Conflito na Ucrânia

O sistema financeiro e a confiança em tempos perigosos

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

por Luís Gomes // Março 5, 2022


Categoria: Opinião

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A invasão de um estado soberano por parte da Rússia continua. No momento em que escrevo, a maior vítima deste conflito é definitivamente a população civil da Ucrânia: colapso de infra-estruturas, casas destruídas, poupanças evaporadas e risco de vida. Uma enorme crise de refugiados, com a população em fuga para países na fronteira ocidental da Ucrânia, carregando consigo apenas a roupa do corpo e alguns bens.

Não há palavras para uma ignomínia desta dimensão. A Rússia junta-se a outro estado excepcional, daqueles que se julgam legitimados pelo Divino a desrespeitar as fronteiras de outro país, tal como aconteceu no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, apenas para citar alguns exemplos obliterados por guerras sem sentido.

Esta guerra está a aprofundar precedentes perigosos, em particular o desrespeito pela propriedade privada e o direito de qualquer cidadão a defender-se de uma acusação.

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Na Bíblia, apesar de Deus conhecer o assassínio de Abel pelo seu irmão Caim, não quis deixar de interpelar Caim e conhecer as suas razões; ou seja, devemos sempre ouvir alguém expressar a sua versão da história. Parece que agora este valor das sociedades ocidentais desvanece-se todos os dias.

Há umas semanas, várias pessoas no Canadá viram as suas contas bancárias congeladas e mesmo confiscadas, apenas porque tinham apoiado financeiramente uma manifestação – um direito inscrito na Constituição da maioria dos países ocidentais. Tudo isto, sem qualquer ordem judicial ou defesa.

Com a guerra, este ataque às liberdades e direitos apenas se acentua: pede-se agora o confisco dos bens de todos os russos residentes no Ocidente; assim, sem mais, sem uma acusação, sem defesa. Apenas por serem russos.

Os danos não se ficam por aqui: o Tesouro norte-americano decidiu congelar todos os activos do Banco Central da Rússia e de um fundo de investimento soberano – cujo gestor é amigo de Putin –, custodiados nos Estados Unidos.

É óbvio que os investidores têm memória e tomam nota: se aconteceu com este também pode acontecer comigo. Mas estas medidas são sempre um precedente perigoso, dado que a confiança é um activo que custa a conquistar; demora tempo, implica seriedade e estabilidade da legislação, podendo, no entanto, ruir numa questão de dias, como agora. É bom que os dirigentes ocidentais reflictam sobre isto.

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Para além do confisco de activos, segundo a agência de notícias Reuters, sete instituições financeiras russas deixaram de ter acesso ao SWIFT, um sistema de mensagens entre bancos que permite realizar compensações e acertar saldos entre bancos. Trata-se da rede em que assenta a maioria das transferências bancárias no Mundo.

Para um exportador russo de gás receber dinheiro de um importador alemão, ambos têm de recorrer a bancos que comunicam entre si através da rede SWIFT. Desta forma, os movimentos de capitais para e desde a Rússia estão severamente limitados, em particular com países ocidentais.

Para além das medidas já mencionadas, a guerra do ocidente assenta essencialmente em sanções económicas, que consistem na exclusão da Rússia do comércio internacional. Mas não só a Rússia: a Ucrânia, devido à invasão, deixou também de poder realizar negócios com o exterior.

A impossibilidade de comprar petróleo e gás à Rússia e cereais à Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais, está a provocar uma escalada descontrolada dos preços da maioria das matérias-primas. Este é um agravamento da inflação que já vinha detrás, em virtude da impressão massiva de moeda pela maioria dos bancos centrais do ocidente. Para nossa surpresa, parece que vão usar esta crise para continuar a imprimir.

Variação (%) de preços de matérias-primas entre 31 de Dezembro de 2021 e 2 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.

Para termos uma ideia do descalabro, podemos observar que o petróleo regista uma subida de 50% em 2022, de 66 €/barril no final de 2021 para 99€/barril no final da sessão do dia 2 de Março.

O trigo e o milho sobem 40% e 27%, respectivamente. Tudo isto em apenas dois meses! É fácil imaginar o impacto destas subidas de preços na frágil economia europeia, muito dependente da importação de “energia” da Rússia.

Este movimento é agravado pela desvalorização do Euro: no presente ano regista uma queda superior a 2% em relação ao USD, adicionando-se à desvalorização de cerca de 8% em 2021.

O Rublo também se afunda frente ao USD, perdendo mais de 35% no presente ano!

Trata-se de um cataclismo para os aforradores russos, que vêem as suas poupanças arruinadas pela desvalorização da sua moeda. Face ao exterior, são agora profundamente pobres!

