Vértebras

Quatro lições sobre o caso da morte da criança vacinada (incluindo um ‘engasganço’ do Expresso), se formos todos parvos

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Janeiro 20, 2022


Categoria: Opinião

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Não existem 100% de certezas, mas a simples comunicação ao Infarmed de um potencial efeito adverso da vacina da Pfizer da gravidade de uma morte de criança, deveria ter levado já à suspensão da vacinação neste grupo etário.

Não há urgência justificável para se manter um programa vacinal em crianças, ademais sabendo que no grupo dos 5 aos 11 anos ainda não morreu qualquer uma por covid-19. Além disso, em plena fase de “avalanche” de casos positivos (só ontem foram mais 56.426), a peregrina ideia de os netos poderem “proteger” os seus avós já vacinados, ainda faz menos sentido. Na verdade, pelos números de infectados com menos de 20 anos disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde (164.262 casos positivos nos menores de 10 anos; e 236.844 no grupo dos 10 aos 19 anos), estimo que quase 130 mil crianças dos 5 aos 11 anos já tiveram contacto com o vírus desde o início da pandemia. Zero mortes em 130 mil casos. Onde está a urgência?

Após a autópsia da malograda criança, e antes mesmo de qualquer certeza que os exames toxicológicos e anatómicos tragam, há já quatro lições a retirar:

1 – A pergunta retórica e demagógica do vice-almirante Gouveia e Melo – “Uma hora de vida de um idoso é menos importante do que uma hora de vida de um jovem?” – deveria ter tido uma resposta unânime: “Sim”.

“Uma hora de vida de um idoso é menos importante do que uma hora de vida de um jovem?” Sim.

A vida de um jovem, de uma criança, tem um valor incomensuravelmente superior à de um idoso, porque com a sua perda se desmoronam esperanças, sonhos e experiências que os mais velhos tiveram oportunidade de usufruir. A solidariedade intergeracional faz uma sociedade ser civilizada. Aliás, muitos dos problemas ambientais com que nos deparamos (e não são somente as alterações climáticas) advêm da ausência de solidariedade entre gerações, entre os velhos perante os jovens, entre os políticos que decidem em relação ao futuro das crianças que não têm ainda voto na matéria.

Sim: as crianças merecem mais horas de vida do que um idoso.

Notícia do Expresso de 18 de Janeiro de 2022, colocando a “hipótese# de “poder ter sido” um engasgamento a causa da morte da criança

A resposta do vice-almirante foi possível, e elogiada, porque vivemos na era do populismo. E esse populismo enraizou-se porque se coloca tudo numa visão maniqueísta de escolha de um lado ou de outro. Recordo, aliás, uma frase do ex-presidente Ramalho Eanes, por sinal outro militar, no início da pandemia: “Se necessário, [nós, os idosos] oferecemos o ventilador ao homem que tem mulher e filhos”. Parecendo postura heróica, na altura pensei que um país decente não poderia permitir que um idoso tivesse necessidade de oferecer a vida para salvar um jovem; um país decente deveria salvar ambos.

2 – A comunicação social, com excepção do Correio da Manhã (saliente-se), enveredou sempre, em relação ao fatídico caso da criança, por uma tese desculpabilizante do Governo, da Direcção-Geral da Saúde e dos membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).

Na verdade, independentemente da causa da morte desta criança ser atribuída à vacina, andaremos sempre sob uma espada de Dâmocles: o programa de vacinação destinada às crianças portuguesas dos 5 aos 11 anos não conseguirá salvar uma vida sequer pelo simples facto de, em quase dois anos, não morreu nenhuma. Por isso, qualquer morte por causa da vacina colocará logo o programa de vacinação numa situação de ser pior a cura do que a doença. E isto é insustentável. Não tem “margem de manobra”, ao contrário do que sucede com os mais idosos, onde a letalidade elevada da covid-19 pode “encaixar” perdas colaterais devidas à vacina.

3 – O trabalho de certos jornalistas da imprensa mainstream mostrou-se, mais uma vez, em todo o seu esplendoroso servilismo. A extraordinária notícia do Expresso de anteontem – elaborada por uma jornalista que não é naif, porque escreve sobre assuntos de Saúde há mais de 20 anos –, sob o título “Engasgamento com comida ou objeto pode ter sido causa da morte de menino de seis anos”, foi um atirar de areia para olhos da opinião pública. Hoje o “pode ter sido” serve para tudo. Teve este artigo, porém, o desejado objectivo de lançar a confusão necessária para que o Governo e, em particular, o Partido Socialista evitassem sequer ter de prestar declarações. Ajudou também uma campanha eleitoral em que a pandemia se mostra tema tabu, como se aquela não se tivesse embutido nas nossas vidas nos últimos dois anos.

Notícia da RTP “desmentindo” posteriormente a notícia do Expresso.

Vamos ser claros, e sem ingenuidades: alguém acredita que, se a tese do engasgamento fosse plausível, os médicos que assistiram a criança teriam sido assim tão lestos a informarem o Infarmed sobre um potencial efeito adverso da vacina? Será que um jornalista com dois dedos de testa não saberá que, ao longo de um ano, já morreram largas dezenas de pessoas, sobretudo idosas, que tinham sido vacinadas, mas cujos óbitos, na sua quase totalidade, facilmente se atribuiu a outras causas (que não as vacinas)?

Agora, mesmo com o desmentido do próprio Hospital de Santa Maria, como só haverá conclusões sobre a causa da morte da malograda criança daqui a um mês, o “serviço” do Expresso foi consumado com sucesso. Parabéns!

4 – Pela postura de certos especialistas, e em particular da Ordem dos Médicos – que apelou para “que se mantenha a serenidade que uma situação destas exige” e que é “necessário aguardar pelas conclusões da equipa forense, nomeadamente pelos resultados da autópsia médico-legal e potenciais exames toxicológicos” –, fica-se com a perfeita noção da dissonância cognitiva dos gestores da pandemia.

Note-se que, no caso das mortes contabilizadas pela pandemia, a Direcção-Geral da Saúde sempre tudo contabilizou: pessoas com ataques cardíacos, AVC, quedas de cama, suicídios, acidentes rodoviários e outras bizarrices, se tivessem um teste positivo as suas mortes foram catalogadas automaticamente, e sem qualquer dúvida, por covid-19. Existe mesmo uma norma que determina que em lares com surtos as mortes sejam sempre classificadas como causadas pelo SARS-CoV-2 até prova em contrária. Como não houve autópsias, nunca essa prova contrária surgiu.

Saliente-se também que, nos casos de miocardites ou da síndrome inflamatória multissistémica – que já existiam antes da pandemia –, os mesmos especialistas não têm dúvidas de estas raras afecções estarem associadas à covid-19 no caso de crianças com teste positivo anterior, mas já colocam reticências sempre que surjam após a toma da vacina.

Estas são as tristes lições que temos de aprender. Se formos todos parvos.

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