Visão da Graça

O jornalismo e a banalização do extremismo

person holding brown and white chocolate bar

por Elisabete Tavares // Fevereiro 11, 2022


Categoria: Opinião

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Despediu-se de mim com o emoji de um beijo. Senti um arrepio. Aquele beijo de ocasião no final de uma troca de comentários online marcou-me. Aquele simples emoji. A “conversa” começou quando enviei as melhoras a uma jornalista que relatava como estava a passar de forma tranquila pela covid.

Na primeira vez que teve covid, disse, foi muito pior. Teve muitos sintomas. Agora estava a ser diferente. E atribuía o “milagre” ao facto de ter tomado a vacina. Desejei-lhe as melhoras rápidas, e comentei que também eu e a minha filha tínhamos tido covid em Junho, e quase não tivemos sintomas. Nenhuma de nós tomou a vacina. Apenas isto.

O que se seguiu foi o habitual discurso a que estamos hoje habituados – nós, os recuperados da covid, ou os que não tomaram a vacina. Os clichés da “nova ciência” – ou “nova religião” – estavam todos lá. De que só se safam os não vacinados que têm sorte. Que isto é uma roleta russa. Etc., etc., etc..

Ignora-se a Ciência. O bom senso. Ignora-se que há quem rejeite a tese de vacinação em massa da população. Ignora-se a condição de saúde e idade da pessoa. Ignora-se o sistema imunitário. Ignora-se que a atual variante dominante causa muito menos sintomas e é muitíssimo menos letal. [Então no caso das crianças e jovens, nem esta nem as variantes anteriores foram um problema, a não ser em casos raros.]

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Sem mais argumentos da ‘nova ciência’, acabei a ser acusada pela jornalista de ser anti-vacinas (o que é falso, porque sou defensora de vacinas). E, antes do dito beijo, ainda li que, se aquela jornalista decidisse, a vacinação contra a covid seria obrigatória. Ou seja, aquela jornalista defende a imposição a toda a população de uma vacina que começa por falhar em proteger contra a infeção e a transmissão, que não concede a tão propalada imunidade de grupo. Defende a violação da privacidade de cada cidadão, do seu corpo, da sua vontade. E o mesmo para os seus filhos.

Porque sim. E com isto, depois disto, envia-me um beijo. Um beijo. Soube-me como o beijo de Judas. Terminei a conversa comentando como o fim da tolerância é algo assustador nos dias de hoje.

Outros jornalistas partilham desta mesma opinião radical. Não é o primeiro jornalista com que me cruzo que defende a obrigatoriedade das vacinas contra a covid. Muitos repetem as frases que se ouvem nos media.

As mesmas palavras. Os mesmos termos. As mesmas justificações. Mencionam um “consenso”, que é falso, porque nunca existiu. O que tem existido é censura e perseguição. Não é assim que se atingem consensos. O resultado é que temos assistido a manchetes que promoveram o ódio e a desinformação, e que seriam impensáveis em outros tempos. Assistimos a diretos na TV a defender-se a segregação de cidadãos e até a censura.

two women walking together outdoor during daytime

A ascensão desta nova vaga de extremismo é preocupante, e dela não se fala nos media, obviamente. E devia falar-se. Das pessoas que hoje acham normal que seres humanos fiquem barrados e impossibilitados de entrar em locais. Que sejam discriminados e humilhados. Que haja direitos diferentes.

São essas pessoas que daqui a uns anos – ou já hoje – não teriam problemas em defender a criação de bairros especiais, de guetos, para pessoas sem vacina. E a defender a proibição de contactos entre crianças com e sem vacina contra a covid. Mesmo que a vacina não trave a infeção e a transmissão.

As atrocidades a que assistimos em outras épocas e regiões só existiram porque cmontaram com o apoio de “bons cidadãos cumpridores” de ideologias que defendiam a segregação e a discriminação e perseguição.
A segregação atualmente praticada em Portugal é errada. É anti-ciência. Jamais deveria ter existido. Quem tem vacina transmite o vírus como todos os outros. Ponto final. Mas, mesmo que não acontecesse, jamais deveria haver segregação. Em circunstância nenhuma. Que a segregação seja banalizada na comunicação social é chocante. É um ataque à profissão. Uma mancha.

