No segundo ano da pandemia, as farmacêuticas “insuflaram” quase 1,3 milhões de euros para os “pulmões” da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. A norte-americana Pfizer deu uma “ajuda” de cerca de 370 mil euros, quase tudo para uma campanha generalizada de promoção de uma vacina – a pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde só recomenda para maiores de 65 anos e grupos de risco.
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) recebeu 320.000 euros da Pfizer, na segunda metade do ano passado, destinada a desenvolver uma campanha de promoção da vacinação contra a pneumonia pneumocócica em pleno processo de vacinação contra a covid-19 entre a população jovem. Este apoio financeiro é o maior jamais concedido a uma sociedade médica por parte da indústria farmacêutica para um só “evento”, de acordo com os dados da Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, uma base de dados que compila este tipo de informação desde 2013.
A mensagem da campanha – “Sou maior e quero ser vacinado” – remete exclusivamente para a vacina contra a pneumonia pneumocócica, cuja vacina é comercializada em Portugal sobretudo pela Pfizer (sob a marca Prevenar) e, em menor quantidade, pela Merck (sob a marca Pneumovax). Porém, a sua leitura remetia de imediato para a vacinação contra a covid-19. A campanha decorreu até à segunda quinzena de Dezembro, recorrendo aos órgãos de comunicação social, a outdoors e ao online. Os canais televisivos e as rádios acabaram por beneficiar bastante com os spots publicitários.
Saliente-se que a Pfizer já assegurou em Portugal a venda de vacinas contra a covid-19 no valor de 88.909.898 euros, de acordo com o Portal Base, mas em virtude da redução da actividade gripal – que “abre portas” para infecções bacterianas, como a causada pelo Streptococcus pneumoniae –, as vendas da sua vacina pneumocócica têm-se reduzido, embora nunca tenham ultrapassado muito os cinco milhões de euros por ano.
Ou seja, o financiamento da Pfizer à SPP para o desenvolvimento da campanha de promoção da vacinação pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) apenas recomenda a maiores de 65 anos e a grupos de risco maiores de 18 anos –, surge algo desfocada face aos montantes envolvidos e à população-alvo (toda a população) que supostamente pretende alcançar.
A pneumonia pneumocócica foi a causa de morte de 4.700 pessoas em 2019, mas 96% dos óbitos ocorreu em maiores de 65 anos. Na população com menos de 35 anos – que representa 34,9% da população portuguesa – registaram-se 12 mortes (0,26% do total), seis das quais com menos de 15 anos.
Um outro aspecto incomum desta campanha da SPP – presidida por António Morais, pneumologista do Hospital de São João (Porto), e que tem Filipe Froes como coordenador do Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória – é o reforço da parceria comercial com a Pfizer.
Em Portugal, esta farmacêutica atribuiu verbas para marketing às sociedades médicas através de duas subsidiárias: a Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal e a Laboratórios Pfizer. Entre 2017 e 2019, ambas deram à SPP apenas uma média anual de 10.183 euros. No primeiro ano da pandemia (2020), esse valor subiu para apenas 12.000 euros. No ano passado (2021) disparou para 358.500 euros – ou seja, cerca de 30 vezes mais do que o habitual.
Além da campanha de promoção da vacinação em 2021, a Pfizer atribuiu também um inédito apoio à SPP de 35.000 euros para o 37º Congresso Nacional de Pneumologia, que se realizou em Novembro passado na cidade de Albufeira, e que registou até um surto de covid-19 que atingiu 15 médicos, conforme noticiou o Observador.
O valor atribuído pela Pfizer num só ano à SPP não encontra paralelo em nenhum outro ano nem com outra qualquer farmacêutica. Antes de 2021, o valor máximo conseguido por esta sociedade médica de uma só farmacêutica situava-se em 205.338 euros, atribuído em 2017 pela italiana A. Menarini.
O ano de 2021 foi, aliás, bastante favorável financeiramente para a SPP, que parece ter encontrado um filão monetário com o surgimento da pandemia da covid-19. Embora fosse já uma das sociedades médicas portuguesas mais beneficiadas pelas farmacêuticas – que ajustam as verbas de marketing em função da facturação –, o ano passado foi excepcional: 1.298.422 euros, de acordo com o levantamento exaustivo feito pelo PÁGINA UM, tendo assim ultrapassado pela primeira vez a fasquia de um milhão de euros. Em relação ao ano anterior (2020), o crescimento destas receitas foi de 65%.
A Pfizer foi, com grande destaque, a farmacêutica mais generosa para a SPP em 2021, mas mesmo assim ainda nem sequer atinge o pódio no período 2017-2021. A alemã Boehringer Ingelheim ocupa a primeira posição, tendo doado 524.668 euros nos últimos cinco anos. Por exemplo, para patrocínio do recente Congresso Nacional de Pneumologia foram 113.400 euros. Segue-se a helvética Novartis, que deu uma média de quase 91 mil euros por ano no último quinquénio, e um total de 454.572 euros no período. Fecha o pódio de “mecenas” da SPP a portuguesa BIAL com 446.181 euros ao longo dos últimos cinco anos.
No total, de entre 30 farmacêuticas e empresa de produtos médicos, a SPP recebeu 4.349.011 euros no período 2017-2021.
No âmbito da investigação que o PÁGINA UM está a desenvolver sobre o financiamento das sociedades médicas, a SPP não mostrou disponibilidade, mesmo com insistência, para responder a um conjunto de questões nem quis fornecer informação financeira sobre as suas relações comerciais com farmacêuticas.
Artigo com colaboração de Maria Afonso Peixoto