Análise à mortalidade total

Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

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por Pedro Almeida Vieira // Março 7, 2022


Categoria: Exame

Temas: Saúde

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Apesar da falta de transparência da Direcção-Geral da Saúde (na divulgação das causas de morte) e do Infarmed (sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19), o PÁGINA UM faz uma análise detalhadas sobre a mortalidade por todas as causas por grupo etário, comparando os primeiros 60 dias do ano de 2021 com os períodos homólogos de 2016 a 2021. Estamos muito melhor do que no ano passado, mas os números são, para algumas idades, mais elevados do que seria expectável. A pandemia pode já ter acabado, mas os seus efeitos indirectos não.


Os dois primeiros meses do ano passado foram catastróficos. Os surtos de covid-19, a par do colapso na assistência hospitalar do Serviço Nacional de Saúde em enfrentar também uma vaga de frio sobretudo em Janeiro, causou uma mortandade nunca vista. Nos primeiros 60 dias de 2021 morreram, segundo dados oficiais, 32.777 pessoas, ou seja, uma média de 546 pessoas por dia. A média diária no quinquénio anterior ao surgimento da covid-19 em território português (2016-2020) foi de 377 óbitos, o que mostra bem a verdadeira dimensão da pandemia neste período, embora não possa, e não deva, ser apontada a covid-19 como exclusiva responsável.

Entretanto, durante a pandemia, foram introduzidas outras relevantes variáveis. Além de um acréscimo de mortalidade por todas as causas observado em Portugal sobretudo no primeiro ano da pandemia, os programas de vacinação vieram, por um lado, dar esperança de redução da letalidade da covid-19, mas também introduziram um receio sobre os seus efeitos adversos quer a curto quer a longo prazo.

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Embora o PÁGINA UM seja intransigente defensor de análises aprofundadas com base em dados detalhados, nota-se que, infelizmente, as autoridades de saúde são particularmente adeptas do obscurantismo, não cedendo informação essencial.

De facto, uma análise dos efeitos da pandemia necessitaria, obrigatoriamente, de informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) para aferir as causas distintas da mortalidade para que, dessa forma, se conseguisse separar o efeito directo da covid-19 e a variação do peso das outras doenças na mortalidade total.

De igual modo, para dar resposta às preocupações sobre os efeitos adversos das vacinas, seria fundamental analisar as causas de morte desde o início dos programas de vacinação e comparar com anos anteriores.

Não sendo tal (ainda) possível, o PÁGINA UM predispôs-se a fazer uma análise aos primeiros 60 dias de cada ano, entre 2016 e 2022, considerando a mortalidade total (todas as causas). Esta análise teve em conta a prevalência e incidência dos diferentes surtos gripais (2016-2020) e a situação pandémica nos anos de 2021 (ainda com fraca taxa de vacinação) e 2022 (com elevada taxa de vacinação, incluindo reforço de terceira dose nos grupos etários mais idosos).

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Este breve exercício serve sobretudo para se ter uma rápida percepção sobre a situação pandémica actual face não apenas ao pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021) mas também ao período anterior à pandemia. Saliente-se que, por norma, os dois primeiros meses do ano, na sua totalidade inseridos no Inverno, são os mais mortíferos.

Caso se pretenda comparar ano a ano deve ter-se em consideração os efeitos dos surtos gripais, que constituem, no Inverno, o principal factor de agravamento da mortalidade.

Assim temos as seguintes situações:

2016 – surto gripal com fraca incidência e agressividade;
2017 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
2018 – surto gripal com média incidência e agressividade;
2019 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
2020 – surto gripal (anteriormente ao surgimento da covid-19 em Portugal) com fraca incidência e agressividade.

Note-se também que os surtos gripais (com efeitos na mortalidade por infecções respiratórias) nunca tiveram impacte nos grupos etários abaixo dos 45 anos, sendo muito pouco relevante até aos 65 anos, e ganhando importância sobretudo a partir dos 75 anos e ainda com mais relevo nos maiores de 85 anos.