Desde Março de 2020 que testemunhamos, no sector da comunicação social nacional, a uma onda de obediência e submissão às autoridades, totalmente aterradora. Desde o início que os dados divulgados não batiam certo. Quem questionasse, era negacionista. Nos media, não havia questões nem dúvidas. Obedeciam. Como hoje. Ainda hoje, muitos temas continuam a ser um tabu. Quem falar hoje sobre efeitos adversos é anti-vacinas. Ou pode até ser acusado de ser terraplanista, de ser um teórico da conspiração, de ser da extrema-direita, e sabe-se lá mais o quê. Vale tudo para difamar.

Sabemos que o factor medo pesou. São públicas as técnicas de medo que foram utilizadas em diversos países. Mas os jornalistas devem ser imunes a estas técnicas. Ser isento e objetivo exige isso. Ser jornalista a sério exige isso.

Sabemos que os jornalistas são seres humanos como todos os outros. Falham. Têm emoções. Mas não explica como jornalistas deixaram de pensar. E eliminaram a tolerância de um dia para o outro. Como passaram a banalizar a segregação e a discriminação. A banalizar a censura. A perseguição. Os discursos de ódio. A banalizar o mal. Porque é disso que se trata quando se criam castas de cidadãos pela cor da sua pele. Pelo seu género. Pela sua condição de saúde.

five human hands on brown surface

É por isso ainda mais relevante hoje combater o extremismo e a segregação. É das coisas básicas que se deve ensinar aos filhos: a respeitarem-se a si próprios e aos outros. Ensinar sobre a tolerância e sobre o respeito na diferença deve fazer parte do bê-á-bá da educação em casa. Hoje em dia, essa é uma tarefa ainda mais importante.

A tentativa de polarização entre seres humanos é obra de quem persegue ideologias perigosas e sabemos bem onde podem levar. Por detrás de campanhas de ódio, como é habitual neste tipo de vagas, estão políticos sedentos de poder, lobbistas a trabalhar para certos interesses e oportunistas vários. Mas, sem apoio de parte da população, estes “líderes” extremistas não têm base. Por isso, apostam na “educação” em massa da parte mais amedrontada da população. Pior informada. Mais vulnerável à manipulação. Os mesmos que, daqui a uns anos, denunciariam amigos, colegas e vizinhos, sem hesitar.

Nesta altura, o bom senso parece estar a chegar a diversos países. O vírus seguiu o seu caminho normal. Adaptou-se ao hospedeiro. O chamado ‘certificado digital’ começa a cair, bem como a obrigatoriedade de tomar estas vacinas.

Mas nos media portugueses, a polarização e o clima de ódio e de veneração da ‘nova ciência’ permanece. E mesmo que tudo regresse ao ‘antigo normal’, há muitas coisas que terão que mudar. Incluindo na comunicação social. O que se passou nos últimos dois anos é, numa palavra, inaceitável. Também na medicina, na governação, na justiça…

silhouette of person

Hoje já se podem questionar os dados sem ser negacionista. Já se pode debater. Mas ainda se é acusado de se ser anti-vacinas, etc., etc. Os dogmas ainda existem. O clima de religião em torno desta “nova ciência” também.

Ainda muito está por apurar. E são muitos cidadãos – com e sem vacina contra a covid – que estão a exigir o apuramento da verdade dos factos. E vão continuar. Até ao fim. Porque a transparência da informação é um direito. De todos. De vacinados. De recuperados. De não-vacinados. De cidadãos. De pessoas. Também a tolerância deveria ser um direito. Essa sim, deveria ser obrigatória.

Da minha parte, faço questão de jamais esquecer aquele beijo. Como lembrança do porquê que é importante ensinar sobre ser tolerante. Sobre respeitar o próximo. Sobre a diversidade. Sobre pensar por si próprio. Ler. Sobre ensinar como amar na diferença. E sobre a magia que ocorre em nós, humanos, quando damos um abraço genuíno, com amor incondicional, a outro ser humano. Nosso semelhante. Sem desculpas.

Lembrem-se: somos todos iguais. Temos todos os mesmos direitos e liberdades. Mesmo que políticos, lobbistas e oportunistas vos tentem convencer que não. Ou mesmo que jornalistas vos tentem vender a ideia de que há humanos que são diferentes, inferiores ou superiores. Porque o que faz de nós iguais é sermos humanos. Sem nenhuma outra condição.

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