Quem assiste aos telejornais ou percorre as ruas ou aplica as regras impostas pelo Governo, pensará que a situação pandémica estará, pelo menos igual, ou pior do que estava há um ano. A PÁGINA UM foi fazer as contas.
O PÁGINA UM realizou uma análise comparativa da taxa de letalidade da covid-19 – ou seja, dos óbitos atribuídos a esta doença por cada 100 casos positivos – não apenas entre países, mas também entre períodos.
Pretendia-se observar se a actual situação da pandemia justifica o clima de medo ainda instalado em Portugal – com pressões para, por exemplo, se vacinarem crianças, grupo praticamente não afectado por esta doença –, que tem implicado ainda a manutenção de restrições sociais e económicas, e um modelo discriminatório dos não-vacinados, mesmo daqueles com imunidade natural após infecção anterior.
Cada vez mais se torna evidente que, além do programa de vacinação abranger uma cobertura quase total das comunidades mais idosas, a variante Ómicron é, claramente, menos agressiva. Por exemplo, um recente estudo de investigadores da Universidade Politécnica de Hong Kong, ainda não revisto pelos pares (peer review), adiantam que a variante Ómicron, apesar de uma transmissibilidade três vezes superior às anteriores, mostra um a redução da taxa de letalidade de 87,8%.
Isto significaria que, se com a variante Alfa ou Delta, a taxa de letalidade rondava, em geral, os 2% nos países mais desenvolvidos, torna-se expectável que com a Ómicron viesse então a atingir valores próximos de 0,25% ou ainda mais baixo.
Vejamos então.
Para esta análise, incluímos, além dos 27 países da União Europeia, mais três países europeus (Noruega, Reino Unido e Rússia), e ainda Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia, Nova Zelândia. A taxa de letalidade foi calculada para dois períodos distintos: os primeiros 12 meses da pandemia – assumindo que, na generalidade destes países, os óbitos atribuídos à covid-19 começaram em Fevereiro de 2020; e os últimos seis meses, de modo a abranger o surgimento da variante Ómicron, associado também a um aumento muito significativo de casos positivos.
Assim sendo, para ambos os períodos – o primeiro terminado em 1 de Fevereiro de 2021; o segundo compreendido entre 1 de Agosto de 2021 e 1 de Fevereiro do presente ano –, obteve-se os valores tanto dos casos positivos como dos óbitos. A informação foi recolhida no site Worldometers.
Um dos aspectos mais relevantes é a notória descida – muito significativa em muitos países – das taxas de letalidade entre o primeiro e o segundo período analisado. A única excepção é a Rússia, que regista um incremento de 1,05 pontos percentuais (p.p.), passando de 1,92% para 2,97%. Apesar de ser um país actualmente com uma relativamente baixa taxa de vacinação (48,8% da população com duas doses), nunca se sentiu um efeito relevante desse fármaco.
Ao invés, desde finais de Junho do ano passado, os óbitos têm estado sempre em níveis muito mais elevados do que nos períodos anteriores, antes do fabrico das vacinas. Por outro lado, o pico dos óbitos verificou-se em meados de Novembro, sensivelmente na altura do surgimento da Ómicron, e a partir daí as mortes têm tido uma tendência decrescente, apesar da acentuada subida de casos positivos. Entre 10 de Janeiro e início de Fevereiro deste ano, os novos casos diários aumentaram cerca de 10 vezes, situando-se agora nos 153 mil por dia (média móvel de sete dias).
Em todo o caso, a actual taxa de letalidade na Rússia não atinge os níveis que ocorriam em qualquer destes países analisados durante a primeira fase da pandemia. A taxa de letalidade era, ao fim do primeiro ano, superior a 3% na Austrália (3,15%, apesar do número absoluto relativamente reduzido de vítimas), Hungria (3,42%), Itália (3,45%), Grécia (3,66%) e Bulgária (4,15%).
Observavam-se ainda 12 países com taxas de letalidade entre 2% e 3%. Apenas três países (Chipre, Noruega e Estónia) tinham taxas de letalidade inferiores a 1%. Portugal (1,78%) estava então no lote de 16 países com taxas entre 1% e 2%. Saliente-se que, nesta fase, ao fim do primeiro ano da pandemia, a Suécia estava na 16ª posição no grupo destes países, com uma taxa de letalidade de 2,11%, apesar das sistemáticas críticas ao modelo de gestão escolhido que não passou por lockdowns nem pelo uso obrigatório de máscaras.
