EDITORIAL

Da ‘ética’ dos doutores de Ética e dos jornalistas sobre o estado vacinal de internados

Editorial

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 9, 2022


Categoria: Opinião

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O PÁGINA UM decidiu, mais uma vez, divulgar, num artigo de investigação, alguns dados anonimizados de doentes-covid, desta vez para consubstanciar a veracidade e rigor da investigação sobre os internados por quedas e outros acidentes similares que acabaram classificados como doentes-covid, e mesmo como óbitos causados pelo SARS-CoV-2 em caso de desfechos fatais.

Tem o PÁGINA UM a perfeita consciência e convicção da legalidade nesta divulgação, do interesse público nesta divulgação e do cumprimento escrupuloso dos princípios éticos e deontológicos dos jornalistas nesta divulgação.

Noutros tempos, com outro tipo de jornalismo e com outro género de jornalistas, a investigação do PÁGINA UM seria invejada mas elogiada.

Agora, provavelmente, as recentes investigações do PÁGINA UM serão criticadas de forma desabrida, mesmo entre os seus pares: a imprensa e os jornalistas.

Não será algo inédito.

Como se sabe, no dia 23 de Dezembro passado, alguns órgãos de comunicação social – como o Expresso, o Observador e a Lusa, cujo take foi replicado pelo Público e Correio da Manhã – não tiveram pejo em seguir a linha de uma sórdida notícia da CNN Portugal que acusou o PÁGINA UM, sem o mencionar, de ser uma “página anti-vacinas no Facebook” de um grupo de “negacionistas”. Classificaram-me assim como “negacionista”, um labéu que, ainda há dias, era destacado pelo publisher do Observador, o experiente jornalista José Manuel Fernandes, ex-director do Público.

Lista de notícias publicadas na imprensa revelando dados clínicos de uma grávida não vacinada ligada a ECMO no Hospital de São João (Porto). Fonte: Google News (08/01/2022)

Na notícia da CNN Portugal, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino (TP 886) – cuja editora é a jornalista Catarina Guerreiro (CP 2630) e o director Nuno Santos (CP 7185) – omitiu intencionalmente que o PÁGINA UM era um órgão de comunicação social para, desse modo, melhor fazer passar a escroque ideia de se estar perante um “crime” e de falsas notícias perpetrado por um incógnito e malévolo jornalista.

Na verdade, tratava-se tão-só de jornalismo de investigação, que em qualquer parte do Mundo enobrece esta arte de informar.

Por o PÁGINA UM revelar dados anonimizados, houve uma clara tentativa, contra mim, de assassinato de carácter, da qual esteve por detrás, sem sequer se esconder, a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, que sabe estar eu a investigar o donativo de 380.000 euros concedido pela Merck para uma alegada campanha de distribuição de máscaras. O pedido de acesso à documentação foi recusado pela Ordem dos Médicos, e uma queixa do PÁGINA UM seguiu já para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

Curiosamente, apesar da Comissão Nacional de Protecção de Dados ter já garantido que a divulgação de dados anonimizados é legal – porque, obviamente, “não há identidades reveladas” –, a Ordem dos Médicos apresentou supostamente uma queixa e instigou à abertura de uma investigação. Na “peça” manipuladora da CNN Portugal surgem vários médicos a criticarem a divulgação de dados feita pelo PÁGINA UM: Alexandre Lourenço (presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), Cristina Camilo (presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos Pediátricos), Jorge Roque da Cunha (Sindicato Independente dos Médicos) e Filipe Almeida (director do Serviço de Humanização e Ética do Hospital de São João).

As declarações deste director do Hospital de São João, que é também membro da Comissão de Ética para a Investigação Clínica, são devera interessantes. Assegurou ele que a partilha dos dados serviam “intuitos que não perseguem o bem-estar da criança”, beneficiando “apenas uma política do negacionismo” e que era “um aproveitamento indevido do ponto de vista ético”.

A directora de Obstetrícia do Hospital de São João divulgou dados clínicos, incluindo estado vacinal, de grávida não identificada pelo nome.

Ora, este fim-de-semana, foi divulgado exactamente por uma fonte do Hospital de São João – a unidade de saúde do mui ético doutor Filipe Almeida – que ali estava internada uma mulher de 35 anos, grávida de 33 semanas, e ligada a ECMO (extra corporeal membrane oxygenation), proveniente do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, mais precisamente do Hospital de Penafiel. O take da Lusa complementava, segundo a mesma fonte do Hospital de São João, que a mulher estava “estável” e que o feto “se encontra bem”.

A notícia da Lusa foi replicada, ou ampliada, pelo Público, Diário de Notícias, Observador, SIC Notícias, RTP, CNN Portugal, TVI, Jornal de Notícias e Correio da Manhã. Pelo menos por estes.

E destacando sempre, com excepção do Correio da Manhã (mas apenas na edição online), que a mulher não estava vacinada.

Não sejamos inocentes nem ingénuos: a situação vacinal da grávida era o “ponto essencial”, daí estar invariavelmente nos títulos das notícias. O objectivo não foi apenas informar; era também alarmar.

Note-se que fizeram declarações às televisões, referindo dados clínicos da paciente, os seguintes médicos do Hospital de São João: Marina Moucho (directora de Obstetrícia), na RTP, e Roberto Roncon (director de Medicina Intensiva e professor da Faculdade de Medicina do Porto), tanto na CNN Portugal como na TVI.

Mas, por certo, o doutor mui ético Filipe Almeida (colega da doutora Mouchão e do doutor Roncon), a Ordem dos Médicos, o seu bastonário e muitos médicos, considerarão que esta divulgação em concreto – esta divulgação de dados clínicos de uma pessoa que não concedeu autorização para tal, sobretudo para destacar o seu estado vacinal – é legal, de interesse público e cumpriu escrupulosamente os princípios éticos e deontológicos dos jornalistas.

E muitos jornalistas concordarão também que assim é que se deve fazer.

Perante isto, as críticas aos trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM serão sempre asquerosas. Ponto. Pelo menos.

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