Uma ausência de peso nos debates foram os grandiosos planos quinquenais do regime. Em todos, como sabemos, sempre está o milagre que nos livrará do subdesenvolvimento e da cauda da Europa.
Infelizmente, aquilo que mais se tem visto, há décadas, é uma condução em direcção a essa cauda.
Há mais de um ano, o PS – pela mão de Costa Silva, por forma a preparar o festim da anunciada bazuca – apresentava-nos outro plano, aparentemente escrito em apenas dois dias, que defendia “mais estado na Economia” – o que já temos não parece ser suficiente – e a “capitalização” (um eufemismo para designar o enterro de milhões de euros) da bancarroteira TAP.
É pena! Tínhamos saudades da discussão de planos durante uma campanha eleitoral. Quem não se lembra do Plano Tecnológico de José Sócrates? Em 2007, foi assim anunciado: “O Plano Tecnológico é uma peça essencial da política económica… para responder de vez aos problemas estruturais que têm afectado o crescimento económico de Portugal”.
Na prática, tratava-se de um elenco de lugares-comuns, vagas intenções, frustrações, sentimentos e aspirações. Adicionalmente, também apresentava uma enorme lista de compras. Hoje, sabemos porquê: amigos, correligionários e compadres, envolvidos na patranha divertiram-se a desperdiçar e a embolsar o nosso dinheiro e a endividar-nos até ao infinito.
Uma das listas de compras do plano rezava assim: “Fornecer às escolas com 2.º e 3.º ciclos do ensino básico ou com ensino secundário: 310.000 computadores até 2010; 9.000 quadros interactivos por ano até 2010; 25.000 videoprojectores até 2010”.
Nestas coisas, fica sempre a pergunta: por que não 330 mil computadores, em lugar de 310 mil? Mas os planeadores centrais nunca nos conseguem responder a estas perguntas. Organizam uma tertúlia e decidem que são 330 mil. É indiferente, o dinheiro não é deles!
O que fica para a história deste plano tecnológico? O então primeiro-ministro perdeu uma fulgurante carreira como vendedor itinerante de computadores Magalhães, e os problemas estruturais do país foram resolvidos em definitivo… com uma terceira bancarrota! Para nossa sorte, a equipa que o ajudou a conduzir-nos à ruína, não só governou nos últimos seis anos, de mão dada com comunistas e trotskistas, como se apresenta de novo a eleições, desta vez, não com os originais, mas com as filhas, as esposas, as mulheres, os primos…
Talvez o único partido que apresentou à discussão um “plano” nestas eleições foi a Iniciativa Liberal (IL), dado que tiveram a “coragem” de apresentar, embora com atraso, um calhamaço de 614 páginas! Através deste “plano”, para nossa surpresa, ficámos a saber que a Iniciativa “Liberal” também deseja “mais Estado e mais regulação”. Aliás, parece que não há partido que não o deseje.
Na página 499 do calhamaço anunciam: “Assegurar que a legislação promove a estabilidade dos activos virtuais, em especial das criptomoedas (moeda digital), enquanto classe de activos, que permita a sua disseminação e transacção de forma adequada, mitigando adequadamente o risco da formação de eventuais fenómenos de bolha”.
Ficámos a saber que vão existir uns burocratas, eleitos certamente pelos líderes da IL, que nos irão dar a conhecer o nível de preços a partir do qual se designa por “bolha”. Afinal, a livre interacção de compradores e vendedores num mercado não é suficiente, alguém nos vai informar sobre o momento em que a mesma chega. Se chegar, talvez mandem encerrar o mercado, para nossa protecção.
Na página 502 do calhamaço temos esta pérola: “Os activos virtuais têm vindo a assumir uma importância crescente enquanto classe de activos, com destaque para as criptomoedas. Dada a elevada volatilidade e número elevado de moedas existentes, importa ter um quadro regulatório claro, assim como de tributação adequada, contribuindo assim para uma maior estabilidade para os investidores e/ou aforradores que aqui decidam alocar os seus recursos. Para além dos activos em si, importa também regular o funcionamento de bolsas (exchanges), para mitigar práticas anticoncorrenciais, como o front running”.
Aqui ficamos perplexos: os nossos “liberais” desejam mais tributação sobre a Economia, a que existe parece não ser suficiente, mas não só: a tributação sobre as criptomoedas irá assegurar, aparentemente, a estabilidade de preços! Ou seja, onera-se a transacção para que deixe de ter lugar. Nada como matar um mercado para assegurar a “estabilidade” de preços.
Mas a ambição da IL não fica por aqui. Também desejam regular as bolsas de criptomoedas. Ou seja, bolsas que se encontram disseminadas pela Internet, vão agora ficar debaixo da alçada dos reguladores. Podem seguramente esperar sentados para ver isso acontecer.
Por fim, demonstram eloquência: querem acabar com o front running, ou seja, com a prática ilegal de obtenção de informações antecipadas. Alguém elucide o escritor deste parágrafo que esta prática é hoje realizada sob os olhos de uma pletora de reguladores. Para tal, basta investigar de que forma obtêm lucros as corretoras de comissões 0%, que vendem informação sobre as instruções dos seus clientes a institucionais – uma espécie de entrega de carneiros para o sacrifício. Dificilmente irá encontrar tal prática nas bolsas de criptomoedas, pois estas não estão centralizadas; bem pelo contrário: é um mercado verdadeiramente atomizado, algo tão ambicionado pelos teóricos da concorrência perfeita que pululam pelas universidades.
Costuma-se dizer: com amigos destes, quem precisa de inimigos? Dá vontade de afirmar: com liberais destes, quem precisa de socialistas?
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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