Recensão Eleitoral

O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Janeiro 19, 2022


Categoria: Opinião

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Começo por dizer que valorizo a coragem de quem consegue argumentar em frente a uma câmara de televisão, pressionado pelo tempo e sabendo que milhares de pessoas, no século que tudo regista e armazena, estão à escuta.

Dito isto, acrescento, que sob a capa de serviço público e suposto favor à democracia, a RTP serviu-nos ontem, em horário nobre, um espectáculo de horrores.

É um facto que, mesmo na era das redes sociais, um partido que não tenha tempo de antena numa televisão dificilmente passa a sua mensagem. Mas colocar onze pessoas numa sala, dar meia dúzia de minutos a cada um, e misturar malucos com pessoas que têm algo para dizer, dificilmente acrescenta alternativas ao debate político.

Eu não percebo, por exemplo, como se explicam as décadas de intervenção política de José Pinto Coelho, e aquele papel de odioso de serviço a que ele se dedica desde sempre. Menos ainda, como é que aquele discurso tem cinco minutos de antena pagos por todos nós. Mesmo que apenas de quatro em quatro anos, como ele se queixou, é tempo a mais para um partido de ideologia nazi que pura e simplesmente devia ser ilegal. Em 2022 ainda temos saudosistas de 1939 em horário nobre.

Em sentido oposto estavam o recém-criado Volt, com uma ideia europeísta interessante, e os dissidentes do Bloco de Esquerda reunidos no MAS. Dois projectos políticos que teriam algum interesse de serem ouvidos em confronto com outros intervenientes. Assim, no meio de elefantes, tubarões e golfinhos, destacaram-se apenas por não terem um discurso risível.

Carlos Daniel fez o que sabe e bem. Distribuiu jogo com a classe de Valdo na década de 80. Deu uns empurrões ao Tino quando o discurso falhava, aturou com paciência as teorias sobre o grande reset, e ainda ouviu que os testes da covid-19 eram uma enorme desculpa para evitar jantar com as sogras. Menos a minha, disse ele, beijinhos para a dona Fernanda, acho que era esse o nome.

Eu ainda tentei tirar notas, mas também não as percebo no dia em que escrevo. O caos instalou-se. Os emigrantes, tema tão caro nestes tempos, foram referidos por duas vezes. Pelo MPT (Movimento Partido da Terra), para que não se fossem embora, numa referência à dramática perda de mão-de-obra qualificada. E pelo Ergue-te, para que não entrassem e não viessem roubar os empregos dos portugueses. Isto, num país que nem preenche a sua quota de refugiados. Ninguém quer vir para o nosso cantinho à beira-mar plantado. Porque será?

O representante madeirense do JPP falou da necessidade de baixar a dívida pública, sem explicar se os calotes do Alberto João ao erário nacional seriam contabilizados. O Partido Trabalhista afirmou que já não havia RSI nos Açores, e que o tubarão se encaminhava agora para Lisboa, restando ao PTP a nossa defesa com golfinhos.

Tino de Rans disse que as empresas de sondagens lhe pediriam desculpas no dia 31, e, ao fim de 20 anos, ainda não conseguiu arranjar uma ideia.

O senhor do Aliança, ainda órfão de Santana, começou por se distanciar de CDS, IL, PSD e CHEGA. Por pouco não se confundiu com o PCP.

Cavalgando a onda de militares que são óptimos em logística e na organização de eventos, o senhor dos NÓS fez questão de dizer que era contra tudo e o seu contrário, mas que, tal como o outro camarada, também ele era oficial da Armada e iria resolver tudo. Não esclareceu se o passo seguinte seria a Presidência da República.

A representante do MRPP cumpriu o objectivo da noite, que era usar a palavra “burguês” pelo menos três vezes. O PREC foi um período lindo, estamos de acordo, mas era bom que avisassem o PCTP-MRPP que já acabou.

O momento de humor da noite aconteceu quando Carlos Daniel perguntou a José Pinto Coelho se este era racista. Julgo que JPC terá ficado ofendido com a mais pequena dúvida sobre esse orgulho que carrega na lapela.

A única coisa que verdadeiramente retirei deste debate foi a curiosidade de ir ver o que VOLT e MAS tinham para dizer fora daquele estúdio. São projectos interessantes, e, pelo menos, no caso do VOLT, acho que poderão ambicionar chegar à Assembleia da República em poucos anos.

Foi o que se conseguiu ouvir de uma noite recheada, essencialmente, de vergonha alheia.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Quarto episódio da Recensão Eleitoral (19/01/2022) – O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores


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