Nesse sentido, as principais conclusões que se pode retirar desta análise do PÁGINA UM são as que apresentam seguidamente, por grupo etário.

Menores de 1 anos

Impacte da pandemia completamente nula, e indirectamente até acabou por se observar uma redução na taxa de mortalidade por todas as causas, mesmo tendo em conta a redução dos nascimentos. Note-se que o número de óbitos nesta idade é bastante baixa, tendo em consideração que se registam, em média, cerca de 80 mil nascimentos por ano.

Óbitos por todas as causas dos menores de 1 ano nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 1 e 4 anos
Impacte da pandemia completamente nula. Nesta faixa etária a mortalidade por todas as causas é, felizmente, bastante baixa, e os surtos gripais e a covid-19 não têm nem nunca tiveram qualquer relevância. Também não se observam quaisquer efeitos indirectos adversos decorrentes da pandemia.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 1-4 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 5 e 14 anos

Impacte da pandemia completamente nulo, mesmo antes das vacinas. Face aos anos anteriores, 2021 foi mesmo aquele com menor mortalidade (10). Neste grupo etário, os óbitos totais em 2022 foram, no período em análise (60 dias), superiores aos de 2021 (mais cinco óbitos), mas mesmo assim abaixo da média. O programa vacinal contra a covid-19 serviu literalmente para nada.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 5-14 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 15 e 24 anos

Em comparação com os anos anteriores, 2022 foi o ano com maior número de óbitos neste grupo etário (64), registando-se 12 mortes a mais do que em 2021 (antes do programa vacinal). Em todo o caso, parece-me prematuro, e especulativo, associar o programa vacinal a este excesso de óbitos, uma vez que os números de 2022 estão próximos de alguns do outros anos (2017 e 2019).

Óbitos por todas as causas no grupo etário 15-24 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 25 e 34 anos

Embora neste grupo etário a mortalidade por todas as causas seja ainda bastante baixa, no ano passado registou-se um incremento significativo (108 óbitos) face à média do quinquénio anterior (92 óbitos), não podendo associar-se exclusivamente à covid-19, porquanto houve também um pior acompanhamento das outras doenças. Em todo o caso, a mortalidade por todas as causas em 2022 já se encontra em linha com a média.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 25-34 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 35 e 44 anos

A pandemia não aparenta ter tido impacte na mortalidade neste grupo etário, mesmo se os valores em 2021 (no pior período) foi ligeiramente superior à média do quinquénio anterior (286 vs. 271). Contudo, foi mesmo assim foi inferior ao ano de 2016, que teve até um surto gripal relativamente fraco.

A mortalidade total em 2022 foi ligeiramente abaixo da média do quinquénio anterior à pandemia (269 vs. 271), mas não aparenta ter qualquer relação com o programa vacinal, tanto mais que o valor está acima do registado em 2020 (237 óbitos).

Óbitos por todas as causas no grupo etário 35-44 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 45 e 54 anos

A pandemia teve já um efeito relevante na mortalidade em 2021, com um acréscimo de 17% em relação ao quinquénio anterior (954 vs. 814), chegando a atingir um agravamento de quase 26% face ao ano de 2020. A mortalidade em 2022 encontra-se abaixo da registada em qualquer dos cinco anos anteriores à pandemia, o que pode resultar mais da perda do subgrupo dos mais vulneráveis (falecidos durante a pandemia) do que um efeito directo da vacina.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 45-54 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 55 e 64 anos

Não parece existirem dúvidas do forte impacte da pandemia (directa e indirectamente) na mortalidade nos primeiros dois meses de 2021 face aos anos do quinquénio anterior, com um excesso de 30%. O número registado em 2022 (1.740) parece-me bastante preocupante, porquanto, com a covid-19 muito menos agressiva e letal, a mortalidade deveria ser muito mais baixa do que a média, o que não sucede. Isso pode indiciar efeitos de outras doenças que não foram suficientemente tratadas durante a pandemia.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 55-64 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 65 e 74 anos

Também nesta faixa etária, a mortalidade em 2021 foi extraordinariamente elevada face à média do quinquénio anterior à pandemia (mais 49%), o que correspondeu a mais 1.494 óbitos.

