Recensão Eleitoral

Os que só contam em Agosto

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Janeiro 20, 2022


Categoria: Opinião

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991.536 é um número importante para a discussão que se segue. É, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a quantidade de portugueses que foi trabalhar para outro país entre 2011 e 2020. Um período de 10 anos em que cerca de 10% da população se foi embora.

Em 2019, Portugal tinha o equivalente a 25% da sua população espalhada pelo mundo. Para se ter uma noção do que isto significa, apenas quatro países europeus apresentam uma percentagem pior: Macedónia, Albânia, Moldávia e Bósnia. Todos fora da União Europeia, um deles devastado por uma guerra há pouco mais de 20 anos.

Este cenário é o de uma catástrofe para Portugal. Especialmente quando pensamos neste último milhão que se foi embora. São a chamada “geração mais qualificada de sempre”, que, depois de formados pela escola pública com investimento estatal, vão utilizar os conhecimentos adquiridos no desenvolvimento da Economia da Alemanha, Dinamarca, Suécia, Holanda ou Reino Unido.

Por que razão chamo este tema num diário de campanha sobre as legislativas? Simples. Para que nos lembremos de temas decisivos para o futuro do país que não entram no debate, completamente afogado em covid, SNS e alianças pós-eleitorais.

Discutimos horas e horas de RSI, essa gota no oceano do Orçamento de Estado, mas, de bom grado, passamos ao lado do facto de um país cada vez mais envelhecido, perder 100.000 trabalhadores por ano, colocando o Estado Social em causa, a garantia das pensões, o crescimento da economia e do desenvolvimento tecnológico. Somos o país da Web Summit que vende sonhos de start-ups, mas cuja principal exportação resultante dessa feira é apenas os seus engenheiros.

man with backpack beside a books

Ouvi alguns partidos usarem bordões de ocasião. “Temos que impedir que os que cá estão se vão embora”, ou “temos que fazer com que regressem a casa”. Como, pergunto eu? Há 15 anos que tento descobrir a resposta.

Entre os impostos noruegueses, custos de habitação parisienses e salários do Ruanda, como é que se sobrevive sequer? Como é que, 70% da população que não leva 900 euros para casa, paga a conta da electricidade para suportar o frio das casas no Inverno, a prestação do carro durante um ano e a renda do T2? Como é que se encaixa isto com três refeições diárias, roupa para os miúdos, manuais escolares e 900 euros?

O que eu queria ouvir falar nesta campanha era disto: salários. Para quem está, para quem foi, para quem quer voltar. É essa a razão pela qual as pessoas se vão embora. Ninguém abandona os 300 dias anuais de céu azul de Lisboa, a vista de Gaia para o Porto, o sol do Algarve ou as paredes caiadas do Alentejo, se não andar cada mês da sua vida a trabalhar para pagar contas.

Três tipos de pessoas não pensam em emigrar neste momento:

i) os que não têm perspectivas de trabalho;

ii) os que estão na percentagem mínima de funções bem remuneradas;

iii) os boys dos partidos e os filhos dos banqueiros.

Portanto, uma minoria. E isso explica a sangria de pessoas que atravessam a fronteira, em cada ano, com maior ou menor qualificação, mas com vontade de trocar a força do seu trabalho por uma vida confortável.

A quantidade de mão-de-obra que oferecemos aos parceiros europeus é uma espécie de Natal português em forma de dádiva para os países mais ricos. Um Natal que reserva, em cada ano, aos nossos governantes, o triste papel de burro do presépio.

Estarão eles preocupados? Provavelmente não.

Para já estão concentrados nas suas próprias entrevistas de emprego. Ou campanha eleitoral, como alguns lhe chamam.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Quinto episódio da Recensão Eleitoral (20/01/2022) – Os que só contam em Agosto


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