Rui Rio não ficou contente com a trapalhada sobre a TAP no debate com António Costa e resolveu voltar à carga.
Disse, e cito, “a TAP é uma empresa que não só não é estratégica como não serve os interesses de Portugal. Não serve o resto do país, porque só pensa em Lisboa, e não serve Lisboa porque prefere Madrid ou qualquer outra cidade estrangeira.”
Quando meteu os pés pelas mãos com a história dos voos entre Lisboa ou Madrid, com destino São Francisco, eu ainda dei o benefício da dúvida. Poderia ser simples ignorância de quem o ajudou a preparar o debate, e enfim, como tantos outros, ter tido um momento infeliz em directo.
Contudo, depois de toda a discussão que o debate gerou e com explicações oferecidas de todo o lado, já não há grande espaço para acreditar que não exista uma alma no PSD capaz de explicar que qualquer companhia aérea cobra menos por um voo com escala do que por um voo direto.
A Lufthansa, da sempre estimada referência alemã utilizada por Rio em cada esquina, cobra quase o dobro a um alemão que vá de Frankfurt a Los Angeles directamente, se comparado com um sueco que inicie a mesma viagem, mas em Estocolmo. Será a Lufthansa uma companhia que não serve Alemanha?
Claro que Rio sabe o que está a dizer e a fazer. Chama-se populismo barato. Mas não fica por aqui. Rio diz que a TAP não serve Portugal porque só pensa em Lisboa, isto, apesar da companhia de bandeira portuguesa ligar todos os aeroportos do país ao seu hub.
Eu não sei se Rui Rio alguma vez saiu de Portugal e andou de avião, mas também não foi a TAP que inventou a história dos hubs e muito menos a sua localização. Um dia que tenha tempo, Rio poderá pedir a um assessor que conte o número de voos da Iberia em Barcelona, da KLM em Roterdão, da Air France em Marselha, da SAS em Gotemburgo ou da Lufthansa em Hamburgo.
Compreendo que seja necessário estimular o eleitorado de direita com o fantasma do despesismo público e, neste caso, a TAP presta-se ao papel. Isto porque, obviamente, a banca privada onde gravitam os barões do PSD ficou esquecida nos ataques de Rui Rio. Calculo, pois, que seja estratégica para alguém que não Portugal ou a sua classe média.
Rio defende nova privatização da TAP, quiçá como a anterior feita no governo de Passos Coelho e elogiada pelo atual líder do PSD. Se for para pagarem novamente a alguém para ficar com a TAP e garantirem a margem de lucro, espero que metam o anúncio no jornal. Há, pelo menos, 10 milhões de portugueses interessados em borlas de 3 milhões de euros.
Nas eternas discussões sobre a TAP e, em particular, no ataque contínuo da direita à companhia de bandeira de um país periférico, pobre e com 5 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, há um argumento que me faz sorrir. O de que o mercado ocuparia os slots das rotas da emigração. Sim, sim. O mercado que se regula pela maximização do lucro e que altera rotas mal a faturação se veja atingida pela turbulência, iria assegurar ligações a cidades secundárias, países mais remotos ou zonas onde vivem poucos milhares de portugueses.
É preciso estar no conforto de casa, ver o Atlântico pela janela e nunca ter dependido das ligações da TAP para ir a Portugal, para dizer esta cascata de disparates.
Bem sei que estamos em tempo de vale tudo na caça ao voto e Rio discute eleitores com a Iniciativa Liberal, mas a comunidade portuguesa a viver no exterior não pode servir apenas para o ramalhete do 10 de junho ou para o envio de remessas. Exige-se mais algum respeito.
Por nós e pela TAP.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Segundo episódio da Recensão Eleitoral (17/01/2022) – Rio e o fetiche da TAP
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