A hecatombe neste grupo etário causado pela covid-19 e por outras doenças que passaram a ter menor acompanhamento deveria ter tido como consequência uma menor mortalidade nos tempos mais recentes, mas tal não se está a observar.

Com efeito, mesmo com a covid-19 menos agressiva, ausência de surtos gripais e população com taxa de vacinação quase total, o número de óbitos por todas as causas foi nos primeiros 60 dias de 2022 superior a qualquer ano do quinquénio anterior à pandemia.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 65-74 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Entre 75 e 84 anos

Tal como no grupo etário anterior, a pandemia teve nos primeiros dois meses de 2021 um forte impacte na mortalidade por todas as causas, com um acréscimo de 42% face à média do quinquénio anterior, resultante de mais 2.850 óbitos. Contudo, ao contrário do que sucede com o grupo etário dos 65-74 anos, observa-se aqui um efeito de “fortalecimento” (ou seja, uma menor mortalidade subsequente a um efeito negativo que implicou a morte dos mais vulneráveis).

De facto, a mortalidade total em 2022, no período em análise, foi significativamente mais reduzida do que a média no quinquénio anterior à pandemia (6.346 vs. 6.729). Porém, mesmo assim seria expectável valores mais baixos, o que pode indiciar que existem problemas decorrentes da forma como se implementaram as estratégias de saúde pública durante da pandemia, que implicou um enfraquecimento generalizado da população mais idosa.

Óbitos por todas as causas no grupo etário 75-84 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Maiores de 85 anos

Durante os primeiros dois meses de 2021, a pandemia teve efeitos extraordinariamente negativos na população mais idosa, com um excesso de mortalidade de 53% face à média do quinquénio anterior (14.955 vs. 9.785), ou seja, mais 5.170 óbitos.

Este acréscimo foi, aliás, o culminar de meses anteriores, sempre com excesso de mortalidade neste grupo etário, o mais vulnerável à covid-19. No ano de 2022, apesar deste grupo etária quase integralmente (e com dose de reforço) e de um Inverno extremamente amenos e com actividade gripal nula, a mortalidade nos dois primeiros meses esteve acima da média do quinquénio anterior à pandemia (10.156 vs. 9.785).

Tendo em consideração a hecatombe da pandemia (directa e indirectamente) neste grupo etário, seria expectável agora um número de óbitos muitíssimo menor. Como tal não se observa, tudo indica que subsistem problemas já estruturais decorrentes da gestão da pandemia, mormente ao nível do (des)acompanhamento de doenças crónicas.

Óbitos por todas as causas nos maiores de 85 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

População global

Os primeiros dois meses de 2021 foram particularmente dramáticos, com um excesso de mortalidade por todas as causas de 45% face à média do quinquénio anterior (32.777 vs. 22.606), ou seja, um acréscimo de 10.171 óbitos. Note-se, contudo, como atrás se foi referindo, que o impacte esteve longe de ser generalizado. Cerca de 51% deste excesso esteve concentrado na população com mais de 85 anos, que representa pouco mais de 3% da população portuguesa.

Se considerarmos a população com mais de 75 anos, esse valor sobe para 79%, o que demonstra o particular impacte da pandemia (e dos seus efeitos colaterais) nos grupos etários mais avançados.

Óbitos por todas as causas na população portuguesa nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

Na verdade, no seu pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021), a pandemia não teve qualquer impacte no vasto grupo dos menores de 45 anos (que representam quase metade da população portuguesa). O excesso de mortalidade apenas teve um contributo de 1% no grupo dos 45-54 anos, e de 5% no grupo dos 65-74 anos.

Um ano depois desta situação, é curioso observar que a mortalidade total se encontra na linha com a média anterior à pandemia, o que parecendo uma boa notícia, não o é. Seria expectável que os valores da mortalidade total estivessem muito abaixo, tendo em conta a “limpeza” dos mais vulneráveis. Por outro lado, mostra-se preocupante observar os “comportamentos” distintos entre os diferentes grupos etários.

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