Título
A mãe de Frankenstein
Autora
ALMUDENA GRANDES
Editora (Edição)
Porto Editora (Fevereiro de 2022)
Cotação
16/20
Recensão
Considerada uma das autoras da literatura espanhola com maior êxito e com maior projeção internacional, Almudena Grandes, falecida em Novembro passado, confessou que sempre quis ser escritora, incentivada pela mãe e pela avó. E foi em toda a sua plenitude desde o início.
O seu primeiro livro, Las Edades de Lulú (1989), aclamado e premiado pela crítica, foi também adaptado ao cinema, com grande êxito. Posteriormente publicou, entre outros, romances como Te Llamaré Viernes (1991), Los Aires Difíciles (2002), Castillos de Cartón (2004) – estes dois publicados em Portugal em 2008 e 2007, pela Dom Quixote) e Besos en el Pan (2015).
Em 2010 iniciou uma série intitulada Episodios de Una Guerra Interminable, um conjunto de seis romances sobre a resistência antifranquista no período compreendido entre 1939 e 1964, com Inés y la Alegría, tendo o quarto, Los Pacientes del Doctor García (2017), sido galardoado com o Prémio Nacional de Narrativa e o Prémio Liber. Este romance foi também publicado em Portugal em 2020 pela Porto Editora.
Tal como a própria autora afirmou diversas vezes, com esta série de romances pretendeu seguir o modelo de Benito Pérez Galdós (1843-1920), na obra os Episodios Nacionales, onde aquele autor introduz ficção num quadro histórico perfeitamente definido. "Não sei quantos escritores há no Mundo que se podem gabar de ter inventado, no último terço do século XIX, um formato narrativo que pode ser utilizado no primeiro terço do século XXI", disse a autora, referindo-se a Galdós, que escreveu seis séries de um conjunto de 46 romances sobre a História da Espanha.
Almudena Grandes confessou muitas vezes a sua admiração por Galdós, que, nas suas palavras, lhe «ensinou coisas que são fundamentais para a profissão: construir romances como casas [em que a estrutura é o elemento mais importante] e, em segundo lugar, contar a história desde baixo, na perspetiva das pessoas da base.» E é, inegavelmente isso que ela fez em A Mãe de Frankenstein.
Com a mestria dos grandes, Grandes conta-nos, num romance canónico, uma boa história, num enredo sólido e personagens densas (as principais são pessoas reais), e muito bem construídas. O romance é contado na primeira pessoa, ou melhor dizendo, através de três primeiras pessoas, alternadamente: o médico, Gérman Velázquez; a doente, Aurora Carballeira, e uma das suas cuidadoras, Maria Castejón, que vão narrando com recurso a analepses e interpretações diferentes das mesmas situações. Ama história começa em 1954, mas leva-nos ainda ao início da guerra civil espanhola, e ainda mais atrás, ao dia em que Germán Velázquez, ainda uma criança, assistiu a um acontecimento que lhe marcaria a vida e o encaminharia para a profissão que também foi a do pai: médico psiquiatra.
Nesse dia, uma mulher estranha, na sua explicação infantil, entrou-lhe pela casa dentro, acompanhada pelo seu advogado e com uma confissão arrepiante. Tinha acabado de matar a sua própria filha, com quatro tiros, enquanto ela dormia. Essa mulher era Aurora Rodríguez Carballeira e a filha, Hildegart Rodríguez Carballeira, foi concebida e criada, pela mãe, de forma a tornar-se a “mulher perfeita do futuro". Para a mãe ela tinha sido um projeto científico e propôs-se criá-la como “uma mulher nova, redentora dos vícios e padecimentos da humanidade”. Não o tendo conseguido, matou-a.
O médico vai encontrá-la, muito mais tarde, no manicómio onde foi internada e onde ficou até à sua morte, em 1956. Os acontecimentos são, então, contados pelos três narradores, intervaladamente, criando uma sucessão de avanços e recuos nas suas próprias histórias e nas suas vidas, em episódios que se cruzam, quer com a guerra civil do país, quer com o filicídio e todo o acontecimento mediático da época, quer com uma Espanha sufocada pelo franquismo e pela Igreja Católica, em que até a intimidade das pessoas era invadida, e que se reflecte no ambiente vivido no manicómio feminino de Ciempozuelos, onde decorre a ação. E esse mesmo local, numa pequena escala, representa o reflexo do ambiente social da época.
No manicómio há quatro ambientes distintos: o das doentes pobres e os das primeira, segunda e terceira classes. Não partilhavam os mesmos espaços, não dormiam nos mesmos dormitórios e não comiam nos mesmos refeitórios, nem comiam a mesma comida. O mesmo se passava numa sociedade totalmente dividida em classes onde os vencedores consideravam razoável ter uma série de privilégios que eram negados a outros.
Aurora Carballeira era uma dessas privilegiadas. Era uma assassina, mas tinha acesso a tudo o que o dinheiro podia dar naquelas condições: um tratamento privilegiado, um quarto privado e uma cuidadora esmerada, Maria, que lhe proporcionava leituras em voz alta, quando ela deixou de poder ler, devido à cegueira, e ainda o interesse profissional do Dr. Gérman. Para além disso, possuía um piano. E foi por causa dele que estas três personagens se encontram, e passam a interagir num bailado que Almudena Grandes consegue coreografar, nunca nos deixando perder o interesse e o fascínio, numa leitura apaixonante.
Formalmente, a capa desmerece a obra: o olhar de espanto da mulher da foto mostra-nos o que Aurora nunca sentiu. Não reconheceu a sua culpa no homicídio da filha, e nunca se arrependeu. Não pude deixar de fazer o paralelismo com o quadro de Ilya Repine, Ivan o Terrível, onde sim o arrependimento e o pavor estavam explícitos e eram evidentes.
A revisão de texto não é das melhores, e deixou escapar alguns erros que se lamentam.