Neutralidade carbónica

Bebés em países ricos só podem ter 7% da ‘pegada ecológica’ dos avós

white windmill during daytime

por Maria Afonso Peixoto // Fevereiro 23, 2022


Categoria: Exame

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A Revolução Verde, nas próximas décadas, será sobretudo tecnológica para manter o conforto civilizacional. Uma coisa é certa: as crianças nascidas nesta década terão de reduzir o seu impacte ambiental, em especial nos países mais ricos. A Agência Internacional de Energia garante que haverá vantagens económicas.


Para se conseguir uma neutralidade carbónica (Net Zero) no meio deste século, quem nasceu há dois anos terá de reduzir em 90% a sua pegada ecológica ao longo da vida em comparação com a de um seu avô que começou a ver a luz dia em 1950, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE).

Esta redução a pique do impacte dos nossos comportamentos, medido em emissões de dióxido de carbono (CO2), constitui uma das metas fixadas pela União Europeia UE, e vai implicar uma mudança radical nos hábitos de produção e consumo de energia.

As contas da AIE indicam que enquanto, em média, uma pessoa nascida na década de 1950 emitirá, durante a sua vida, 350 toneladas de CO2, as crianças nascidas na actual década só poderão chegar às 34 toneladas, se se pretender mesmo alcançar a desejada neutralidade carbónica.

three women by the cardboard

Para a chamada geração Z, que abrange as pessoas nascidas entre 1997 e 2012, estima-se que as emissões sejam, em média, de 110 toneladas por habitante. A redução que agora se “exige” às novas gerações advém da necessidade de encontrar um equilíbrio entre as actividades humanas e a capacidade inata da Natureza em anular os seus impactes.

Nos países com emissões per capita historicamente elevadas, na América do Norte e na Europa, serão exigidas reduções geracionais muito maiores do que em regiões menos desenvolvidas. A AIE refere que até 2050, as pegadas de CO2 de cada pessoa nascida na década de 1950 nos Estados Unidos ou na União Europeia será de 695 toneladas de CO2, cerca de 14 vezes maiores do que as pegadas dos seus descendentes nascidos na década de 2020, que emitirão, em média, 51 toneladas ao longo das suas vidas.

Em comparação, por exemplo, as pessoas nascidas na Índia na década de 1950 emitirão apenas 3,5 vezes mais CO2 do que os descendentes nascidos na década de 2020, enquanto na China esse rácio é de quatro.

O principal objectivo do Net Zero é limitar o aumento médio da temperatura global a apenas 1,5 graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais, de forma a evitar um agravamento dos efeitos do aquecimento global. Esta ambição requererá uma autêntica revolução do paradigma energético.

Emissões médias globais de CO2 ao longo da vida per capita por década de nascimento no Cenário Zero Líquido, 1950-2020. Fonte: IEA.

Até meio deste século, de acordo com o relatório “Net Zero by 2050 – A Roadmap for the Global Energy Sector”, da responsabilidade da AIE, o investimento mundial por ano necessário em “energias limpas“ deverá ser mais do triplo do valor actual, ou seja, tem de chegar aos 3,5 biliões (milhão de milhões) de euros por ano.

Essa será uma aposta fundamental para diminuir a dependência energética em combustíveis fósseis (como as gasolinas, carvão e gás natural), que deverão reduzir a sua quota global dos actuais 80% do consumo total para apenas 20% em 2050. Para manter os mesmos padrões de conforto, a solução tem mesmo de passar por uma mudança de paradigma, numa maior aposta nas energias renováveis, como a eólica e a fotovoltaica.

A almejada neutralidade carbónica também obrigará a que os carros ditos “normais“ (diesel e gasolina) cedam, progressivamente, o seu lugar às versões eléctricas. As vendas de carros eléctricos terão, contudo, de crescer 18 vezes entre 2020 e 2030. Um salto quase “estratosférico”, dado que “obrigará”, numa só década, que as vendas anuais da ordem dos 3 milhões de unidades subam para quase 60 milhões. Em suma, daqui a oito anos, os carros ecológicos terão de representar 60% do total de vendas.

Emissões de CO2 ao longo da vida per capita por década de nascimento em economias avançadas no Cenário Zero Líquido, 1950-2020. Fonte: IEA.

Este objectivo mostram-se extremamente ambicioso, mesmo se as vendas dos carros ecológicos aumentaram já bastante no último ano, atingindo 6,6 milhões de unidades, quando em 2020 se cifrara em três milhões. Se esse ritmo absoluto de crescimento se mantiver apenas se venderão 39 milhões de euros em 2030.

Em todo o caso, prevê-se que esta autêntica Revolução Verde seja bastante benéfica para e Economia em geral. A AIE estima a criação de 30 milhões de novos postos de trabalho por actividades e investimentos ligados às energias limpas. No entanto, estas oportunidades serão em sectores e locais diferentes, exigindo, outro tipo de competências. Em contrapartida, serão perdidos cerca de cinco milhões de empregos, frequentemente bem pagos, associados a tecnologias consideradas obsoletas.

A AIE acredita que a tendência quase generalizada de crescimento económico nas últimas décadas não será comprometida por um mundo mais ecológico. No cenário hipotético do relatório “Net Zero Emissions by 2050”, formulado por aquela agência, a economia global duplicará entre 2020 e 2050.

Se atentarmos aos valores absolutos de emissões de dióxido de carbono por cada país, obtemos um ranking diferente do que teríamos se calculássemos a pegada carbónica per capita. Utilizando o primeiro critério, a China é, indubitavelmente, o país que mais polui. Segundo as estatísticas da British Petroleum (BP) relativas ao ano de 2020, este país era responsável pela libertação de 9,9 mil milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera (30,7% do total global). Seguiam-se os Estados Unidos, com 4,4 mil milhões (14%), e a Índia, com 2,3 (7%).

No panorama europeu, a Alemanha lidera a lista dos países mais poluentes, devido à sua forte dependência do carvão. Com efeito, no início desta década, mais de 25% do total de emissões de CO2 da União Europeia, englobando 27 Estados-membros, provinha daquele país.

aerial photography of grass field with blue solar panels

Se, por outro lado, aplicarmos o critério das emissões de CO2 por cada habitante, a Ásia Ocidental assume a liderança, com destaque para países com grandes reservas petrolíferas como Qatar, Kuwait e Arábia Saudita.

Tendo em conta a sua pequena dimensão, Portugal emitiu cerca de 41 mil milhões de toneladas de CO2 em 2020, perfazendo apenas 0,1% da “pegada” global. Mas, a reboque da “emergência climática”, o governo de António Costa pretende que este saldo passe a ser neutro ainda antes de 2050, o prazo definido pela UE. Em Novembro passado, o Partido Socialista apresentou na Assembleia da República uma proposta para se antecipar a meta da neutralidade carbónica já para 2045.

No ano passado, em Portugal, as energias renováveis estiveram na origem de mais de metade (59%) do consumo de electricidade no nosso país. A energia eólica e a hidroeléctrica estiveram em destaque, representado 26% e 27%, respectivamente. Apenas 3,5% do consumo foi proveniente de energia solar fotovoltaica, mas o uso desta tecnologia cresceu em 37% face ao ano anterior.

De acordo com dados da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), no mês passado Portugal foi o quarto país da Europa com maior taxa de incorporação de energias renováveis na produção de electricidade (59,7%), atrás da Noruega, Dinamarca e Áustria.

Texto editado por Pedro Almeida Vieira

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