Evolução (%) das principais dividas face ao dólar americano (USD) em 2022, até 2 de Março. Fonte: Yahoo Finance.

No dia 1 de Março, para evitar o colapso da moeda russa, o presidente Putin proibiu a residentes a realização de empréstimos em moeda estrangeira e/ou a realização de transferências para o exterior, evitando a saída de capitais. Na prática, os russos passaram a estar vedados de vender Rublos e de adquirir Euros ou USD, evitando a erosão das suas poupanças.

Havia uma alternativa. Qual? As Criptomoedas.

Não por acaso, o Bitcoin foi a Criptomoeda em maior destaque na última semana, com uma subida de 13%, apenas superada pela Luna – esta por razões que irei analisar no final do artigo.

O fecho dos mercados de Forex aos russos também pode causar vítimas “deste lado”.

A pergunta que agora se coloca é a seguinte: estará o mundo ocidental, e em particular a Europa, capaz de suster esta guerra económica, vendo-se obrigado a comprar matérias-primas essenciais à sua indústria a preços exorbitantes e descontrolados, tudo para evitar importá-las da Rússia?

Variação (%) da cotação das principais criptomoedas entre 26 de Fevereiro e 3 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.

Vamos então ver em que estados se encontram as economias ocidentais.

No que respeita ao endividamento público, a situação é um autêntico plano inclinado em direcção a um buraco negro. Os Estados Unidos, cuja moeda é a reserva do Mundo, quase superam o endividamento público português, em torno de 130% do PIB. E a Rússia? Apenas 19%.

E em relação à balança de transacções correntes, ou seja, ao saldo líquido das relações com o exterior?

A situação do ocidente é igualmente débil. Os Estados Unidos apresentam uma das situações mais negativas da sua balança de transacções correntes em muitos anos. Ou seja, o exterior está constantemente a financiar os Estados Unidos, estando estes dependentes de recursos financeiros externos. Algo que não ocorre com a Rússia, que possui excedentes nos últimos anos.

A situação russa até é provável que ainda seja melhor, em resultado da subida do preço das matérias-primas, pois vende mais caro!

Evolução do rácio dívida pública/PIB (%) na Grécia, Itália, Portugal, Estados Unidos e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.

A subida inexorável da inflação não parece preocupar a presidente do BCE, Christine Lagarde, que afirmou recentemente que as dificuldades sentidas pela economia europeia, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, é motivo para a impressora não abrandar o ritmo.

Atentemos à sua afirmação: “A presidente do BCE, Christine Lagarde, alertou que o Conselho do BCE poderia prejudicar a recuperação da economia se se apressasse a apertar a política monetária…”.

Qual a conclusão de tudo isto que estamos a viver?

Primeiro, o sistema bancário apresenta-se crescentemente perigoso; em qualquer momento, um cidadão pode sofrer o confisco das suas contas; qualquer motivo serve: (i) um imposto para salvar o país de uma bancarrota; (i) um pequeno donativo para ajudar um banco em apuros, que necessita da ajuda dos seus depositantes. As Criptomoedas em endereços controlados apenas pelos investidores são os únicos activos financeiros a salvo deste tipo de contratempos;

Segundo, a rede SWIFT, utilizada pela maioria dos bancos ocidentais, serve de arma de guerra. Em oposição, atendendo à descentralização do seu funcionamento, as Criptomoedas estão ao abrigo desta guerra. Funcionam sempre, sem olhar a quem;

Evolução do rácio balança de transacções correntes/PIB (%) na Grécia, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.

Terceiro, os bancos centrais vão utilizar esta guerra como argumento para continuar a imprimir, agravando, desta forma, a taxa de inflação, já de si altíssima e descontrolada, erodindo ainda mais as poupanças dos aforradores europeus e tornando o seu custo de vida insuportável. Por outro lado, a situação gravíssima de endividamento público da maioria dos países ocidentais impede a subida das taxas de juro, caso contrário, a bancarrota está ao virar da esquina;

Quarto, a repressão financeira dos aforradores vai acentuar-se. Desta forma, os projectos de finanças descentralizadas (DeFi), como é o caso do Anchor Protocol, do blockchain Terra, que permite rentabilidades anuais em torno de 20%, são uma alternativa óbvia aos depósitos tradicionais. A subida em 500 milhões de USTs das reservas do Anchor Protocol fez com que disparassem os fundos captados, que se situam agora acima de 8 mil milhões de USTs. Esta foi a razão para a subida imparável da Luna, a Criptomoeda do blockchain Terra.

Termino com a pergunta: afinal, as sanções aplicam-se a quem: a nós ou aos russos?

Independentemente da resposta, para mim, fica óbvio que as Criptomoedas são a única fuga a esta loucura!

Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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