Recensão Eleitoral

Legislativas em tempos de sound bites

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Janeiro 16, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


O formato escolhido para os debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar foram um sopro de democracia e um vendaval de populismo.

Se por um lado conseguimos ouvir todos, por outro, ficámos reduzidos a 12 minutos por candidato, sem tempo para trocar ideias e com minutos a mais para procurar o sound bite mortífero. Ou killer, como lhe chamavam os comentadores de serviço ao pós-debate. Aliás, essa foi outra curiosidade dos tempos vertiginosos em que vivemos. Políticos gritam durante 12 minutos, espalham equívocos e reescrevem a história. Em seguida, comentadores maioritariamente afectos à direita, explicam durante uma hora o que os políticos queriam afinal dizer. Também eles ganharam votos.

António Costa conseguiu passar pelo cabo das tormentas sem se molhar muito. Um primeiro-ministro que ao fim de seis anos, dois deles em pandemia, consegue chegar ao fim de oito debates à frente das sondagens. Entre o mérito do próprio ou o demérito da oposição, hesito na conclusão.

Ao centro restavam poucas dúvidas e os debates esclareceram as restantes. Costa não é o melhor primeiro-ministro que podíamos ter e Rui Rio não é sequer alternativa.

Rio, que tinha no distanciamento à situação dos Açores a primeira missão, nem a porta ao Chega conseguiu definitivamente fechar. Ele, que mudou de opinião quanto a alianças com a extrema-direita mal cheirou a poder nos Açores, vem agora classificar o unipessoal partido de Ventura como não confiável. Conseguiu ainda discutir políticas do século XIX em dois ou três debates, a reboque do mesmo Ventura.

Do lado dos partidos mais pequenos, na minha opinião, foi Rui Tavares quem verdadeiramente aproveitou a oportunidade para mostrar a clareza de um raciocínio que merece estar no parlamento.
Catarina Martins também se preparou bem e aguentou um registo que sabemos não ser o seu, mas foi eficaz. De igual forma e para um eleitorado muito específico, Francisco Rodrigues dos Santos não esteve muito mal. É certo que falou essencialmente para toureiros, forcados, caçadores e famílias de Cascais com montes no Alentejo, mas, para quem ainda pensa que está em 1956 a explorar africanos na sanzala, aquele discurso esteve sempre afinado.

Boletim de voto para o distrito de Lisboa

Já João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e André Ventura, perderam mais uma oportunidade para agarrarem o palco. O líder da IL, apesar de bem falante, calmo e educado na troca de ideias, raramente foge do registo da “liberdade individual e menos Estado”, e, quando lhe perguntam como se paga essa liberdade, invariavelmente concluímos que é o mesmo Estado que ele não quer ver.

Há alguns anos que a IL nos vende cartazes coloridos e países onde o liberalismo é maravilhoso (menos os EUA, aí parece que correu pior), mas, por mais tinta que metam nas telas, para quem os ouve fica sempre a ideia que o cálice sagrado está na transferência de dinheiro do Orçamento de Estado para negócios privados.

Inês Sousa Real perdeu-se no monotema e na constante repetição das contradições verdes. Transição energética para o lítio, mas sem estragar o solo para o obter. Menos carne de vaca e mais soja sem mexer nas florestas. Fecho de centrais energéticas sem alternativa para os trabalhadores. Falta de ideologia política oferecendo-se para ser bengala tanto a PS como a PSD. Vale ao PAN a vontade férrea de Costa para uma nova geringonça.

André Ventura foi o maior derrotado destes debates porque 12 minutos x 7 são incrivelmente difíceis de preencher com fotocópias, Mercedes à porta de ciganos, RSI para uma percentagem mínima da população ou conversas com Deus. A pobreza de ideias e a limitação do discurso de André Ventura ficou à vista de todos e isso, a bem da democracia, foi uma boa notícia. Quando digo todos não me refiro, obviamente, à Parrachita, ao Tilly e ao Calafate da TVI/CNN. Para esses, o pastor “arrasou” sempre.

Falta Jerónimo, o homem que passou ao lado dos debates. Desde logo porque, em direto, nos mostrou que já não devia ali estar, e que a sua era, respeitada por militantes e adversários, já passou. Há muito. Valeu a Jerónimo e ao PCP, primeiro, João Oliveira e depois, o facto de a base eleitoral ser fiel e não abanar muito ao ritmo das TVs. É tempo de renovação na Soeiro Pereira Gomes. Ontem já era tarde.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Primeiro episódio da Recensão Eleitoral (16/01/2022) – Legislativas em tempos de sound bites


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