A Revista TV Guia ofereceu aguçada faca de cozinha na mesma edição em que destacou profusamente o suicídio do actor Pedro Lima em 2020, explorando as causas e o método. A Entidade Reguladora da Comunicação para a Comunicação Social (ERC) considera agora que a revista da Cofina foi “sensacionalista”, mas arquiva queixa pela tétrica campanha de marketing.
Apesar de considerar “sensacionalista” a manchete da TV Guia sobre a morte do actor Pedro Lima, que se suicidou em 20 de Junho de 2020 na praia do Abano, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não considerou que aquela publicação da Cofina tenha cometido qualquer ilegalidade ao oferecer em simultâneo uma faca de cozinha, mesmo mais longa do que a revista.
O parecer da ERC, disponibilizado esta semana no seu site, surge no seguinte de duas queixas que destacavam sobretudo o facto de “o afogamento [do conhecido actor de 49 anos] ter sido precedido de cortes no abdómen e na carótida” e, nessa medida, e de ser “errado e de muito mau gosto a coincidente oferta de uma faca de cozinha” na compra da revista.
A capa da edição de 26 de Junho daquele ano foi dedicada em exclusivo à morte e exéquias de Pedro Lima, bem como a questões familiares e da sua vida pessoal, sendo encimada pela imagem de uma faca de cozinha. O PÁGINA UM opta por não reproduzir aqui a capa da revista TV Guia, podendo esta ser visualizada aqui.
No processo da ERC, a directora da TV Guia, Luísa Jeremias, nem sequer respondeu a justificar aquela decisão de marketing. Contudo, a ERC apurou que a oferta daquela faca se inseria numa campanha de oferta de faqueiros, colares e outras bugigangas, pelo que, podendo-se até “condescender com o carácter tétrico de toda a situação”, comprovava-se que “a campanha estava planeada e tinha sido anunciada aos leitores da TV Guia ainda antes dos acontecimentos envolvendo o actor”. E, desse modo, decidiu arquivar as queixas.
Em todo o caso, a ERC aproveitou para se debruçar sobre a abordagem sensacionalista da revista da Cofina, tanto ao nível da titulação da manchete como dos conteúdos. Mesmo aceitando que “as características intrínsecas” das chamadas revistas cor-de-rosa, o regulador considera que a revista usou “uma titulação forte, que causa comoção e desassossego”, tecendo depois várias considerações, aludindo especialmente “às diretrizes internacionais emanadas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tratamento jornalístico de atos suicidas – designação que inclui tentativas de suicídio e suicídio consumado, como é o caso.”
De igual modo, a ERC relembra o protocolo que assinou com o Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM), bem como os pactos implícitos que existem na quase totalidade da comunicação social sobre a cobertura de actos suicidas.
Por exemplo, tanto a OMS como o PNSM recomendam que a comunicação social nunca use o termo “suicídio bem-sucedido”, mas sim “suicídio consumado”, e que não “devem publicar fotografias ou notas de suicídio, noticiar detalhes específicos do método usado, apresentar razões simplistas, glorificar ou tratar os casos de modo sensacionalista, usar estereótipos religiosos ou culturais e dividir a culpa sobre o sucedido.”
No caso em concreto de celebridades, como era o caso de Pedro Lima, as recomendações são ainda mais específicas.
A ERC salienta que, nestas circunstâncias, “a cobertura sensacionalista de suicídio deve ser evitada a todo o custo”, devendo “ser minimizada tanto quanto possível”, e mencionando-se sempre “qualquer problema de saúde mental” subjacente. E deve ainda “envidar-se todos os esforços para evitar os exageros”, incluindo “fotografias do falecido, do método usado e da cena do suicídio”, sendo aconselhado que não se noticiem suicídios de pessoas famosas na “primeira página”.
Ou seja, tudo o que era recomendado, a TV Guia fez ao contrário. Mas mesmo assim, a ERC acaba apenas por recomendar “à TV Guia que faça refletir as indicações nacionais e internacionais dirigidas aos órgãos de comunicação social no tratamento noticioso de atos suicidas, consumados ou não consumados.”