O cenário ficou bem mais favorável a partir de Agosto do ano passado. Devido, em grande parte, por um significativo número de recuperados possuírem agora imunidade natural, pela menor agressividade da variante Ómicron e por via do plano de vacinação – não necessariamente por esta ordem, em termos de relevância –, observa-se nos últimos seis meses uma fortíssima redução da mortalidade atribuída à covid-19. Isto apesar de um colossal aumento dos casos positivos na quase generalidade dos países ao longo do último semestre, mas sobretudo no último mês.
Aliás, o inusitado crescimento do número de casos – de longe, a incidência de casos positivos é a maior registada ao longo de dois anos de pandemia – parece confirmar, por um lado, a maior transmissibilidade da variante Ómicron. E, por outro lado, mostra também não só a sua menor agressividade, mas, de igual modo, a incapacidade dos vacinados de terem afinal uma menor susceptibilidade à infecção. Isto sem menosprezar, sobretudo para idades avançadas, uma redução relevante, embora passageira, na gravidade da doença em caso de infecção.
Porém, até esta conclusão nos parece necessitar de uma análise cuidadosa, e independente, de modo a apurar o verdadeiro grau de eficácia das vacinas contra a variante Ómicron, sabendo-se que, na verdade, se “destinavam” a atacar as variantes diferentes.
Em todo o caso, interessa destacar que, nos últimos seis meses, apenas três países – Rússia (2,97%), Bulgária (2,79%) e Roménia (2,14%) – apresentaram taxas de letalidade superiores a 2%, quando no primeiro ano da pandemia eram 17. No entanto, o maior destaque vai, certamente, para os 30 países que registaram taxas de letalidade inferiores a 1%. E destes, 14 com taxas inferiores a 0,25%.
Neste último lote – o mais favorável – está Portugal, com uma taxa de apenas 0,15%, ou seja, uma redução de 1,63 p.p. (ou uma redução de 92%) em comparação com o primeiro ano da pandemia. Colocar o país em quarentena, manter restrições com estes níveis de agressividade do “actual” SARS-CoV-2, ou discriminar não-vacinados, aparenta ser algo, no mínimo, absurdo.
Similar situação é a da França, outro país com uma redução brutal nas taxas de letalidade, passando de 2,55% no primeiro ano para apenas 0,14% nos últimos seis meses. Considerar que na França se está agora perante a mesma pandemia de 2020 será somente miopia. E a insistência de Emmanuel Macron, presidente francês, em impor a vacinação universal parece dever-se mesmo à sua vontade, como afirmou, de “chatear” e “irritar” os não-vacinados, porque justificações de Saúde Pública parecem não existir.
A Áustria – que se tornou, por agora, o único país da União Europeia, a instituir a vacinação obrigatória para adultos –, apresentou uma taxa de letalidade de 0,27% nos últimos seis meses. Muito abaixo dos 1,87% que registou no primeiro ano da pandemia.
A Alemanha, onde também se discute a obrigatoriedade da vacinação – e de onde é natural a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma apoiante da medida –, também apresenta uma baixa taxa de letalidade nos últimos seis meses (0,40%), que contrasta com os 2,68% do primeiro ano. Note-se que, nestes dois países, a taxa de vacinação contra a covid-19 se situa, respectivamente, nos 76% e 74%, o que significa que a população mais vulnerável, sobretudo idosos, já estará quase toda imunizada.
Recorde-se que a taxa de letalidade para a pandemia do H1N1 em 2009 terá rondado os 0,5%, e estima-se que, por exemplo, na época de gripe sazonal nos Estados Unidos de 2018-2019 esse indicador rondou os 0,1% (28 mil mortes por gripe e pneumonias em 29 milhões de infecções), sendo que na de 2019-2020 foi de 0,06% (20 mil mortes em 35 milhões de casos).
Estes são os factos. Esta é, portanto, a actual situação da pandemia na Europa e em outras paragens importantes do Mundo. O resto não é Saúde Pública; é política.
NOTA: Os valores das taxas de letalidade nos países analisados nos dois períodos podem ser consultados AQUI.