no decurso dessas altamente letais infecções, acabariam por morrer 72 destes doentes, mas a covid-19 ficou com a “culpa” exclusiva.

Hospital de Cascais é gerido em PPP pelo Grupo Lusíadas Saúde.

O impacte de uma sépsis num doente-covid – tal como em outros doentes internados com o sistema imunitário debilitado – é geralmente devastador, tanto mais que a sua evolução é “silenciosa”, e muitas das bactérias causadoras são multirresistentes a antibióticos.

No caso particular dos doentes-covid internados no hospital de Cascais, a taxa de mortalidade daqueles que não tiveram sepsis foi de 19%; com sépsis subiu para 61% – ou seja, três vezes mais.

Considerando a totalidade dos hospitalizados por covid-19 em Cascais entre Março de 2020 e Abril de 2021 (cerca de 1.400 doentes), a probabilidade de desenvolver sépsis foi de 8%. A nível nacional, segundo apurou o PÁGINA UM, a esmagadora maioria dos hospitais do SNS registou uma taxa de prevalência de sépsis a rondar os 2%. Ou seja, a prevalência, ou risco, nesta unidade de saúde da Grande Lisboa foi quatro vezes superior.

Os casos fatais de sépsis no “covidário” do Hospital de Cascais começaram desde o início da pandemia, sempre em enfermaria – isto é, não estiveram associados às unidades de cuidados intensivos (UCI) –, mas em número diminuto. A situação agudizou-se sobretudo em Novembro do ano passado. Nesse mês já se registaram cinco mortes de doentes-covid associadas a sépsis – em parte de pessoas ainda internadas em Outubro. A partir de Dezembro aumentaram ainda mais. No último mês de 2020 contabilizaram-se nove óbitos, subindo para 15 em Janeiro deste ano. Em Fevereiro fixaram-se em 12.

Nos meses seguintes, em parte também pela redução significativa dos internamentos, os óbitos associados à sépsis em doentes-covid desceram para seis e dois, respectivamente em Março e Abril.

Uma das vítimas destes surtos no Hospital de Cascais terá sido o conhecido jornalista Pedro Camacho, ex-director da Visão e então director de inovação e novos projectos da Lusa. Falecido em 5 de Dezembro de 2020, após um longo internamento de cinco semanas por covid-19, as notícias de diversos órgãos de comunicação social – como o Público e o Expresso – revelaram que o seu estado clínico se agravara fatalmente “por duas infecções causadas por bactérias hospitalares”. Foi, no entanto, considerado um óbito por covid-19.

Registo de doentes-covid com sépsis por data de início de internamento e número de óbitos.

O PÁGINA UM apurou que, de facto, após ter sido internado no Hospital de Cascais em 29 de Outubro do ano passado, Pedro Camacho sofreu diversas complicações não directamente associada à covid-19, entre as quais duas septicémias distintas, incluindo um choque séptico.

Os dados anonimizados que o PÁGINA UM consultou não permitem identificar em concreto as datas de detecção destas infecções nosocomiais, mas, mesmo que tal fosse possível, não seriam obviamente aqui reveladas.

Em parte por ter sido um período crítico de internamentos, e de ainda estar em curso um problema de higienização, o mês de Janeiro deste ano foi aquele com maior número de internados por covid-19 que desenvolveram depois sépsis. No total contabilizaram-se 31 casos, mais 13 do que em Dezembro de 2020 e mais 14 do que em Fevereiro deste ano. Em Março e Abril, os casos passaram a ser pontuais. A partir desse período, o PÁGINA ainda não conseguiu obter mais dados.

Oficialmente denominado Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, esta unidade de saúde é gerida pelo Grupo Lusíadas Saúde, através de uma parceria público-privada (PPP) desde 2010. Este contrato deveria terminar dentro de dias, no final deste mês, mas foi prolongado por mais um ano por Resolução do Conselho de Ministros com um custo máximo para o erário público de 80 milhões de euros.

Recorde-se, no entanto, que em Maio deste ano, em comunicado, Lusíadas Saúde anunciara não estar interessada em concorrer ao novo concurso de gestão no âmbito da PPP nos moldes estabelecidos num despacho de Maio do ano passado dos Ministérios das Finanças e da Saúde, por não ser possível “construir uma proposta sustentável que assegure a qualidade e excelência de cuidados que pautam a atuação do Grupo”.

O PÁGINA UM enviou um conjunto de seis questões à administração do Hospital de Cascais, presidida por José Bento, mas não obteve qualquer reacção.

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