Recensão Eleitoral

A ultrapassagem que vem de Leste

two black cats looking outside a glass window

por Tiago Franco // Janeiro 27, 2022


Categoria: Opinião

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Ao fim de sete dias de empates técnicos nas sondagens, os discursos finalmente mudaram. Costa deixou de pedir a maioria absoluta corrigindo um erro que não devia ter cometido e Rio, saindo da posição de humildade onde já esteve, deu mais um empurrão ao adversário dizendo que era tempo de este aprender a perder. Os estrategas da campanha de Rui Rio devem ficar com cólicas de cada vez que o deixam sozinho por mais do que 5 minutos.

É curioso perceber como o tracking poll vai influenciando a campanha. Isto apesar de os dados revelados pela CNN diariamente terem uma margem de erro de mais de 10%, já que apenas 150 pessoas variam na amostra diária. Mas lá que as campanhas dançam ao ritmo das sondagens, já ninguém duvida.

Um dos temas mais marcantes destas legislativas, trazido para o debate pela direita em geral, tem sido a ultrapassagem dos países de leste a Portugal e a nossa crónica posição na cauda da união europeia.
Há duas coisas que me irritam particularmente nessa discussão. Desde logo que se refiram a eles como “ex-países de leste”, como se, entretanto, se tivessem movido para as Caraíbas. Depois, a demagogia e populismo usados para explicar essa ultrapassagem.

Liberais culpam o Governo pelo Estado Social e carga fiscal. O PSD diz que as leis do trabalho não são flexíveis e competitivas. O CDS culpa a falta de produtividade na lavoura e o Chega, imagino, culpará os emigrantes que chegam ao paraíso para nos resgatarem aqueles empregos altamente aliciantes nas obras e nas limpezas.

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Findo este discurso atira-se com um “a geração mais qualificada de sempre” e “emigração”, mexe-se bem e temos uma receita de populismo e sound bites, que explica coisa nenhuma sobre a ultrapassagem, mas que deixa, na tal geração mais preparada, a sensação que aconteceu uma calamidade e por isso, ficámos para trás.

Ora, de facto aconteceu uma calamidade. Chama-se “Escola Pública”.

Aquilo a que Portugal chama a geração mais qualificada de sempre representa, na verdade, 25% de frequência universitária entre a população com mais de 25 anos e menos de 64. Estónia e Lituânia, dois daqueles países que aparecem sempre como exemplo do nosso fracasso, caminham para metade da população (42% e 44%, respectivamente em 2020) com frequência universitária.

A imagem que nos tentam passar dos países do leste europeu, como se fossem de terceiro mundo, é pura e simplesmente falsa e por aí começa a nossa frustração, ao não percebermos de facto com quem estamos a concorrer.

O índice de educação, publicado anualmente pelas Nações Unidas, que relaciona o tempo expectável na escola com o tempo que efectivamente se passa na escola, tinha a Lituânia e a Estónia no top 25… em 1990. Portugal ocupava por essa altura uma honrosa 63ª posição, lado a lado com a Mongólia, Panamá, África do Sul e Bolívia.

Em 2019, Lituânia, Estónia e, já agora, Letónia e Polónia, continuavam pelo top 25 e Portugal, galgara cerca de cinco posições. Era agora quinquagésimo sétimo, em parceria com Tonga, Grenada e Bahrain.
Portanto, é com isto que estamos a lidar e é esta a razão para o nosso atraso. A “melhor geração de sempre” que chegou a Portugal em 2022, já tinha passado pelo Báltico no século passado. Logo, assim que entraram no mesmo espaço económico, estranho era se não ultrapassassem um país com um nível de educação muito mais baixo.

A dúvida agora é o que fazer daqui para a frente? Demorámos 30 anos a recuperar os níveis de educação para algo parecido com a primeira divisão europeia (embora continuemos atrás da maioria). Deve a aposta ser toda na educação universal que só o pode ser se for oferecida no serviço público a troco da contribuição fiscal? Apostamos em pagamento de salário digno aos professores? Ou jogamos na roleta de um sistema misto onde o estado arca com os custos públicos e privados, mas os alunos só têm acesso garantido ao que for público com investimento reduzido?

A História explica.

Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


Décimo segundo episódio da Recensão Eleitoral (27/01/2022) – A ultrapassagem que vem de Leste


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